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A Unificação de Poderes: Federação Portuguesa das Associações de

Capítulo I – A Resistência do Movimento Surdo na História da Educação de

4. Algum Detalhe no Movimento Associativo Surdo em Portugal

4.2 A Unificação de Poderes: Federação Portuguesa das Associações de

Como consequência da Revolução de Abril, a sociedade portuguesa entrou em constante transformação social e comunitária. A indústria, a produção fabril começou a expandir-se e com isso, as pequenas cidades, começaram a ter um crescendo populacional. Os Surdos, na sua maioria operários, acompanharam e viveram estas transformações, começando a construir a sua vida longe da capital. Desta feita, verificou-se a descentralização e a fundação de várias outras associações, tendo a liderança, o desenvolvimento pessoal, linguístico implementados na APS servido de suporte para a expansão do Movimento Associativo Surdo no nosso país.

A primeira Associação a ser implementada depois do Fascismo, em 1977, foi a Associação Cultural de Surdos-Mudos da Amadora (ACSMA) sob a gestão de José Bettencourt, o jovem de dezanove anos que, outrora, contribuiu para o crescimento da APS. Os seus associados fundadores eram, precisamente, o grupo de Surdos que abandonou o associativismo em 1958, quando o GDSML aceitou integrar-se na APS.

Um ano depois, na cidade de Aveiro, com a ajuda e financiamento de um empreiteiro ouvinte, os Surdos pediram o apoio e a colaboração da APS para a implementação de uma Delegação semelhante à do Porto. No entanto, devido à divergência de opiniões e à forte oposição entre os Surdos de Lisboa e os Surdos do Porto que ali frequentavam, o empreiteiro decidiu cortar o apoio e financiamento em menos de um ano, ficando esta Delegação extinta.

No ano de 1981, após participação no projeto de investigação assumido pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa17, José Bettencourt abandona a ACSMA e volta para a APS, uma Associação social que assume estruturas para envergar projetos e parcerias com entidades científicas, académicas e

17 Raquel Delgado Martins, investigadora do Núcleo de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, deparando-se com artigos de William Stokoe sobre natureza das línguas gestuais, convida José Bettencourt (representante da Associação Cultural de Surdos da Amadora) e João Alberto Ferreira (representante da Associação Portuguesa de Surdos) para integrarem num projeto de estudo da Língua Gestual Portuguesa, rumando a Gallaudet University para uma formação especializada. Voltando a Portugal, em parceria com a Secretaria Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, atual Instituto Nacional para a Reabilitação, criaram o Gestuário tendo como gestuante José Bettencourt.

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governamentais. Voltando à APS, demonstrou a sua capacidade de líder ao velar- se pela na constituição de mais Delegações de Surdos no país, permitindo o reconhecimento das boas práticas da Comunidade Surda e o impacto social que isso proporcionava: abertura, consciencialização, reformas políticas em torno da Língua Gestual. Por outro lado, dada a sua participação no Projeto da Faculdade de Letras, conseguiu junto com as entidades governamentais, nomeadamente o Instituto de Emprego e Formação Profissional assim como o Fundo Social Europeu, a implementação de Cursos de Formação Profissional para Formadores Surdos e para futuros Intérpretes ouvintes.

Segundo (Carvalho, 2007:XXXV), foi durante a década de 90 que, pela mão de líderes surdos que ocorreu a implementação não só de Delegações da APS mas também de Associações Locais, observando-se um elevado número de Associações no nosso país. Além disso, é curioso como as Delegações da APS puderam crescer, desenvolver e depois assumirem-se autonomamente como Associações como é o exemplo da Delegação do Porto, atual Associação de Surdos do Porto (ASP), da Delegação do Barreiro, atual Associação Cultural de Surdos do Barreiro (ACSB); da Delegação de Leiria, atual Associação de Surdos da Alta Estremadura (ASAE) e do Núcleo de Coimbra, atual Associação da Comunidade Surda do Distrito de Coimbra (ACSDC).

Desse crescimento e desenvolvimento não foram só os/as Surdos/as que estiveram presentes e apoiaram. Também entidades governamentais, nomeadamente a Secretaria Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência (SNRIPD), atual Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), acompanharam e financiaram o crescimento do Movimento Associativo Surdo no nosso país. Por ano, era dada uma verba de apoio às Associações para que as mesmas pudessem usufruir dela a nível administrativo, estrutural e recreativo, fortalecendo as mesmas. Coadjuvado pelo Governo Português na definição de estratégias de apoio às Instituições de Pessoas com Deficiência, a verba atribuída às associações de surdos era mediante a sua atividade e o impacto que as mesmas geravam a nível social.

Com o aumento do número de Associações de Surdos, tornou-se difícil manter a capacidade de gestão do apoio financeiro assim como a audiência e assistência às mesmas. Dessa forma, recorrendo-se à APS, o SNRIPD propôs aos Surdos a fundação de uma Federação que unificasse os poderes das

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diferentes associações de surdos e assumindo-se como porta-gesto da Comunidade Surda perante o Estado Português.

Concordando com esta estratégia, a APS, reunindo com as suas Delegações, organizou o I Congresso Nacional de Surdos, em Coimbra, no ano de 1993 no qual participaram 500 Surdos/as. Desse Congresso surgiu a Comissão Instaladora da Federação Portuguesa das Associações de Surdos (FPAS) composta por elementos de 5 Associações de Surdos: APS; Associação Cultural de Surdos da Amadora (ACSA); Associação de Surdos do Oeste (ASO); Associação de Surdos-Mudos de Braga (ASMB) e a Associação de Surdos do Concelho de Almada (ASCA).

A Comissão Instaladora, gerida essencialmente por José Bettencourt e Armando Baltazar, representantes da APS, iniciaram os seus trabalhos acompanhando e desenvolvendo as estruturas internas, nomeadamente, os Estatutos, Regulamentos e Organigrama de atuação desta e das suas Filiadas. Formalizando todos os processos, a 20 de Dezembro de 1993, após registo notarial, fundou-se a FPAS, tendo como primeiro presidente, Armando Baltazar.

Inicialmente, não tendo instalações e estando num período de iniciação das suas funções, os Delegados solicitaram à APS a instalação da FPAS na sua sede assim como incluir o seu funcionamento em paralelo. Armando Baltazar, no norte, apesar de assumir a gestão e as atividades junto com as Associações Filiadas, fazia muitas deslocações à capital para reuniões protocolares e institucionais. Desse modo, um ano depois de assumir a presidência, pediu a demissão e entregou o seu cargo a Daniel Brito e Cunha que assumiu apenas durante poucos meses devido a conflitos internos entre a FPAS e as Associações Filiadas.

Após a sua demissão e sob o controlo de José Bettencourt, na altura Presidente da Mesa da Assembleia Geral, fora proposta a liderança provisória da FPAS a Arlindo Oliveira, pela sua força e boa capacidade de gestão associativa. Assumindo o cargo, Arlindo Oliveira deslocava-se muitas vezes a Lisboa para gerir e controlar as atividades da FPAS, coisa que não era do seu agrado nem satisfação. Além disso, como não concordava que uma Federação não deveria ser abrigada por uma Associação a si Filiada, procurou instalações próximas de sua casa, na Amadora. Arranjando novas instalações para a FPAS e conseguindo acordos de filiação de novas Associações de Surdos, Arlindo Oliveira ganhou mais força para se candidatar a Presidente Oficial da FPAS.

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Em 1997 realizaram-se as primeiras eleições oficiais da FPAS, nas novas instalações sitas na Praceta Miguel Cláudio, na Amadora, com a representação de oito Associações Filiadas. Eleito como Presidente Oficial da FPAS, Arlindo Oliveira trabalhou nesta instituição durante 15 anos conseguindo fortalecer as Associações de Surdos a nível nacional; fortificar relações entre a FPAS e o Instituto Nacional para a Reabilitação; estabelecer protocolos a favor da acessibilidade para a Comunidade Surda: Protocolo com o Ministério da Justiça, Protocolo de Cooperação com a Segurança Social e Protocolo de Colaboração com a Universidade Lusófona, assim como acompanhou na definição de estratégias governamentais para a Educação de Surdos, nomeadamente o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa, em 1997, Lei 89/99 alusiva aos Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa e a constituição do Decreto - Lei 3/2008, sobre as Escolas de Referência para a Educação Bilingue de Alunos Surdos. Além disso, pelo no 2000, viu conseguida a filiação às entidades europeias e mundiais de Surdos, nomeadamente, a EUD e a WFD, anteriormente assumidas pela APS.

Hoje em dia, tendo como Presidente da Direção, Pedro Costa, um jovem líder de 37 anos, a FPAS tem onze Associações de Surdos Filiadas e, a nível europeu e internacional, continua a representar Portugal na EUD e na WFD.

Abraçando uma nova filosofia de ação, a Direção atual estabeleceu objetivos e metas tendo como principal visão,

- Reconhecer a Língua Gestual Portuguesa como língua oficial do país;

- Assegurar e contribuir para os Direitos e Deveres das Pessoas Surdas e a sua Qualidade de Vida;

- Promover, defender e realizar ações para o desenvolvimento das Associações de Surdos.

… missão,

- Assegurar e efetivar a plena cidadania e igualdade de oportunidades ao suprimir as barreiras que impedem o exercício dos seus Direitos e Deveres.

… princípios,

- Reconhecimento da LGP como língua oficial do país;

- Adesão dos princípios e mandatos proclamados nas Declarações Universais, Convenções Internacionais, nomeadamente, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Carta Europeia, Constituição da República Portuguesa, legislação e os protocolos de várias entidades públicas e privadas;

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- Alargamento da participação das Pessoas Surdas e delegados das associações de Surdos no contributo para a plena (ou: completa) cidadania, bem como o acesso pleno e efetivo das Pessoas Surdas aos serviços públicos e privados.

… e valores,

- Proximidade associativa de Surdos, para alargar o associativismo Surdo;

- Sensibilização para as pessoas em geral sobre a problemática da Comunidade Surda e os seus objetivos;

- Parceria e cooperação das entidades públicas a tomar medidas no plano da qualidade de vida das Pessoas Surdas;

- Acessibilidade, nomeadamente, tecnologias de comunicação em Língua Gestual Portuguesa.

Em prol desta nova visibilidade, reformulou as suas estruturas incluindo um Centro de Direitos Humanos para Pessoas Surdas (CDHPS), sob a responsabilidade de um Jurista Surdo assim como a Comissão Nacional de Juventude Surda (CNJS), sob a gestão de cinco Jovens Surdos, sendo três deles, filhos de pais Surdos.