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3. O Pós-Guerra (1918-1920)

3.0.3. A urgência dos vistos

Voltando ao ano de 1920, em Abril, o consulado de Colónia na Alemanha perguntava ao MNE como se deveria proceder à passagem de vistos para os alemães. Neste documento,

140 Carta da Comissão da Conferência de Paz para o MNE. 1 de Setembro de 1920 in Ministério dos Negócios Estrangeiros >

Estudos comparativos sobre bens alemães (76766);

141 Veja-se o anexo 6 com um anúncio no jornal ‘O Século’ sobre a venda de pianos de cauda alemães. 142 Lisboa: Jornal ‘O Século’. 18 de Novembro de 1920. Pp. 1.

era mencionada a emissão de um visto a Otto Marcus. “Este súbdito Alemão já residiu em Portugal, de 1877 até à declaração de guerra [...] e que está associado com outro súbdito alemão, o sr. Harting, que se encontra em Lisboa desde Março”144. Otto Marcus vivia na rua do Salitre

nº 143 e teria também uma casa de campo, sem morada especificada. Após um cruzamento de dados com as listas de partida de passageiros de portos alemães145, observámos que Otto Marcus

foi um dos primeiros alemães retornados a Portugal por via marítima, a partir do porto de Hamburgo. Já com 67 anos, volta para Portugal para retomar o seu negócio, curiosamente, das carreiras marítimas entre Portugal e o norte da Alemanha. Sabemos que veio no vapor ‘Soneck’ em primeira classe, através da companha Hansa-Linie Bremen. Nesse mesmo mês, a embaixada de Viena, por intermédio da legação espanhola, perguntava sobre a possível viagem de um cidadão seu até à África Oriental Portuguesa, ou seja, Moçambique146. Muitos mais pedidos se

seguiriam pelo que o Ministério das Colónias anotava esses pedidos, escrevendo essas observações para o MNE. Em Novembro de 1920, o consulado de Bremen perguntava ao Ministério dos Negócios Estrangeiros se poderia passar vistos com vista à multidão de gente que lhe apresentava referências e garantias de bancos. Muitos seriam os comerciantes ansiosos por começar o seu negócio num outro país que não a Alemanha. Mas, segundo o MNE, a 29 de Novembro de 1920, apenas seriam passados vistos segundo autorização especial. No mês seguinte, uma importante carta enviada pela Legação Portuguesa em Berlim para o MNE descrevia a situação actual que se vivia na capital alemã. Esta carta ilustra algumas das razões pelas quais os alemães ansiavam a concessão de um visto para Portugal ou as colónias:

“Continua sempre [...] a romaria a esta Legação de alemães que pretendem ir para Angola. [...] razões determinantes desta ânsia de saída à busca de regiões onde a conquista de pão seja menos difícil. [...] À porta da Embaixada de França [...] estabelece-se desde manhã cedo uma fila enorme de gente que espera paciente, sob a neve caindo forte, a hora de abertura da repartição especial onde as questões de emigração são tratadas. [...] desesperado desejo de se libertar de uma situação intolerável que a desvalorização da moeda, a carestia da vida e as mais dificuldades [...] criou.”

144 Carta do Consulado da Colónia para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. 06 de Abril de 1920 in Ministério dos Negócios

Estrangeiros > Estudos comparativos sobre bens alemães (76766);

145 www.passagierlisten.de é um canal online que apresenta, de forma gratuita, uma base de dados completa sobre todos os

barcos que partiram do porto de Bremen, Alemanha, para os diferentes portos do mundo, no caso português de 1908 a 1939. Através desta base de dados é-nos possível rastrear alguns dos alemães retornados, que haviam voltado para a Alemanha após a entrada de Portugal na guerra. Completando o primeiro, temos também o registo dos portos de Hamburgo, www.hamburger- passagierlisten.de, onde é possível a sua consulta através do canal www.ancestry.de .

146 Carta da Legação Espanhola para o MNE. 15 de Abril de 1920 in Ministério dos Negócios Estrangeiros > Libertação e

Nesta carta o embaixador português descrevia uma cidade com bastantes problemas económicos, em níveis de pobreza extremos. Também, desde Viena, as mesmas notícias chegavam a Portugal. O ano de 1920 terminava e por via marítima temos apenas informação da viagem de seis outros alemães a Lisboa: a 15 de Abril, Emma Auguste Ernestine e Carmen Burchard chegavam a Lisboa; e a 22 de Maio, Otto Marcus e a família Shcrupp composta por Josef, Hedwig e Karla perfaziam o total de alemães que chegavam ao porto de Lisboa nesse ano.

No primeiro dia do ano de 1921, o MNE enviava uma carta ao Ministério do Interior

pedindo a entrada de Anna Lorbeerbaum, austríaca, e de uma quantidade substancial de membros da sua família. A resposta que temos do ministro do interior, menciona a sua apreensão, devido à instabilidade económica interna, e que a permissão da entrada de “estrangeiros sem conhecimentos técnicos especiais”147 só poderia ser prejudicial. Menciona-

se ainda a defesa do país contra os ideais extremistas, nomeadamente do perigo comunista. O comunismo seria tema de debate na sociedade portuguesa e estaria reflectido nos jornais da época ao longo dos anos seguinte. A apreensão sobre a Alemanha tinha que ver sobretudo com a aproximação do país ao leste, nomeadamente à Rússia, onde muitos capitalistas esperavam recuperar da crise e fazer enormes fortunas à custa da reconstrução da Rússia, como menciona Drijad148. Para além desta informação, o ministro terminava por escrever que, por uma questão

de humanidade e solidariedade, as portas de Portugal poderiam abrir-se... nas colónias, tema que desenvolveremos mais à frente.

Ainda em Janeiro de 1921, uma companhia de transportes marítimos, a van Eupen Spenditionsgesellschaft, sediada em Essen, enviava uma carta ao MNE onde perguntava sobre os procedimentos que ter para a passagem de vistos e entrada no país dos cidadãos alemães. Este ano marcava o início das passagens e permissões de muitos alemães e austríacos com destino às colónias portuguesas. Havia, ainda assim, algumas restrições e por vezes uma falta de constância na passagem de vistos. A Legação Portuguesa em Berlim, em Maio de 1920, sugeria que profissões importantes como professores, empregados comerciais ou qualquer indivíduo que tivesse um contrato com empresas portuguesas, pudessem ver facilitada a sua entrada em Portugal149. Assim, a 5 de Maio, uma circular do MNE direcionada para todas as

embaixadas e consulados, abordava directamente o problema dos vistos. No cerne da questão,

147 Carta do MNE para o Ministério do Interior. 01 de Janeiro de 1921 in Ministério dos Negócios Estrangeiros > Libertação e

substituição dos bens dos alemães (85085);

148 DRIJARD, André. 1983. Alemanha – Panorama histórico-cultural. Lisboa: Publicações Dom Quixote. 2ª Edição.

149 Carta da Legação Portuguesa em Berlim para o MNE. 14 de Maio de 1921 in Ministério dos Negócios Estrangeiros >

os consulados poderiam passar vistos, se tivessem nas suas dependências cônsules de carreira ou “cônsules honorários que mereçam especial confiança”150. Isto traria alguma confusão, pois

alguns consulados não possuíam mais que um cônsul e o volume de pedidos chegava a ser bastante grande. A pressão para a entrada em Portugal seria tão grande que surgiriam casos em que a polícia tinha de intervir. Um dos episódios que mais saltou à vista foi sem dúvida o infiltramento de um alemão num barco português procedente de Vigo151. Não seria a primeira

vez que os consulados do norte de Espanha criariam tensões diplomáticas a Portugal. Em Setembro de 1921, o Comissariado Geral dos Serviços de Emigração presente no Ministério do Interior enviava uma carta para o MNE abordando o problema dos alemães que continuavam a cruzar fronteira, “munidos de passaportes, com vistos dos agentes consulares de Gijon e S. Sebastião não autorizados pela relação, oriunda dessa Secretaria”152. Sobre a permissão para a

passagem de vistos pouco se alteraria nos meses seguintes. Já no ano de 1923, o cônsul de Frankfurt-am-Main era autorizado a conceder vistos a cidadãos alemães, mas sabemos que o processo estaria longe de ser regular. Ainda em Outubro desse ano, o embaixador de Portugal na Áustria, numa carta ao MNE, falaria da demora da revogação das restrições aos vistos austríacos. Dava o exemplo de um grupo de músicos vienenses que, no seu regresso à Europa, após um concerto, desejavam visitar Portugal, pelo que lhes tinha sido de todo impossível153.

Apesar de pequenos problemas pontuais burocráticos como este, o final de 1923 traria já uma certa facilidade para qualquer indivíduo alemão ou austríaco que quisesse visitar ou mudar-se para Portugal. Em Novembro de 1923, o Ministério dos Negócios Estrangeiros dava ordem para que se mantivessem as restrições de entrada no país apenas às nacionalidades húngara, búlgara e turca154. Seria apenas mais um dos vários começos para o restabelecer das relações luso-

alemãs no pós-guerra.

Sobre os vistos de entrada em território português, a grande maioria era destinada a Angola. Angola foi sem dúvida a colónia portuguesa da altura que mais beneficiou com a entrada de cidadãos alemães através do processamento de vistos. Vejamos agora, no seguinte capítulo o impacto desta população neste país africano.

150 Carta do MNE para a Legação Portuguesa em Madrid. 06 de Junho de 1921 in idem.

151 Tratava-se de um alemão com o nome de Erick Krewet, que após ter sido descoberto a bordo do vapor ‘Porto’ que havia

partido de Vigo com destino a Portugal se encontrava na prisão. Este alemão esperava pela autorização para entrar para Portugal tendo-se infiltrado no barco para mais cedo chegar a Portugal. Pelo que após este acontecimento viu negada essa mesma petição – Carta da Polícia de Segurança de Estado para o Ministério das Finanças. 02 de Junho de 1921) in Ministério dos Negócios Estrangeiros > Liquidação dos bens alemães e ex-inimigos. (75512).

152 Carta do Comissariado Geral dos Serviços de Emigração para o MNE. 27 de Setembro de 1921 in idem. 153 Carta da Embaixada de Portugal na Áustria para o MNE. 18 de Outubro de 1923 in idem.