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Ei, Psiu! Vem cá!: estratégia de comunicação contra a sífilis no Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

EI, PSIU! VEM CÁ!

ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO CONTRA A SÍFILIS NO COMPLEXO PENAL AGRÍCOLA DR MÁRIO NEGÓCIO

JOÃO VICTOR RIBEIRO BEZERRA

NATAL - RN 2019

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EI, PSIU! VEM CÁ!

ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO CONTRA A SÍFILIS NO COMPLEXO PENAL AGRÍCOLA DR MÁRIO NEGÓCIO

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Lilian Carla Muneiro

NATAL – RN 2019

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Bezerra, João Victor Ribeiro.

Ei, psiu! Vem cá! : estratégia de comunicação contra a sífilis no Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio / João Victor Ribeiro Bezerra. - 2019.

57f.: il.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Comunicação Social. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lilian Carla Muneiro.

1. Comunicação Pública - Monografia. 2. Sífilis - Monografia. 3. Projeto Sífilis Não Monografia. 4. Prisioneiras

-Monografia. 5. Sistema Prisional - -Monografia. I. Muneiro, Lilian Carla

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.11:616-002.6

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EI, PSIU! VEM CÁ!

ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO CONTRA A SÍFILIS NO COMPLEXO PENAL AGRÍCOLA DR MÁRIO NEGÓCIO

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda.

Aprovado em ___/___ de novembro de 2019, pela seguinte banca avaliadora:

________________________________________________ Profª.Drª Lilian Carla Muneiro

Orientadora

________________________________________________ Prof. Dr. Josenildo Soares Bezerra

Vice-diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

________________________________________________ Prof. Dr. Antonino Condorelli

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AUTOR: João Victor Ribeiro Bezerra

TÍTULO: Ei, Psiu! Vem cá! - Estratégia de comunicação contra a sífilis no Complexo Penal

Agrícola Dr. Mário Negócio

GRAU: Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda ANO: 2019

É concedida à Universidade Federal do Rio Grande do Norte permissão para reproduzir cópias deste Trabalho de Conclusão de Curso e para emprestar tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte deste Trabalho de Conclusão de Curso pode ser reproduzida sem autorização por escrito do autor.

____________________________________ João Victor Ribeiro Bezerra

Rua Silvianópolis, 4599. Parnamirim. CEP: 59150-165 - Parnamirim/RN – Brasil

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A minha família, aos meus amigos que são meu orgulho e me dão forças para continuar.

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Agradeço à minha orientadora Lilian pela paciência de ter entrado nessa missão junto comigo, ao SAV e Mídias que teve que me aguentar nesse processo. Muito Obrigado!

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“Toda prisão é uma prisão política.” Autor Desconhecido

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O Brasil enfrenta uma epidemia de sífilis reconhecida oficialmente pelo Ministério da Saúde em 2016, e os altos índices da infecção principalmente em países de renda média como o nosso, preocupam a sociedade, especialistas e estudiosos na área da saúde. Para conter esses números crescentes, o Projeto “Sífilis Não” atua em diversas frentes estratégicas para fortalecer a rede de resposta rápida à sífilis. A comunicação, através de uma campanha de abrangência nacional, se prospecta a atingir diversos públicos-chave, como gestantes, LGBTQI+1, população sexualmente ativa, pessoas em situação de rua a população em privação de liberdade. As ações voltadas para mulheres em privação de liberdade, público-chave desse trabalho, serão abordadas nesta monografia como objeto de análise, para compreender o contexto de prevenção dessa parcela da sociedade que é bastante desassistida para então, oferecer uma estratégia de comunicação que dialogue com a conscientização e a prevenção delas, como o stickers.

Palavras-Chaves: Sífilis. Comunicação pública. Sífilis Não. Mulheres privadas de

liberdade. Sistema prisional.

1 O uso do termo LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queers, Intersexuais) no lugar de apenas

LGBT surge pela necessidade de abraçar com maior inclusão outros grupos que fazem parte da sigla e se mostram de forma expressiva dentro do movimento.

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Figura 1 - Logo do projeto “Sífilis Não” 17

Figura 2 - Site da campanha Sífilis Não #TesteTrateCure 21

Figura 3 - Captura de tela do perfil da campanha no Facebook 21

Figura 4 - Captura de tela do perfil da campanha no Instagram 22

Figura 5 - Captura de tela da cobertura da reunião com as ONGs 25

Figura 6 - Interno do Carandiru segurando a Declaração Universal dos Direitos Humanos 26

Figura 7 - Internas trabalhando no presídio 27

Figura 8 - “Trio Ternura” eram conhecidos como os donos do Caldeirão do Diabo 29

Figura 9 - Manchetes sobre o Massacre de Alcaçuz 30

Figura 10 - Internas com as freiras responsáveis pela gestão do Presídio de Mulheres 33

Figura 11 - Registro das gravações 39

Figura 12 - Equipe do projeto com Diana e Betiza, a assistente social e a enfermeira 43

Figura 13 - Entrevista com as internas 46

Figura 14 - Sticker do projeto da Prof. Dra. Lilian Muneiro 49

Figura 15 - Stickers idealizados para uso em penitenciárias femininas 50

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Gráfico 1 - Taxa de detecção da sífilis no Brasil de 2010 a 2018 14 Gráfico 2 - Taxa de detecção de sífilis de acordo com a faixa etária 15

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Tabela 1 - Perfil da mulher encarcerada 35

Tabela 2 - Taxa de pessoas com agravos para cada mil presas 41

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1. INTRODUÇÃO 12 2. SÍFILIS, PROJETO “SÍFILIS NÃO” E A COMUNICAÇÃO PÚBLICA 13

2.1 O Projeto “Sífilis Não” e a Comunicação Pública ... 17

2.2 Campanha Publicitária Sífilis Não #TesteTrateCure... 20

3. O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA 24 3.1 A história do Sistema Penitenciário no Rio Grande do Norte ... 28

3.2 A trajetória e história da mulher encarcerada no Brasil ... 32

4. ANÁLISE DA SITUAÇÃO PRISIONAL 38 4.1 Métodos de Pesquisa e Analise ... 40

4.2 Outro olhar sobre Mário Negócio: Entrevista com as profissionais de saúde ... 42

4.3 Entrevistas com as mulheres privadas de liberdade ... 46

4.4 Sticker: Mídia alternativa e emergencial as unidades prisionais ... 48

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 51

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1. INTRODUÇÃO

O Brasil enfrenta uma epidemia de sífilis que foi reconhecida oficialmente pelo Ministério da Saúde em 2016 e os altos índices da infecção, principalmente em países de renda média como o nosso caso, preocupam a sociedade, especialistas e estudiosos na área da saúde.

A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), curável, causada pela bactéria Treponema Pallidum. Além do contágio através de relações sexuais desprotegidas, chamado de sífilis adquirida, existe também a sífilis em gestantes e a sífilis congênita, quando mão transmite para o filho. Vários fatores são apontados como causadores dessa epidemia, desde a falta de investimento para a produção da penicilina, antibiótico utilizado no tratamento, a negligência dos órgãos públicos, à falta de educação preventiva da população sobre o uso de preservativos e infecções sexualmente transmissíveis.

Mesmo curável e de fácil tratamento, a sífilis vem se mostrando resistente e desafiadora na tentativa de sua eliminação no mundo para as organizações de saúde (SAÚDE, 2018). Por isso, o projeto Integração Inteligente Aplicada Ao Fortalecimento Da Rede De Resposta Rápida À Sífilis, comumente chamado de “Sífilis Não”, surge na intenção da diminuição dos índices epidêmicos no Brasil através de uma agenda de estratégias onde a comunicação está incluída como uma das ferramentas para educar e conscientizar a sociedade. Além disso, o projeto atua em diversas frentes estratégicas pensando em ações nas bases comunitárias articuladas aos serviços de saúde, para que nessas ações desenvolvidas na ponta, atinjam as populações vulneráveis como a população sexualmente ativa, gestantes, população LGBTQI+, profissionais de saúde, população em situação de rua e pessoas em privação de liberdade. Esse último será abordado nesta monografia como alvo da pesquisa para saciar a carência de informações sobre como as campanhas de conscientização e prevenção atuam nesse público através de visitas a uma unidade prisional no interior de estado do Rio Grande do Norte.

Enquanto estudante do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propagando, após traçar um panorama sobre a comunicação dentro desses espaços, foi inevitável não pensar em alguma forma de sensibilizar essas mulheres e integrá-las nua cultura de cuidado com o corpo. Portanto, como método emergencial, foi pensado nos Stickers como uma ação que corrobora com a campanha Sífilis Não, sintetizado através do repertório obtido durante a formação aliado ao estudo e análise do que foi visto, junto a linguagem utilizada naquele espaço.

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2. SÍFILIS, PROJETO “SÍFILIS NÃO” E A COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Estamos enfrentando uma epidemia de sífilis a nível mundial, reconhecida oficialmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2016, e os altos índices da infecção, principalmente em países de renda média, como o Brasil, preocupam a sociedade, especialistas e estudiosos na área da saúde. A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) milenar, causada pela bactéria Treponema Pallidum, e segundo a OMS atinge mais de 6,3 milhões de pessoas pelo mundo.

Em seus primeiros estágios (primária, secundária e latente recente), a sífilis adquirida, aquela que se dá principalmente através do sexo desprotegido, tem um maior índice de infectividade que vai reduzindo gradualmente ao atingir os últimos estágios (latente tardia e terciária) de sua infecção. Através da transmissão vertical da bactéria se dá a sífilis congênita, quando é transmitida da mãe para o feto, sendo uma das manifestações mais danosas da infecção e como consequência, abortos, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, lesões na pele e malformações são, infelizmente, comuns.

Curável e de fácil tratamento, a sífilis vem se mostrando resistente e desafiadora na tentativa de sua eliminação no mundo para as organizações de saúde (SAÚDE, 2018). O combate às IST faz parte dos principais instrumentos de gestão dos estados, distrito federal e municípios como também de uma cooperação com os setores da saúde e seus profissionais, a sociedade, para uma conscientização nacional em prol da democratização do acesso à serviços básicos da saúde sexual, do diagnóstico ao tratamento, e da participação de outras esferas governamentais e sociais.

Um dos elementos apontados como um dos catalisadores dessa epidemia é a queda da produção mundial da matéria prima da penicilina benzatina2, o que interfere diretamente no abastecimentos de unidades de saúde e farmácias, não só no Brasil, como no mundo todo e por ser o mais indicado para o tratamento, já que dependendo do estágio, uma dose deste medicamento é o suficiente para atingir uma cura, que a demanda não está sendo suficiente para acompanhar o incessante crescimento da sífilis no Brasil. Outro ponto relevante para ser colocado

2 Brasil atravessa crise no fornecimento de penicilina para tratar sífilis. Acessado em 25 de agosto

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é a falta de educação preventiva da população sobre o uso de preservativos e as infecções sexualmente transmissíveis, o que contribuem com os altos índices registrados nos últimos anos.

Na figura abaixo é possível observar o crescimento alarmante na taxa de detecção da sífilis adquirida, sífilis em gestantes e a taxa de incidência de sífilis congênita no Brasil de 2010 a 2018.

Gráfico 1 - Taxa de detecção da sífilis no Brasil de 2010 a 2018

Fonte: Boletim Epidemiológico da Sífilis 2019. Ministério da Saúde.

Como foi levantado no Boletim Epidemiológico da Sífilis (2019), de 2010 a 2018 há um aumento de 3,8 vezes a taxa de incidência de sífilis congênita nesse período, passando de 2,4 para 9,0 casos por mil nascidos vivos. No caso da taxa de detecção da sífilis em gestantes, o aumento é ainda maior, aproximadamente 6,1 vezes mais casos que em 2010, indo de 3,5 para 21,4 casos por mil nascidos vivos.

Ao falarmos da sífilis adquirida, a taxa de detecção aumentou 29 vezes de 2010 para 2017. O que eram dois casos para cada 100 mil habitantes, se tornou uma média de 58,1. Em 2018 há um agravo de 28,3% na detecção de sífilis adquirida, que passou de 59,1 em 2017, para

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75,8 casos/100.000 habitantes. Nessa categoria de contágio da infecção, foi constatada uma predominância dela entre os segmentos mais jovens da população, o que evidencia a necessidade de desenvolver diferentes estratégias que dialoguem com os públicos-chaves que são gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSH), pessoas transexuais, pessoas que usam álcool e outras drogas, trabalhadoras do sexo e pessoas privadas de liberdade, sendo esse último o público que será analisado mais adiante nesta monografia.

O gráfico abaixo mostra a taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100 mil habitantes) de acordo com a faixa etária, sem recorte de gênero.

Gráfico 2 - Taxa de detecção de sífilis de acordo com a faixa etária

Fonte: Boletim Epidemiológico da Sífilis (2019). Ministério da Saúde.

Para se ter uma ideia, no período de 2010 a junho de 2019, foram notificados um total de 650.258 casos de sífilis adquirida, só em 2018 foram aproximadamente 160 mil casos sendo a maior parte dessas pessoas notificadas, pretas ou pardas (47,1%) e mulheres (57,4%). No que diz respeito à escolaridade das pessoas notificadas, não há uma precisão na informação visto que aproximadamente 40% dessas notificações careciam desse dado, ou foram preenchidas como

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“ignorado”. No entanto, dos casos notificados que tinham essa informação, 1,2% eram analfabetos, 20% não possuíam o ensino fundamental completo, 16,9% tinham o fundamental completo ou médio incompleto e 24,9% possuíam pelo menos o ensino médio completo.

Em entrevista ao portal de notícias Metrópoles, Adele Benzaken, médica sanitarista especialista em infecções sexualmente transmissíveis e ex-diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/AIDS e das hepatites virais, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (DIAHV/SVS/MS) afirma que no Brasil, a população mais afetada pela sífilis sãos as mulheres, principalmente as negras e jovens na faixa etária de 20 a 29 anos, representando 14,4% de todos os casos de sífilis adquirida e em gestantes notificados (METRÓPOLES, 2019).

Vale salientar que essa ascensão nas taxas de detecção pode ser explicada, em parte, pela mudança e rigor no que caracteriza a categorização dos casos de sífilis adquirida, em gestantes e congênita para uma maior sensibilidade e fortalecimento de políticas públicas (BRASIL, 2018).

Em setembro de 2017, Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu relatório operacional (Acórdão nº 2019/2017-PL) que decreta a epidemia de sífilis no país, afirma a negligência da doença por parte do Estado e ressalta que as metodologias até então usadas para o combate da infecção foram ineficazes (TRIBUNA DO NORTE, 2019).

RELATÓRIO DE AUDITORIA OPERACIONAL. ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NO CONTROLE DA INCIDÊNCIA DA SÍFILIS. CARÊNCIA DE MONITORAMENTO, POR MEIO DE INDICADORES DESAGREGADOS POR ENTES FEDERADOS, SOBRE O DESEMPENHO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO CONTROLE DA ENFERMIDADE, INEFETIVIDADE DAS ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA. DEFICIÊNCIAS NO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO NO ÂMBITO DA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE. DIAGNÓSTICO TARDIO DE GESTANTES COM SÍFILIS. DIFICULDADES NA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO, TENDO EM VISTA A SITUAÇÃO DE DESABASTECIMENTO DA PENICILINA NO MERCADO NACIONAL. (TCU, 2017)

Diante do cenário caótico no que concerne à sífilis no Brasil, as demandas do Acórdão 2019/2019-PL deixam claro a necessidade de uma iniciativa imediata do Ministério da Saúde e órgãos responsáveis para reduzir os índices que estão em incessante progressão. Desse modo, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/AIDS e das hepatites virais (DIAHV) elaborou a Agenda de Ações Estratégicas para Redução da Sífilis no Brasil, expandindo ações e renovando compromisso com novas

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parcerias definindo prioridades para a prevenção, assistência, tratamento e vigilância da sífilis com o intuito de reverter esse quadro epidêmico retratado através dos números reportados.

2.1 O Projeto “Sífilis Não” e a Comunicação Pública

Com demandas e estratégias para o combate urgente à epidemia, é idealizado o projeto Integração Inteligente Aplicada Ao Fortalecimento Da Rede De Resposta Rápida À Sífilis, comumente chamado de “Sífilis Não”, uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Ministério da Saúde. Sua formulação se dá, entre as inúmeras ações propostas, na realização de um projeto de resposta rápida à sífilis em 100 municípios prioritários, que respondem por aproximadamente 65% dos casos de sífilis no país3, induzindo ações voltadas para o controle do agravo nas redes de atenção à saúde; produção conhecimento por meio de estudos operacionais; e promoção de capacidade técnica de vigilância e assistência local.

Figura 1 - Logo do projeto “Sífilis Não”

Fonte: Google

Coordenado pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS)4, situado no hospital universitário da UFRN5 em Natal, Rio Grande do Norte, o projeto atua em quatro eixos distintos: Gestão e Governança, Vigilância, Cuidado Integral e Fortalecimento da Educação e

3 Informação consta no Boletim Epidemiológico da Sífilis 2018

4 Um dos motivos da parceria entre o LAIS, UFRN e o Ministério da Saúde é pelo fato do laboratório ser referência

mundial em tecnologia para saúde, oferecendo dentro do projeto inovações tecnológicas em relação à testagem rápida.

5 O Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) abriga o Laboratório de Inovação Tecnológica (LAIS) já que conta

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Comunicação, todos previstos na Agenda de Ações Estratégicas para Redução da Sífilis no Brasil.

A Gestão e Governança é encarregada pela administração e o monitoramento do desenvolvimento do projeto, como também se responsabiliza em traçar metas e acompanhá-las; a Vigilância tem como objetivo primário observar e analisar continuamente a situação de saúde da população através da qualificação das informações, notificação e investigação para um quadro epidemiológico fidedigno; o Cuidado Integral abrange tudo que relaciona-se com a atuação dos profissionais na Atenção Básica, o diagnóstico e tratamento, como também na inovação desses procedimentos que correspondam com as necessidades de cada população-chave; no tocante da Educomunicação, o eixo fica responsável por, através dos meios tradicionais e contemporâneos, trabalhar a educação e comunicação aliadas na difusão de informações voltadas para profissionais, gestores, usuários e população geral.

Para apresentar a campanha “Sífilis Não”, antes faz-se necessário a conceituação e contextualização de como a comunicação atua nos espaços públicos e governamentais, como também, associada à saúde junto às estratégias comunicativas, como as citadas acima que compõe a agenda do projeto, é aplicada no enfrentamento de agravos, especialmente no caso da epidemia de sífilis.

Campanhas governamentais como essa, precisam estar aliadas às estratégias públicas para o combate e a conscientização em relação a diversas doenças, como as de IST. É necessário reconhecer que a informação e o conhecimento são hoje o eixo central do desenvolvimento social (MARTIN-BARBERO, 2000). Por isso, os esforços do Estado e dos órgãos de saúde para combater uma epidemia precisam ser trabalhados de forma abrangente e interdisciplinar, incluindo a comunicação dentro desse contexto de enfrentamento integralizado, já que campanhas de conscientização de caráter preventivo e educativo são por si só propulsores dessa transformação social.

A comunicação pode se expressar pela transmissão de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou maquinal para outra parte, de modo a produzir mudanças (SANTAELLA, 2001). E é a partir dessa análise de Santaella sobre a comunicação que se entende como primordial a troca de informações entre as esferas sociais, partindo da premissa que essas informações são de interesse público e se apoderar delas fazem parte de uma ideia de bem-estar social, como é dito a seguir.

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a comunicação acontece no espaço formado pelos fluxos de informação e interação entre os agentes públicos e atores sociais, os quais trabalham para a viabilização do direito social coletivo e individual, quanto à informação, o diálogo e a expressão. Assim, a prática da comunicação pública está relacionada a uma perspectiva cidadã do fazer público, tal qual, envolve diretamente temas inerentes ao interesse coletivo. (MOTTA, GARCIA e BIANCO, 2018 p. 4 apud DUARTE, 2006)

Outro detalhe importante que é proposto na Agenda de Ações Estratégicas para Redução da Sífilis no Brasil é a relevância de se pensar nas ações comunicacionais direcionadas e pensadas especificamente para cada população-chave apontada, o que é levantado no texto de Motta, Garcia e Bianco (2018), corroborando com Ayres (2012) e Coe (1998) que ressaltam a importância das campanhas de comunicação serem capazes de entender a segmentação dos públicos, abordando informações sobre a doença e seus estágios, reforçando a necessidade de averiguar quem são os alvos, para que as estratégias condizem com a realidade daquele grupo social, e que os canais utilizados nessa comunicação tenham uma maior de recepção dessa mensagem.

A comunicação no âmbito da saúde se relaciona a partir do “uso de técnicas de comunicação e tecnologia para (positivamente) influenciar indivíduos, populações e organizações no propósito de promover condições planejadas para a saúde humana” (MOTTA, GARCIA e BIANCO, 2018 apud PESSONI, 2005). Porém, muitas vezes a comunicação é pensada para ações pós-contágio, como Motta, Garcia e Bianco (2018) afirmam e destacam a ausência das campanhas focadas em prevenção, alertando para uma reconsideração no investimento público em campanhas desse caráter, e não apenas em ações voltadas para o pós-contágio.

É evidente que o levantamento de Motta, Garcia e Bianco (2018) sobre esse comportamento relacionado às políticas públicas de combate às IST se concentrarem em estágios pós-contágio se relaciona diretamente com a realidade da concepção do projeto6 e do Acórdão 2017/2019.

Além de tratar de comunicação, comunicação em saúde, precisamos falar de recepção já que ela é de extrema relevância dentro do processo comunicativo. É a partir da recepção que é possível perceber se a proposta de quem produz, condiz com a compreensão daquele que recebe (MOTTA, GARCIA e BIANCO, 2018 apud MARTINO, 2009).

6 A necessidade do Tribunal de Contas da União notificar por meio do Acórdão 2017/2019 sobre a negligência do

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2.2 Campanha Publicitária Sífilis Não #TesteTrateCure

Para a realização da campanha Sífilis Não #TesteTrateCure, executada pela Fundação

Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC), foi aberto uma licitação no valor de 50 milhões de reais, valor definido pelo Ministério da Saúde, que englobasse todos os requisitos de conteúdo, produção e veiculação. A agência Fields 360 foi a ganhadora da licitação e ficou responsável pelo publicização da campanha em todo o território nacional.

Nos custos, está incluído a produção de peças publicitárias para TV e internet como spots de 30 e 60’ para os diferentes públicos, webseries posteriormente adaptadas e veiculadas em canais abertos como SBT, Globo, Record e fechados7, como HBO e AMC, tendo maioria dos spots veiculados em horário nobre. Na mídia digital estava presente em redes sociais como o Instagram, Facebook, Twitter e Youtube, assim como a criação e gerenciamento do site <https://www.sifilisnao.com.br/>.

Para mídia externa, foram produzidos cartazes, busdoors, outdoors, banners, letreiros eletrônicos em trens, metrôs, BRT, estações rodoviárias, terminais e outros tipos de mobiliário urbano difundidos em todo o Brasil8. Foi, também, realizado parceria para disseminação da campanha nos primeiros meses de divulgação com influencers de escolhidos que englobasse as populações-chave do projeto.

7 Canais incluídos em pacotes de TV por assinatura. 8 No território das 100 cidades prioritárias.

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Figura 2 - Site da campanha Sífilis Não #TesteTrateCure

Fonte: Captura de tela, 2019.

Figura 3 - Captura de tela do perfil da campanha no Facebook

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Figura 4 - Captura de tela do perfil da campanha no Instagram

Fonte: Captura de tela, 2019.

Junto com os apoiadores escolhidos em cada estado no Brasil, foram desempenhadas ações em pontos estratégicos que começou algumas semanas antes até o fim do Carnaval, como também no dia D, Dia Nacional de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita, instituído pela Lei nº 13.430/2.017 com o objetivo de estimular a participação dos profissionais e gestores de saúde nas atividades comemorativas da data (SAÚDE, 2019)

Em caráter de pesquisa, foram organizadas reuniões com ONGs que atendem a população em situação de rua, para que juntos, fosse desenvolvido estratégias que façam a mensagem de conscientização e prevenção chegar até a esse público dentro da realidade das ruas, que é sabido pela falta de assistência pública e condições desumanas.

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Figura 5 - Captura de tela da cobertura da reunião com as ONGs

Fonte: Canal do Sífilis Não no Youtube <https://www.youtube.com/watch?v=jMcIg0eoEKk>

De alcance nacional, como dito antes, as estratégias englobam a população sexualmente ativa, gestantes, população LGBTQI+, profissionais de saúde, população em situação de rua e pessoas em privação de liberdade. Como as campanhas veiculadas em ambientes nacionais englobam boa parte do público e as estratégias para a população de rua já foram desenvolvidas, a pergunta que nos instiga é saber como o projeto integra as pessoas privadas de liberdade dentro das ações estratégicas de comunicação e prevenção, e principalmente a mulher como público mais vulnerável nessa realidade epidemiológica.

Por isso, entender a realidade da situação prisional do Brasil é primordial para analisar o contexto em que serão estabelecidas as relações de comunicação e principalmente das mulheres privadas de liberdade, como funciona a prevenção e conscientização dessa população, se ela existir de fato, e como o projeto pode ajudar a mudar um pouco dessa realidade.

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3. O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA

Entende-se como criminoso todo aquele ou aquela que perturba a ordem social, que provoca a balbúrdia na sociedade, rompe com os princípios e leis estabelecidas e, por isso, precisa ser punido, sendo a punição caracterizada pela reparação ao dano provocado, como a perturbação da ordem, à sociedade (FIGUEIRÓ, MELO E MARTINS, 2017). Tais punições, até o início do século XVIII, não eram executadas através da privação da liberdade, a custódia9, era o meio que impossibilitava o acusado de escapar e assegurar a investigação do crime e do recolhimento de provas por meio da tortura física.

Ainda no século XVIII e início do século XIX, o cumprimento de pena na qualidade de privação de liberdade surgiu, de fato, junto os primeiros projetos do que se tornaram as penitenciárias de hoje em dia; excluindo o indivíduo do meio social para cumprir sua sentença em reclusão junto aos outros criminosos. Em 1830, com o Código Criminal do Império, o Brasil começa a reformar seu sistema punitivo e métodos de tortura são banidos enquanto instrumento corretivo, as prisões devem ser “seguras, limpas e bem arejadas” (DI SANTIS & ENGBRUCH, 2012).10 No Rio de Janeiro e São Paulo surgem as Casas de Correção com a preocupação de criar unidades que se encaixam nos padrões do Código de 1830 e do Sistema de Auburn, conhecido pela pena com trabalho em regime de silêncio absoluto, e inspiradas pelo estilo panóptico de Jeremy Bentham11, que tende a criar no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento do poder, mesmo que a vigilância seja descontínua em sua ação, ela é permanente em seus efeitos (FOUCAULT, p.224).

A partir de 1890 surgiu o Código Penal republicano, com novas demandas e exigências feitas com base nas críticas ao Código Penal do Império. O novo Código aboliu as sentenças de morte e prisão perpétua e previa quatro tipos de prisão:

a prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha esse tipo de punição (art. 45); reclusão em “fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a recém-formada República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias

agrícolas, para esse fim destinadas, ou em presídios militares” (art. 48 do

Código); prisão disciplinar “cumprida em estabelecimentos industriaes

9 Condição de quem se encontra sob a proteção de outra pessoa ou instituição

10 Os autores levantam a questão que mesmo tendo essas medidas para a reformulação da pena com o intuito de ser

menos desumana, os escravos ainda estavam sujeitos às crueldades, como a tortura de caráter punitivo.

11 Jurista e filósofo iluminista que atribuem a criação do Panóptico, modelo estrutural utilizado como forma de

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especiaes, onde serão recolhidos os menores até á idade de 21 annos” (art. 49),

uma inovação do Código foi o limite de 30 anos para as suas penas. (DI SANTIS & ENGBRUCH, 2012, p. 150)

Com base nas diretrizes penais da época, foi dado início a uma modernização do sistema penitenciário como um todo, desde sua arquitetura, suas leis, como também na filiação de órgãos responsáveis pela integridade do sistema e de seus componentes, bem como a prevenção e gestão dos fatores externos à essa estrutura penal. E foi então, em 1920, que aconteceu a inauguração da Penitenciária do Estado, no bairro do Carandiru, à seis quilômetros de distância do centro da cidade de São Paulo, que guardadas devidas proporções da época, não integrava a zona urbana. Di Santis e Engbruch afirmam também que até 1940 a Penitenciária do Estado de São Paulo era considerada através de muito fervor midiático12, como modelo por especialistas na área penal e social que visitaram o complexo de Carandiru. O que não se esperava era que 52 anos depois, no dia 2 de outubro de 1992, Carandiru seria cenário de uma das maiores chacinas do sistema prisional no mundo. Foram 111 detentos assassinados por uma ação policial truculenta na tentativa de conter uma rebelião motivada por uma briga entre dois internos de facções distintas. O episódio é conhecido como o Massacre de Carandiru e é um exemplo claro da brutalidade policial e o despreparo do poder público para lidar com essa população.

12 Os autores questionam, através de um apanhado histórico que envolve a inauguração de Carandiru, se de fato, a

penitenciária foi considerada modelo de forma orgânica, e se os parâmetros que envolveram essa classificação eram tão precisos e honestos com a sociedade no geral.

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Figura 6 - Interno do Carandiru segurando a Declaração Universal dos Direitos Humanos

Fonte: foto retirada do Pinterest13.

Ainda em 1940, foram tomadas as primeiras medidas efetivas, por parte do Estado, visando a acomodação de mulheres que cometeram crimes (BASTOS, 2010). Junto à reforma penal que acontecia na década de 40, a primeira unidade prisional feminina foi criada no Brasil em 1941, o Presídio de Mulheres, junto ao Complexo de Carandiru. O fato curioso é que o Presídio de Mulheres tinha como pena o trabalho e instruções domésticas diretamente vinculadas à um discurso moral e religioso, separando as mulheres para uma custódia em um espaço de “purificação”, dado que na época, a promiscuidade, em suas mais diversas formas, compôs a maior pauta de discussão a respeito da necessidade de se criar estabelecimentos especiais que abrigassem as mulheres infratoras (ARTUR, 2009). Sua estrutura era de uma residência nos jardins da Penitenciária do Estado, não de uma unidade prisional com celas e pavilhões, e no lugar de agentes penitenciários, a sua gestão era sob o comando das freiras da Congregação do Bom Pastor D’Angers, que assim permaneceu durante três décadas.

No que se refere à questão do encarceramento feminino, antigamente, existia um posicionamento de separar, isolar as mulheres criminosas em estabelecimentos penais para uma “purificação” delas através de preceitos morais e religiosos, sendo essa uma visão clara de discriminação de gênero. (FIGUEIRÓ, MELO e MARTINS, 2017)

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Figura 7 - Internas trabalhando no presídio

Fonte: Agência Universitária de Notícias - USP, 2017.

Em 1984, poucos antes do Massacre de Carandiru, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7210) foi instaurada para possibilitar a garantia de direitos para que, constitucionalmente, apenados e apenadas pudessem ter o mínimo no que diz respeito a qualidade da vida através do atendimento básico de saúde, auxílio e assistência jurídica, educacional e material. Garantir que o interno usufruísse do seus direitos de forma plena seria assegurar humanidade dentro de um sistema que ficou conhecido pelo caráter desumanizador, uma vez que o ambiente prisional por si só é propulsor de adoecimentos físicos e psíquicos (SANTA RITA, 2007 apud FIGUEIRÓ, MELO e MARTINS, 2017).

Através do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), relatório realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) em junho de 2017, se constata que a população carcerária ultrapassa a marca de 700.000 detidos em custódia do poder público. 9.252 é o número de pessoas encarceradas no Rio Grande do Norte (RN) distribuídas nas 32 unidades geridas pela Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SEJUC)14 com o total de 6.873 vagas, gerando um déficit de vagas de -2.379. Em todo o Brasil, o déficit de vagas é

14 Até a data do Levantamento, a SEJUC era o órgão responsável pela administração do sistema penitenciário do Rio

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aproximadamente o dobro, 303.112, para 423.242 vagas já ocupadas, totalizando 726.354 detentos.

Em caráter de observação, no final do primeiro semestre de 2019 a SEJUC foi extinta e transformada em duas novas secretarias: A Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (Semjidh) e a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) (G1, 2019). É importante salientar que apenas em 2019 que foi possível notar a importância de criar uma Secretaria dedicada a desenvolver ações e planejamentos para a gestão do Sistema Prisional do estado do Rio Grande do Norte - SISPERN. O que de fato administrava o sistema estadual era a COAPE, a Coordenadoria de Administração Penitenciária, que integrava a SEJUC na época de seu funcionamento.

3.1 A história do Sistema Penitenciário no Rio Grande do Norte

Um trabalho de conclusão de curso de duas alunas de arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte de 1988, um projeto arquitetônico prisional voltado para a humanização do apenado, foi comprado pelo governo que teve conhecimento do trabalho das estudantes através de um arquiteto que fez parte da banca examinadora. Sendo entregue em 1998, na gestão do então governador Garibaldi Alves Filho, a atual Penitenciária Estadual de Alcaçuz, enquanto projeto, possuía quatro pavilhões, áreas voltadas para atendimento básico de saúde, educação, oficinas e quadras poliesportivas. O seu local de construção original era em um terreno privado em Macaíba, município da região metropolitana de Natal, e buscava oferecer uma realidade diferente do que se conhecia na capital até a década de 80, onde a principal centro de detenção, o Complexo Penal Dr. João Chaves, que na época era uma penitenciária central batizada pelo nome de “Caldeirão do Diabo”, passava por sérios problemas em sua direção que se estenderam até a década de 90 e era palco de rebeliões sangrentas que resultaram em mortes brutais entre os próprios detentos, famosos por serem os mais perigosos da região.

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Figura 8 - “Trio Ternura” eram conhecidos como os donos do Caldeirão do Diabo

Extraído: Brechando15.

Dos 11 mil metros projetados, foram construídos aproximadamente cinco mil. No lugar das cercas enfileiradas e separadas por trincheiras, foram construídos muros. No projeto, teve a preocupação da edificação ser levantada em terra firme, não em terreno de dunas, como no lugar que foi construído, no distrito de Alcaçuz, município de Nísia Floresta que dá o nome à penitenciária.

Com proporções internacionais e nos seus quase 20 anos de construída, uma rebelião de apenados na Penitenciária de Alcaçuz entrou para história como o maior massacre do sistema prisional do estado (G1, 2017). A rebelião, iniciada em 14 de janeiro de 2017, teve como motivação a disputa entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC)16 e Sindicato do Crime do RN (SRN, ligado ao Comando Vermelho, de acordo com especialistas17 em segurança

15 Disponível em: <https://www.brechando.com/2016/01/quem-sao-esses-rapazes-na-foto/>

16 O Primeiro Comando da Capital é uma facção paulista que surge dentro do Carandiru após o massacre. Hoje é

uma das maiores facções do país.

17 Informação retirada da matéria do Estadão e da Tribuna do Norte sobre a relação das duas facções.

<https://brasil.estadao.com.br/noticias/lider-de-familia-do-norte-empoderou-organizacao-no-rn> <http://www.tdonorte.com.br/noticia/pola-cia-prende-em-natal-chefes-da-fama-lia-do-norte/>

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pública), motivada pela briga entre território dentro da unidade e vingança em clara resposta à rebelião no primeiro dia de janeiro de 2017 no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, onde 56 detentos do PCC foram assassinados pela facção manauara Família do Norte (FDN)18. Alguns dos detentos tinham em suas posses armas de fogo roubadas da salas de armas do pavilhão tomado, coletes à prova de bala, pedaços de ferro e qualquer outro material advindo das ruínas do presídio, que já estava degradado desde a rebelião em março de 2015, com internos transitando livremente entre os pavilhões que se encontravam sem grades e trancas (G1,2017). Os números oficiais são mais de 50 foragidos e 26 mortos, todos do SRN; esquartejados, decapitados e/ou carbonizados. (G1,2017)

Figura 9 - Manchetes sobre o Massacre de Alcaçuz

Fonte: Compilado do Autor19.

É quando a rebeldia atravessa os muros de contenção e a incivilidade chega à polis que se atinge o ponto máximo de atenção desejada pelos internos revoltos. Na rebelião 2017, veículos oficiais foram alvejados, ônibus queimados, frotas recolhidas pelas empresas de transporte

18 Extraído de <https://veja.abril.com.br/especiais/um-presidio-condenado/>. Acesso em 22 de outubro de 2019. 19 Disponíveis em: <https://veja.abril.com.br/especiais/um-presidio-condenado/>;

<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/02/politica/1483358892_477027.html>; < http://g1.globo.com/rn/rebeliao-mais-violenta-da-historia-do-rn-tem-27-mortos-diz-governo.html>.

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público para que, só assim, em um ato disruptivo da rotina de quem estava do lado de fora, fez com que a sociedade e o poder público virassem os olhos para o encarcerado. Compreendemos que a Administração Pública não conseguiu controlar as unidades prisionais que estão sob sua guarnição e que a superlotação é uma sequela do descaso. Esse descaso pode ser lido enquanto uma violência através do abandono e das más condições, tornando impossível a recuperação desse indivíduo, já que o sentimento de vingança cultivado socialmente em relação a qualquer elemento transgressor legitima o discurso de “merecimento de castigo” (FIGUEIRÓ, MELO e MARTINS, 2017).

O estado apavorante das prisões do país, que se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão, neutralização ou reinserção. O sistema penitenciário brasileiro acumula, com efeito, as taras das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela indiferença estudada dos políticos públicos. (WACQUANT, 1999, p. 07)

O Complexo de Alcaçuz é um dos retratos da realidade prisional no Brasil com as suas avarias que se arrastam por décadas. Na época do estouro da rebelião, através de duas fontes pesquisadas, calculava-se em torno de 1.150 à 1.800 internos (G1, 2017 e VEJA, 2017), tendo sua capacidade máxima de 620 pessoas. Carandiru, por exemplo, que já foi considerada como a maior unidade prisional da América Latina chegou a abrigar quase oito mil presos, sendo sua capacidade de 3.250 internos.

A superlotação nas prisões brasileiras se tornou, infelizmente, algo corriqueiro e como consequência, serviços básicos à saúde e assistência a materiais de higiene acabam não sendo ofertados regularmente ou não ofertados de jeito nenhum. Por outro lado, os agentes penitenciários, que participam desse sistema de violência diária aos internos, também são reflexo da negligência do estado ao exercer sua profissão em uma condição precária, descontando a frustração em quem já é desumanizado suficiente.

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3.2 A trajetória e história da mulher encarcerada no Brasil

Historicamente, para a mulher, sempre esteve reservado a vida privada. Tida como frágil e delicada, suas condutas estiveram reféns do funcionamento da Família, Estado e Sociedade que desempenham, dentro de um corpo social que tem como o patriarcado a ideologia dominante, assim, suas funções se estabelecem enquanto um ferramentas de manutenção dos papéis sociais exercidos por homens e mulheres, de forma intrínseca. Compreender que vivemos em uma sociedade machista é de suma importância para identificar as diversas violências que as mulheres são submetidas não só dentro do sistema carcerário, como também em suas vivências cotidianas.

O patriarcado se consolida, enquanto ideologia dominante em nossa sociabilidade, a partir da sua articulação com o sistema capitalista, o qual se baseia em engrenagens de dominação e exploração, consequentes da luta entre as classes sociais, proletário e burguesia. Neste contexto o patriarcado se estabelece como arma de alienação, opressora das condutas e papéis femininos e masculinos, os quais são mais desvantajosos para as mulheres. (NASCIMENTO, 2015 p. 168)

À medida que discussões como o feminismo são colocadas em pauta na sociedade, a mulher se apropria desse discurso como ferramenta para ocupar espaços que antes eram negados a ela, como na política e no mercado de trabalho, por exemplo. Com o avanço da discussão de gênero e a luta pela igualdade de direito entre os sexos que se instaurou no Brasil na década de 60, o que antes eram mulheres frágeis e delicadas, à serviços de seus companheiros, hoje são mulheres que discutem esse sistema opressão e desigualdade que as subalternizam.

[...] compreendemos que as mudanças ocorridas nas relações de gênero possibilitaram uma maior inserção da mulher no espaço público e a construção de um novo “perfil” feminino que ultrapassa a conduta padronizada de subalternidade, a qual coloca a mulher diante de novas possibilidades e realidades, antes quase inexistentes, como o crime, fenômeno social com crescente atuação das mulheres. (NASCIMENTO, 2015 p. 170)

Em seu texto, Nascimento (2015) discorre que através da perspectiva discriminatória do feminino como dócil e frágil, ao desconsiderar o potencial transgressor da mulher, o sistema carcerário invisibiliza e não oferece suporte adequado à encarcerada em sua trajetória dentro desse espaço, seja na infraestrutura, no acesso à saúde e outras assistências previstas na Lei de Execução Penal. Ignorar o fato que o encarceramento de mulheres é uma demanda social crescente é irresponsável, quando se percebe que há uma maior participação delas na sociedade

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devido ao avanço da tecnologia e consequentemente da industrialização, da urbanização e a queda da taxa de fecundidade que proporcionaram à elas essa nova realidade inserida em um contexto capitalista. Portanto, da mesma forma que há um aumento da participação da mulher de espaços sociais como mercado de trabalho, existe também o aumento delas em espaços marginalizados, como o crime. Combinado à fatores socioeconômicos, culturais ao crescimento acelerado da população no geral, outro determinante que se pode comprovar é que os índices de criminalidade feminina aumentaram à medida que aumentou a participação da mulher na vida social, política e econômica do país em que vive (BASTOS, 2009)

Figura 10 - Internas com as freiras responsáveis pela gestão do Presídio de Mulheres

Fonte: Agência Universitária de Notícias - USP, 2017

Como dito anteriormente, é notório a violência de gênero ligada à mulher no início da sua trajetória no sistema prisional: Quando o encarceramento feminino é pensado e criado em caráter de “reformatório” diretamente ligado aos costumes morais e religiosos. A mulher é mais uma vez violentada, já que tem como punição a reafirmação dos valores patriarcais onde o lugar doméstico é onde ela pertence.

De acordo com o Infopen Mulheres de 2016, último levantamento voltado especialmente para caracterizar e delimitar a situação carcerária feminina no Brasil, com dados comparativos de

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dezembro de 2015 e junho de 2016, chegou ao número de 42.355 pessoas, o que representa um aumento de 656% em relação ao total de seis mil mulheres encarceradas no início dos anos 2000. Ao contrário desse crescimento significativo no número de encarceradas, não há mudanças efetivas ao longo dos anos que atendam às novas demandas enfrentadas pelas mulheres no cumprimento de pena. São 35 anos sem nenhuma reforma em um sistema e conjunto de leis que não se adequam à mulher privada de liberdade que a cada ano aumenta exponencialmente.

O ambiente prisional não facilita e muito menos ajuda na recuperação e na reinserção dos internos à sociedade, o que para mulher é um desafio ainda mais complicado. O encarceramento dessa população é uma demanda social recente e crescente, dito isso, uma característica notável do sistema prisional é que os presídios não são espaços pensados para atender à mulher, tendo sua arquitetura prisional e os serviços penais formulados para atender, majoritariamente, os homens e posteriormente adaptados para a custódia de mulheres. Além do fato de que prédios públicos que anteriormente foram considerados inadequados e ou insalubres para o uso, são adaptados e ocupados por presas (FIGUEIRÓ, MELO e MARTINS, 2017). Os estabelecimentos prisionais devem ser separados em masculino e feminino, para que as políticas públicas sejam pensadas com a finalidade de atender às peculiaridades de cada gênero, preconizado pela Lei de Execução Penal, mas na tentativa de comprovar esses dados com levantamentos oficiais percebe então que os presídios femininos são poucos no território brasileiro. Como informa o Infopen Mulheres, 74% das mulheres encarceradas estão custodiadas em unidades originalmente masculinas, 17% em unidades mistas e 7% em unidades prisionais, de fato, femininas (DEPEN, 2016)20.

Se já não bastasse estar aprisionada às celas e pavilhões em sua maioria adaptados para a sua custódia, outra violência institucionalizada que presos em geral passam é a privação dos elementos que compõem sua identidade. Ao torná-los números ao invés de nomes, por exemplo, como os processos de normatização e padronização da sua imagem que são submetidos no momento em que iniciam o cumprimento de pena. No caso da mulher, que socialmente é repleta de pressões estéticas e de signos que fomentam sua identidade à sociedade, as quais fazem parte do cotidiano e estão enraizados em todo processo identitário, se encontram privadas de sua vaidade através dos recolhimentos de qualquer objeto pessoal e cosméticos que findam na repressão desses signos; o uso de roupas muitas vezes pensado para vestir corpos masculinos;

20 Os dados sobre a custódia de mulheres nos tipos de unidades prisionais referem-se à destinação prevista para o

estabelecimento em sua construção, não levando em consideração as mudanças estruturais feitas no decorrer de seu funcionamento.

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submissão de procedimentos vexatórios de revistas; afastamento do convívio social que muitas vezes acarreta na repressão do desejo. Esse processo que censura o ego e desumaniza o interno é chamado como “mortificação do eu” (GOFFMAN, 1974, p. 24) com o intuito de dominar os sujeitos para a vida na instituição.

Segundo o Infopen Mulheres (2016), a maioria das mulheres que estão presas no Brasil foi condenada ou aguarda julgamento por algum delito ligado diretamente ao tráfico de drogas, correspondendo a 62% das mulheres. Figueiró, Melo e Martins (2017) afirmam que mesmo que a maior incidência dos crimes notificados por mulheres sejam esse, elas em sua maioria não ocupam um lugar de liderança e desempenham uma posição secundária a dos homens.

É notável que vivemos numa sociedade patriarcal, machista, no qual homens, majoritariamente brancos e de classe econômica elevada, se configuram no topo da pirâmide social, usufruindo de privilégios em detrimento à mulheres. Dito isso, para mulher, negra e pobre, está reservado o lugar de maior vulnerabilidade social, no qual sua presença ocupa espaços marginalizados que carecem de assistências governamentais em todas as suas esferas. Assim como o projeto “Sífilis Não” destaca a vulnerabilidade dessa população, não é coincidência que essa realidade esteja impressa nos dados e estatísticas da população carcerária feminina no Rio Grande do Norte e no Brasil.

Para corroborar com essa afirmativa, analisamos dados através do Levantamento de Informações Penitenciárias Infopen Mulheres (2016) que constroem o perfil da mulher que está privada de liberdade.

Tabela 1 - Perfil da mulher encarcerada PERFIL DA MULHER ENCARCERADA 21

Rio Grande do Norte Brasil População Prisional

Feminina 776 42.355

Faixa etária Em sua maioria, 74% das mulheres tem de 18 à 29 anos

e 26% dos 30 em diante.

50% das mulheres tem de 18 à 29 anos. 39% dos 30 aos 45 anos e 10% dos 46 em diante.

21 Os dados levantados aqui foram de junho de 2016, sendo o último levantamento feito pelo Departamento

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Etnia 63% da população carcerária feminina do estado é negra.

37% são brancas. 62% negras, 37% brancas e 1% amarela. Escolaridade 20% Analfabeta; 23% Alfabetização; 31% Ens. Fundamental incompleto; 10% Fundamental completo; 5% Médio completo. 2% Analfabeta; 2% Alfabetização; 45% Ens. Fundamental incompleto; 15% Fundamental completo; 15% Médio completo; 1% Superior completo.

Estado civil Não Informado 62% solteiras; 23% união estável; 9% casadas.

Mulheres com filhos Não Informado22 1.111

Fonte: Infopen Mulheres (2016)

Segundo a Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 1984, o serviço de saúde prestado ao preso deve ter caráter preventivo e curativo, possibilitando ao interno, atendimentos médicos e odontológicos, como também serviços farmacêuticos. Além disso, o acesso dessa população aos serviços de saúde é legalmente assegurado pela Constituição Federal de 1988, pela Lei n.º 8.080, de 1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde e também pela Portaria Interministerial n.º 1.777, de 2003 que prevê atendimento de saúde gratuito para todos através do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP).

Em 2014, através da Portaria Interministerial n.º 1, foi instituída A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP) que coaduna o Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, os estados e o Distrito Federal representado pelas secretarias, na responsabilidade de atingir os objetivos e as diretrizes estabelecidas com base nos estudos e avaliações feitas na aplicação do PNSSP.

De acordo com o Infopen, até junho de 2016, 98% das mulheres no Rio Grande do Norte estão encarceradas em unidades prisionais com módulo de saúde, com 21 profissionais da saúde registrados sendo quatro enfermeiros, cinco técnicos em enfermagem, três dentistas e três auxiliares odontológicos, quatro médicos clínicos gerais e dois psiquiatras para atender todas as

22 Durante o levantamento do Infopen Mulheres (DEPEN, 2016), na produção dos relatórios estaduais de validação

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unidades prisionais do estado. No âmbito da saúde da mulher, vale salientar que no relatório não há médicos especialistas em ginecologia e nem em obstetrícia em todo o território do RN.

Diante disso, para ter uma representação mais exata da realidade do estado no que concerne o encarceramento feminino, principalmente voltado à saúde, prevenção e conscientização de IST das internas, foram realizadas duas visitas ao Complexo Penitenciário Agrícola Dr. Mário Negócio (CPAMN) com o intuito de conhecer a unidade, entrevistar profissionais envolvidos nos cuidados da mulher privada de liberdade, como também saber através delas, a garantia dos atendimentos e o acesso à educação e saber se essas medidas funcionam para quem vive a realidade de estar atrás das grades.

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4. ANÁLISE DA SITUAÇÃO PRISIONAL

Localizado a 20 quilômetros do centro de Mossoró, na rodovia estadual Mossoró-Baraúnas, o Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio foi inaugurado dia 10 de março de 1979 e surgiu como uma colônia penal agrícola com seis pavilhões com capacidade para 32 pessoas cada.

A unidade foi criada com o propósito de ser uma colônia penal agrícola23, mas com o avanço da criminalidade e a necessidade de custodiar detentos em outras modalidades de pena, como o regime fechado, foram feitas algumas reestruturações para abrigar essas pessoas. O pavilhão feminino chega em 2010 através de uma adaptação estrutural com o intuito de oferecer suporte de espaço ao Centro de Detenção Provisória (CDP)24 do município de Mossoró/RN que sofria com a superlotação de mulheres encarceradas, já que não havia nenhum espaço para mulheres condenadas serem custodiadas. A ala foi construída com a capacidade para 30 presas condenadas em regime semiaberto e 20 condenadas ao regime fechado, em um pavilhão médico onde eram realizados atendimentos aos apenados e as comunidades nas proximidades da unidade.

Como dito no capítulo anterior, as mulheres custodiadas no CPAMN estão em um recinto que não foi construído dentro das normas estabelecidas para a sua custódia, como afirma a Lei de Execução Penal. A reforma desse espaço surge como um caráter emergencial, adaptando as salas de atendimento e as transformando em celas através das grades fincadas nas portas e nos corredores na reforma estrutural interna.

A escolha do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio para a visita e a execução da pesquisa se deu para a gravação de um documentário sobre a educação prisional, como operador de áudio e na parte da produção, enquanto bolsista atuante na Secretaria de Educação à Distância (SEDIS). As visitas foram realizadas no dia 27 de setembro e posteriormente no dia 15 de outubro, entrevistando na primeira ida duas profissionais de saúde da unidade e no dia 15, seis internas.

23 Segundo a LEP, art. 91, a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime

semiaberto.

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Figura 11 - Registro das gravações

Fonte: Arquivo Pessoal, 2019.

No complexo, até a data da entrevista, em torno de 67 mulheres25 estavam em custódia no pavilhão feminino do presídio. Porém, atualmente, Mossoró carece de estabelecimentos para tutelar a mulher criminosa, portanto, toda e qualquer apreensão realizada na região é levada à Mário Negócio, onde as detentas provisórias ficam em aguardo do julgamento e as já julgadas em cumprimento de pena. Vale salientar que atualmente, o CPD não abriga mulheres em prisão provisória como antes da construção do pavilhão feminino na Mário Negócio.

No dia da primeira visita, Cinthia Cibele Diniz, responsável pela Vara das Execuções Penais da Comarca de Mossoró, nos apresentou os pavilhões em funcionamento na unidade, o andamento das obras do aumento da ala masculina26, a área de revista que foi reformada e usufrui da aquisição de um scanner corporal, humanizando o processo de revista ao descartar a necessidade de nudez vexatória dos familiares visitantes. O pavilhão feminino agora conta com

25 Como não há nenhuma unidade de detenção provisória para mulheres na região, os números de apenadas estão em

constante mudança devido às solturas e apreensões realizadas.

26 A ala masculina contava com apenas um pavilhão para custodiar detentos do regime fechado. A reforma

aumentará a capacidade para quatro pavilhões masculinos, com salas de aulas e salas para atendimento médico, de acordo com a Lei de Execução Penal.

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duas novas salas de aula27, duas salas para atendimento médico reformadas e climatizadas, com o mobiliário e equipamentos médicos novos, todos construídos e financiados pelo Poder Judiciário, por meio de recursos de penas pecuniárias. Essas mudanças deram início após a chegada da magistrada na comarca de Mossoró em 2017 durante a direção de Aurivaneide.

4.1 Métodos de Pesquisa e Análise

Para compreender a realidade do sistema prisional, o contexto do encarceramento feminino, saber se o atendimento prestado às apenadas condiz com as normativas estabelecidas na Lei de Execução Pena, foi desenvolvida uma pesquisa de opinião qualitativa para desenvolver estratégias que permitam que a comunicação se estabeleça nesse espaço. A exploração se dividiu em duas vertentes: os funcionários da saúde do Complexo Penitenciário Doutor Mário Negócio e as apenadas da ala feminina desse recinto.

Segundo Novelli (2009), a pesquisa é muito valiosa enquanto um instrumento de mensuração de opinião pública, pouquíssimas vezes entendida como uma técnica avaliativa e sim como o próprio modo de expressão. Conforme Gil (2007, apud GERHARDT & SILVEIRA 2009), a pesquisa apresentada terá um caráter exploratório, já que busca proporcionar maior familiaridade com o problema, para que se possa compreendê-lo e construir objetivas e possíveis estratégias; neste caso, a pesquisa será utilizada para a construção de duas realidades distintas, a do profissional de saúde e da mulher privada de liberdade.

Para a concretização dessa pesquisa foi utilizado o modelo de semiestruturadas, conforme MANZINI (2004), acompanhando um roteiro de perguntas previamente estruturado, com questões que visem identificar as problemáticas no contexto em que essa comunicação pública e preventiva está inserida, para então pensar em quais mecanismos comunicativos se adequar à essa realidade tão avessa à comunicação através dos relatos de quem compõe essa vivência.

Segundo a Lei de Execução Penal, a assistência à saúde do preso(a) e do internado(a) é de caráter preventivo e curativo, o que implica diretamente em atendimento médico, farmacêutico e odontológico (BRASIL, 1984). Mesmo assim, a população carcerária é encontrada com os piores resultados em relação à saúde dentro dessa estrutura. O retrato da epidemia de sífilis dentro das unidades prisionais no Brasil é da mulher, negra e jovem, que ocupa o lugar de maior

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vulnerabilidade social, já que além dessa mulher ser a mais vulnerável no contexto da epidemia, é essa mulher que mais ocupa os espaços prisionais. De acordo com o Infopen Mulheres (2016), até a data do levantamento mais de 50% das mulheres privadas de liberdade se encontravam com algum agravo de saúde, e de todas as apenadas, a sífilis fazia parte da realidade de 26,6% da totalidade.

Tabela 2 - Taxa de pessoas com agravos para cada mil presas

Fonte: Infopen Mulheres, Depen (2016).

Na primeira visita foi realizada a entrevista, pelo acaso28, com duas profissionais que se encontravam na unidade e que integravam a equipe de saúde do complexo. Betiza, a enfermeira e

28 O fato da entrevista com a enfermeira e a assistente social ter sido um acaso se deu pelo fato de que previamente

tinham nos avisado que não seria realizado nenhum atendimento na unidade no dia e por isso não contaria com a presença dos profissionais da saúde. Então, o roteiro de perguntas foi esquematizado para entrevistar o diretor da unidade que tinha assumido o cargo há uma semana.

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Diana, a assistente social, são responsáveis não só pelo atendimento prestado às mulheres na Mário Negócio, como também aos homens. Os atendimentos às mulheres privadas de liberdade são realizados de 15 em 15 dias, junto à assistente social que faz um aconselhamento pré-atendimento.

O roteiro de perguntas foi idealizado, a princípio, para realizar a entrevista com o responsável pela gestão da unidade e, se possível, quem estivesse encarregado à assistência à saúde dos apenados. Para a minha surpresa, Aurivaneide Lourenço que era diretora do CPAMN, tinha sido exonerada do cargo há uma semana, tendo a direção ocupada pelo agente penitenciário apodiense Márcio Morais, ex-diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Apodi.

A segunda visita no dia 15 de outubro, coincidentemente estava acontecendo uma ação do Outubro Rosa29 desenvolvida pela Secretaria da Saúde do município junto à equipe de saúde prisional da unidade. A ação consistia em uma palestra sobre o câncer de mama com profissionais da Secretaria, explicações e demonstrações de como funciona o autoexame e ao fim dessas atividades educativas, um mutirão de testagem rápida. Ao final da palestra, as detentas esperaram até o meio-dia enquanto algumas delas eram chamadas, essas então passavam por uma conversa com a assistente social que as orientavam para a realização do exame em outra sala com a enfermeira. As amostras desta pesquisa foram selecionadas através do intermédio da Diana, a assistente social, que perguntava ao final da orientação se elas aceitariam passar pela entrevista, no qual seis apenadas aceitaram.

Algumas coisas que eu não pude deixar de notar no evento que aconteceu no dia 15 era a participação positiva das internas no momento de tirar dúvidas em relação ao tópico da palestra, o material usado pelas palestrantes parecer visivelmente desatualizado e deteriorado, e que apesar de ser um mutirão, ele foi encerrado ao meio dia e apenas a enfermeira Betiza estava realizando as testagens, que findou em poucos exames efetuados no total.

4.2 Outro olhar sobre Mário Negócio: Entrevista com as profissionais de saúde

No primeiro momento da pesquisa, Diana e Betiza se dispuseram a responder as questões em relação ao serviço de saúde prestado em cárcere, as estratégias de prevenção para essas

29 Mês de conscientização sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Em 2019, no Brasil, foi

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mulheres, as rotinas de cuidado, e quais são as medidas tomadas diante um diagnóstico de sífilis. De forma mais ampla, o instrumento visa entender todo o processo no que diz respeito à saúde da mulher privada de liberdade por completo.

Ambas as entrevistadas atendem todos os apenados da Mário Negócio e no CDP, a cadeia pública de Mossoró que fica em frente a penitenciária, na estrada. Os atendimentos funcionam de segunda à quarta e na quinta-feira, como é o dia das visitas familiares, o expediente é voltado para planejamento de ações com os outros profissionais da saúde. As sextas são reservadas para os atendimentos na cadeia pública de Mossoró.

Figura 12 - Equipe do projeto com Diana e Betiza, a assistente social e a enfermeira

Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

O atendimento médico para as mulheres funciona de forma quinzenal, segundo Betiza. No entanto, ela cita um fato curioso: até então o modalidade de atendimento de lá se enquadra na qualidade de atenção básica e não saúde prisional, que incluiria então, CPAMN na Política Nacional da Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) que prevê a inclusão da população penitenciária no SUS, visando garantir o direito básico e digno à qualquer ser humano ao acesso à saúde

De acordo com Betiza, as mulheres são atendidas regularmente de forma, porém ela levanta o fato curioso que até então o modalidade de atendimento se enquadra na qualidade de atenção básica, com isso, evidencia que o CPAMN não está incluso na Política Nacional da

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Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) que prevê a inclusão da população penitenciária no SUS.

Betiza: “a gente ainda é atenção básica, ainda não é saúde prisional que é uma batalha nossa pra entrar ainda na saúde prisional”

No que tange a saúde da mulher, a Lei de Execução Penal se limita à um parágrafo dentro do Art. 1430, assegurando o acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido (BRASIL, 1984), parágrafo esse, incluído apenas em 2009 pela Lei nº 11.942. Na unidade, é citado que as mulheres recebem atendimento diferenciado de acordo com as necessidades ginecológicas como Diana explicita em sua fala.

“Sim, ele é diferenciado! Não é a toa que temos esse equipamento todo voltado para a mulher, essa pavilhão foi todo reformado, temos sala e consultório ginecológico diferenciados para a mulher.”

Segundo as duas entrevistadas, são realizados em torno de 16 a 20 consultas por dia de atendimento na ala feminina, a assistente social atende aos internos e as famílias, e a psicóloga realiza outros atendimentos voltado para as detentas com a saúde mental mais debilitada no contexto do encarceramento.

Ao serem perguntadas sobre a regularidade dos exames laboratoriais para diagnósticos de IST, foi falado que em relação aos testes rápido, recentemente a unidade estava desabastecida por uma avaria do lote que tinha sido enviado e que a pouco tempo, com um novo lote estavam iniciando uma campanha de testagens de HIV, sífilis, hepatite B e C

Diana: “É feito junto com a enfermeira, eu faço o aconselhamento e ela os testes. Hoje, estamos zerados de caso de sífilis.”

Quando é falado que até a data da entrevista não há nenhum caso de sífilis, é importante salientar que os exames tinham começado a ser realizados há pouco tempo, só uma minoria das apenadas tinha sido submetida aos testes. Betiza cita que havia um caso de HIV e um de sífilis que foi tratado, porém a pessoa em questão já havia cumprido pena e não se encontrava mais na unidade.

Foi colocado em questão se havia algum método de conscientização e educação sobre IST, fica claro que o aconselhamento é a única ferramenta utilizada para esse fim, Diana aponta:

30 A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo compreenderá atendimento médico,

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“O que a gente faz é no dia a dia! Não posso dizer que a gente faz tipo um “juntem-se”. No dia a dia, a enfermeira faz toda as orientações e eu também! Elas também são bem orientadas, dentro do aconselhamento a gente pergunta o que é uma IST e todas sabiam o que era, todas sabiam se já tinha tido ou não e caso não soubesse a gente explica o que é uma IST, as formas de contágio, a prevenção.”

Para finalizar esta análise, é interessante observar que as técnicas comunicativas institucionais são escassas, no entanto, o aconselhamento enquanto método comunicativo se estabelece através dos integrantes do corpo técnico de saúde durante os atendimentos regulares, que é uma característica recente devido às mudanças que estavam sendo feitas em todo o complexo penal.

Referências

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