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CAPÍTULO II – DA EXPERIÊNCIA À PESQUISA

I. MÉTODO

I.II. A transmissão do campo da intensão

que se articula em cadeias de letras, que sob a condição de não faltar nenhuma delas, o não- sabido se ordena como o quadro do saber. Dirá Lacan então que o saber a ser obtido é textual, “(...) um texto feito de letras, das letras da linguagem, e que tenha eficácia de ordem e de acesso ao real, que permita tratar o sentido assim como o poema ou o chiste” (BROUSSE, 2007, p.25).

Na intercessão trata-se de fazer surgir esse não-sabido, os significantes-mestre produzidos pelo coletivo, pelo grupo de sujeitos. Esses significantes serão confrontados pelo intercessor no campo da intensão. Agora, no lugar de produtor de conhecimento do campo da intercessão podemos dizer que ocupamos o lugar de analisante na psicanálise em extensão, como no Discurso da Histérica.

A intensão funda a extensão. Ao contrário do poder do mestre ou saber universitário que pretenderiam fundar a práxis, para a psicanálise somente a prática funda a instituição psicanalítica e a teoria. Os efeitos de transmissão da psicanálise são possíveis quando podemos questionar a completude do Discurso do Mestre, da ciência e por a trabalhar os sujeitos no sentido de poderem inventar novos saberes, na medida em que esse trabalho se dá na relação com o não sabido, e portanto se encontra movido por algo do real.

Em paralelo com a teoria dos discursos de Lacan9, Julien (2002, p. 194) mostra que na psicanálise em intensão o psicanalista se encontra no lugar de agente no Discurso do Analista, que seria o a, como objeto causa do desejo. Quando este vai para psicanálise em extensão, ele passa a ocupar o lugar de agente no Discurso da Histérica, ou seja, o $, o sujeito dividido, o sujeito que contesta um saber. Assim o analista vai à posição de analisando, não na relação com um outro analista, mas, na relação com o público “(...) ali onde a psicanálise toma lugar na história humana como ciência nova”.

Portanto, quanto ao método temos uma pesquisa em psicanálise, onde tratamos de produzir conhecimento agora na extensão sobre o campo da intensão, da práxis que colocou em movimento o dispositivo analítico e os quatro discursos de Lacan. Um conhecimento que sirva a outros intercessores e intercessões, sobre o campo da educação em saúde; no contexto da prevenção às DST/HIV-Aids; na perspectiva da relação do educador/intercessor com os sujeitos a quem se dirige, futuros intercessores em outros campos.

I.II. A transmissão do campo da intensão

Como transmitir o saber produzido no campo da intensão, ou seja, na intercessão? Esta foi uma das dificuldades que enfrentamos. Relíamos os relatos e anotações que tínhamos, uma quantidade razoável de material sobre a intensão e questionávamo-nos como iríamos transmiti-lo. Vivenciamos o que seria transmitir algo do qual fazemos parte, e que estivemos implicados durante todo o tempo de trabalho. Passamos a tentar elaborar essa inquietação e o estranhamento que por vezes fomos tomados durante o relato da equipe que escolhemos. Parece-nos que essa experiência toca em algo do real da escrita, que por vezes foi difícil colocar em palavras. Nós que já vivenciamos pesquisas dentro do rigor científico da Universidade, pudemos constatar que são díspares. Uma coisa é irmos a campo, coletar nossos dados e trazê-los para seu texto de pesquisa. Outra coisa é produzirmos um texto sobre algo vivenciado, nossa dimensão $ está presente e nos chama a todo tempo. Letrar uma experiencia vivida em que se fez parte do laço e do discurso o tempo todo marca uma diferença, real no caso. Como vimos, na psicanálise em extensão, o analista vira analisante. É a dimensão letra de um texto. Que dimensão letra é essa? “(...) Ela decorre do significante; ela chove linguagem para fazer ravinamento, borda, fronteira. Com efeito, o literal faz litoral, margem entre o mar e a terra. Litura: rasura, marca que cerca um vazio. É isto o real: o impossível de saber, o “sem porquê” do desejo do Outro. Eis aonde leva a psicanálise”. (JULIEN, 2002, p. 201).

Para podermos transmitir o campo da intensão, fizemos algumas escolhas. Para o aprofundamento necessário do percurso da experiência optamos por trabalhar com uma equipe. Dentre as onze com as quais trabalhamos escolhemos a equipe da Unidade das Flores devido à transferência e à implicação junto ao trabalho de intercessão. Ademais, do ponto de vista acadêmico acreditamos ter sido na elaboração de nossas transcrições em relação a essa equipe que encontramos com maior destaque os giros de discurso que nos importam para essa discussão. Lembramos ainda que para Lacan, transmitir a psicanálise pelos matemas do discurso seria a forma que ele encontrou de transmitir o real da estrutura, a dimensão real do gozo e a dimensão real do sujeito, “não há o universo no discurso, quer dizer, que as palavras não podem dizer tudo. É um modo de nomear a castração do ser falante” (WAINSZTEIN, 2001, p.19).

Ainda que tudo não possa ser dito, na elaboração realizada junto a essa equipe mostraremos, por meio de fragmentos dos relatos de três anos de trabalho, as passagens de discurso que se desenrolaram durante o período. Escolhemos os relatos onde o leitor pudesse localizar ao lê-lo aquilo que estamos sustentando enquanto giros de discurso.

A pesquisa se organizou por meio de material da própria pesquisadora. Esse recurso foi utilizado por se aproximar e manter coerência com o método da pesquisa em psicanálise. Não se trata de produzir novos dados, uma nova situação de pesquisa. Mas sim, retornar, a

posteriori, àquilo que já fora produzido em outro momento. Não vamos construir um novo

conhecimento na relação educador/intercessor com as equipes. A tentativa é de uma produção de conhecimento que se dará agora na relação do pesquisador com os registros da experiência.