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3. O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA

3.2 A trajetória e história da mulher encarcerada no Brasil

Historicamente, para a mulher, sempre esteve reservado a vida privada. Tida como frágil e delicada, suas condutas estiveram reféns do funcionamento da Família, Estado e Sociedade que desempenham, dentro de um corpo social que tem como o patriarcado a ideologia dominante, assim, suas funções se estabelecem enquanto um ferramentas de manutenção dos papéis sociais exercidos por homens e mulheres, de forma intrínseca. Compreender que vivemos em uma sociedade machista é de suma importância para identificar as diversas violências que as mulheres são submetidas não só dentro do sistema carcerário, como também em suas vivências cotidianas.

O patriarcado se consolida, enquanto ideologia dominante em nossa sociabilidade, a partir da sua articulação com o sistema capitalista, o qual se baseia em engrenagens de dominação e exploração, consequentes da luta entre as classes sociais, proletário e burguesia. Neste contexto o patriarcado se estabelece como arma de alienação, opressora das condutas e papéis femininos e masculinos, os quais são mais desvantajosos para as mulheres. (NASCIMENTO, 2015 p. 168)

À medida que discussões como o feminismo são colocadas em pauta na sociedade, a mulher se apropria desse discurso como ferramenta para ocupar espaços que antes eram negados a ela, como na política e no mercado de trabalho, por exemplo. Com o avanço da discussão de gênero e a luta pela igualdade de direito entre os sexos que se instaurou no Brasil na década de 60, o que antes eram mulheres frágeis e delicadas, à serviços de seus companheiros, hoje são mulheres que discutem esse sistema opressão e desigualdade que as subalternizam.

[...] compreendemos que as mudanças ocorridas nas relações de gênero possibilitaram uma maior inserção da mulher no espaço público e a construção de um novo “perfil” feminino que ultrapassa a conduta padronizada de subalternidade, a qual coloca a mulher diante de novas possibilidades e realidades, antes quase inexistentes, como o crime, fenômeno social com crescente atuação das mulheres. (NASCIMENTO, 2015 p. 170)

Em seu texto, Nascimento (2015) discorre que através da perspectiva discriminatória do feminino como dócil e frágil, ao desconsiderar o potencial transgressor da mulher, o sistema carcerário invisibiliza e não oferece suporte adequado à encarcerada em sua trajetória dentro desse espaço, seja na infraestrutura, no acesso à saúde e outras assistências previstas na Lei de Execução Penal. Ignorar o fato que o encarceramento de mulheres é uma demanda social crescente é irresponsável, quando se percebe que há uma maior participação delas na sociedade

devido ao avanço da tecnologia e consequentemente da industrialização, da urbanização e a queda da taxa de fecundidade que proporcionaram à elas essa nova realidade inserida em um contexto capitalista. Portanto, da mesma forma que há um aumento da participação da mulher de espaços sociais como mercado de trabalho, existe também o aumento delas em espaços marginalizados, como o crime. Combinado à fatores socioeconômicos, culturais ao crescimento acelerado da população no geral, outro determinante que se pode comprovar é que os índices de criminalidade feminina aumentaram à medida que aumentou a participação da mulher na vida social, política e econômica do país em que vive (BASTOS, 2009)

Figura 10 - Internas com as freiras responsáveis pela gestão do Presídio de Mulheres

Fonte: Agência Universitária de Notícias - USP, 2017

Como dito anteriormente, é notório a violência de gênero ligada à mulher no início da sua trajetória no sistema prisional: Quando o encarceramento feminino é pensado e criado em caráter de “reformatório” diretamente ligado aos costumes morais e religiosos. A mulher é mais uma vez violentada, já que tem como punição a reafirmação dos valores patriarcais onde o lugar doméstico é onde ela pertence.

De acordo com o Infopen Mulheres de 2016, último levantamento voltado especialmente para caracterizar e delimitar a situação carcerária feminina no Brasil, com dados comparativos de

dezembro de 2015 e junho de 2016, chegou ao número de 42.355 pessoas, o que representa um aumento de 656% em relação ao total de seis mil mulheres encarceradas no início dos anos 2000. Ao contrário desse crescimento significativo no número de encarceradas, não há mudanças efetivas ao longo dos anos que atendam às novas demandas enfrentadas pelas mulheres no cumprimento de pena. São 35 anos sem nenhuma reforma em um sistema e conjunto de leis que não se adequam à mulher privada de liberdade que a cada ano aumenta exponencialmente.

O ambiente prisional não facilita e muito menos ajuda na recuperação e na reinserção dos internos à sociedade, o que para mulher é um desafio ainda mais complicado. O encarceramento dessa população é uma demanda social recente e crescente, dito isso, uma característica notável do sistema prisional é que os presídios não são espaços pensados para atender à mulher, tendo sua arquitetura prisional e os serviços penais formulados para atender, majoritariamente, os homens e posteriormente adaptados para a custódia de mulheres. Além do fato de que prédios públicos que anteriormente foram considerados inadequados e ou insalubres para o uso, são adaptados e ocupados por presas (FIGUEIRÓ, MELO e MARTINS, 2017). Os estabelecimentos prisionais devem ser separados em masculino e feminino, para que as políticas públicas sejam pensadas com a finalidade de atender às peculiaridades de cada gênero, preconizado pela Lei de Execução Penal, mas na tentativa de comprovar esses dados com levantamentos oficiais percebe então que os presídios femininos são poucos no território brasileiro. Como informa o Infopen Mulheres, 74% das mulheres encarceradas estão custodiadas em unidades originalmente masculinas, 17% em unidades mistas e 7% em unidades prisionais, de fato, femininas (DEPEN, 2016)20.

Se já não bastasse estar aprisionada às celas e pavilhões em sua maioria adaptados para a sua custódia, outra violência institucionalizada que presos em geral passam é a privação dos elementos que compõem sua identidade. Ao torná-los números ao invés de nomes, por exemplo, como os processos de normatização e padronização da sua imagem que são submetidos no momento em que iniciam o cumprimento de pena. No caso da mulher, que socialmente é repleta de pressões estéticas e de signos que fomentam sua identidade à sociedade, as quais fazem parte do cotidiano e estão enraizados em todo processo identitário, se encontram privadas de sua vaidade através dos recolhimentos de qualquer objeto pessoal e cosméticos que findam na repressão desses signos; o uso de roupas muitas vezes pensado para vestir corpos masculinos;

20 Os dados sobre a custódia de mulheres nos tipos de unidades prisionais referem-se à destinação prevista para o

estabelecimento em sua construção, não levando em consideração as mudanças estruturais feitas no decorrer de seu funcionamento.

submissão de procedimentos vexatórios de revistas; afastamento do convívio social que muitas vezes acarreta na repressão do desejo. Esse processo que censura o ego e desumaniza o interno é chamado como “mortificação do eu” (GOFFMAN, 1974, p. 24) com o intuito de dominar os sujeitos para a vida na instituição.

Segundo o Infopen Mulheres (2016), a maioria das mulheres que estão presas no Brasil foi condenada ou aguarda julgamento por algum delito ligado diretamente ao tráfico de drogas, correspondendo a 62% das mulheres. Figueiró, Melo e Martins (2017) afirmam que mesmo que a maior incidência dos crimes notificados por mulheres sejam esse, elas em sua maioria não ocupam um lugar de liderança e desempenham uma posição secundária a dos homens.

É notável que vivemos numa sociedade patriarcal, machista, no qual homens, majoritariamente brancos e de classe econômica elevada, se configuram no topo da pirâmide social, usufruindo de privilégios em detrimento à mulheres. Dito isso, para mulher, negra e pobre, está reservado o lugar de maior vulnerabilidade social, no qual sua presença ocupa espaços marginalizados que carecem de assistências governamentais em todas as suas esferas. Assim como o projeto “Sífilis Não” destaca a vulnerabilidade dessa população, não é coincidência que essa realidade esteja impressa nos dados e estatísticas da população carcerária feminina no Rio Grande do Norte e no Brasil.

Para corroborar com essa afirmativa, analisamos dados através do Levantamento de Informações Penitenciárias Infopen Mulheres (2016) que constroem o perfil da mulher que está privada de liberdade.

Tabela 1 - Perfil da mulher encarcerada PERFIL DA MULHER ENCARCERADA 21

Rio Grande do Norte Brasil População Prisional

Feminina 776 42.355

Faixa etária Em sua maioria, 74% das mulheres tem de 18 à 29 anos

e 26% dos 30 em diante.

50% das mulheres tem de 18 à 29 anos. 39% dos 30 aos 45 anos e 10% dos 46 em diante.

21 Os dados levantados aqui foram de junho de 2016, sendo o último levantamento feito pelo Departamento

Etnia 63% da população carcerária feminina do estado é negra.

37% são brancas. 62% negras, 37% brancas e 1% amarela. Escolaridade 20% Analfabeta; 23% Alfabetização; 31% Ens. Fundamental incompleto; 10% Fundamental completo; 5% Médio completo. 2% Analfabeta; 2% Alfabetização; 45% Ens. Fundamental incompleto; 15% Fundamental completo; 15% Médio completo; 1% Superior completo.

Estado civil Não Informado 62% solteiras; 23% união estável; 9% casadas.

Mulheres com filhos Não Informado22 1.111

Fonte: Infopen Mulheres (2016)

Segundo a Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 1984, o serviço de saúde prestado ao preso deve ter caráter preventivo e curativo, possibilitando ao interno, atendimentos médicos e odontológicos, como também serviços farmacêuticos. Além disso, o acesso dessa população aos serviços de saúde é legalmente assegurado pela Constituição Federal de 1988, pela Lei n.º 8.080, de 1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde e também pela Portaria Interministerial n.º 1.777, de 2003 que prevê atendimento de saúde gratuito para todos através do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP).

Em 2014, através da Portaria Interministerial n.º 1, foi instituída A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP) que coaduna o Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, os estados e o Distrito Federal representado pelas secretarias, na responsabilidade de atingir os objetivos e as diretrizes estabelecidas com base nos estudos e avaliações feitas na aplicação do PNSSP.

De acordo com o Infopen, até junho de 2016, 98% das mulheres no Rio Grande do Norte estão encarceradas em unidades prisionais com módulo de saúde, com 21 profissionais da saúde registrados sendo quatro enfermeiros, cinco técnicos em enfermagem, três dentistas e três auxiliares odontológicos, quatro médicos clínicos gerais e dois psiquiatras para atender todas as

22 Durante o levantamento do Infopen Mulheres (DEPEN, 2016), na produção dos relatórios estaduais de validação

unidades prisionais do estado. No âmbito da saúde da mulher, vale salientar que no relatório não há médicos especialistas em ginecologia e nem em obstetrícia em todo o território do RN.

Diante disso, para ter uma representação mais exata da realidade do estado no que concerne o encarceramento feminino, principalmente voltado à saúde, prevenção e conscientização de IST das internas, foram realizadas duas visitas ao Complexo Penitenciário Agrícola Dr. Mário Negócio (CPAMN) com o intuito de conhecer a unidade, entrevistar profissionais envolvidos nos cuidados da mulher privada de liberdade, como também saber através delas, a garantia dos atendimentos e o acesso à educação e saber se essas medidas funcionam para quem vive a realidade de estar atrás das grades.

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