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CAPÍTULO 1: A SEGURANÇA E A DEFESA

2.3. A Utilização da Força

As Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança detêm, como já foi referido, o monopólio da utilização do uso da força. Todavia, esta utilização carece da estrita observância de vários pressupostos legais e formais.

Num Estado de direito democrático, a atuação da Polícia pauta-se, principalmente, pelo princípio da legalidade, no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mesmo em situações delicadas com que se veja confrontada.

No entanto, a Polícia não deixa de se orientar pela sua principal função: garantir e manter a ordem, a tranquilidade e a segurança públicas, contra a multiplicidade de atividades individuais ou organizadas que façam perigar este equilíbrio (Faria, 1993), estando, por isso, o próprio Estado vinculado à proteção dos cidadãos – contra a agressão de terceiros aos seus direitos, defendendo-os e garantindo-os – e não atuando, ele também, de forma a que os ofenda e sacrifique de forma desmesurada, arbitrária e injustificada (Valente, 2014).

Essa função de prossecução da defesa dos direitos fundamentais e da defesa da legalidade democrática, corolário de um Estado de direito democrático, surge consagrada na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 272.º, onde se estabelece qual o papel da Polícia num Estado de direito democrático: “defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”, considerando-se, aqui, que a defesa da legalidade democrática e a garantia da segurança interna terão um sentido mais consentâneo, ligado à ideia de garantir o respeito e cumprimento das leis em geral no que à vida em comunidade diz respeito.

Daqui se retira que as medidas de polícia e a prevenção de crimes resignam-se ao cumprimento da lei, respeitando o princípio da tipicidade legal e da precedência da lei e o princípio da proibição do excesso.

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O princípio da tipicidade legal estabelece que os atos e medidas de polícia devem ter fundamentação na lei, além de que os procedimentos e as medidas adotadas terão de ser os estabelecidos para a situação em concreto, ou seja, ordens para atuação policial e medidas de coerção, isto é, utilização da força policial, servem, pois, para controlar a atuação policial. A atuação policial ao arrepio deste princípio geraria a ilegalidade dos atos praticados.

Quanto ao princípio da proibição do excesso, este opõe-se a que a atuação da polícia vá além do estritamente necessário, obedecendo aos pressupostos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade (Valente, 2013c).

Na verdade, refere Fontes (2015) que:

O uso da força física, - da força coerciva -, designadamente pelas Forças e Serviços de Liberdade e Segurança (FFSSLS), (designação que se prefere à de Forças e Serviços de Segurança, porque asseguram o binómio) é limitado, tem requisitos objetivos que devem ser respeitados. Limites que não podem ser ultrapassados. Proíbe-se o excesso. Exige-se proporcionalidade. Apela-se à adequação de meios. Garante-se o justo equilíbrio. (…) Mas esta atuação assegura a ordem constitucional estabelecida e é garantia dos direitos e do interesse público, que não se reconduz à soma de interesses individuais. (p.40)

O artigo 272.º da CRP refere ainda que as forças de segurança obedecem a um regime orgânico próprio e único para todo o território nacional, depreendendo-se que, tratando-se a função de polícia uma função da Administração, aquela há de caber aos titulares desta última, que não são não apenas o Governo (artigo 182.º da CRP), mas também, dentro dos limites constitucionais e legais das suas atribuições, os órgãos das regiões autónomas (artigo 227.º, n.º 1 al. g) da CRP) e os próprios órgãos do poder local (artigo 237.º, n.º 3, da CRP - Polícia Municipal).

Na verdade, o Código de Conduta das Nações Unidas para os funcionários pela aplicação da lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da sua Resolução n.º 34/169, de 17 de dezembro de 1979, veio a estabelecer um conjunto de limites, deveres e obrigações decorrentes da

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própria condição de responsáveis pela aplicação da lei. São considerados todos os agentes da lei, independentemente do seu vínculo, que exerçam poderes de polícia (artigo 1.º).

Na vertente internacional e nacional, encontramos vários instrumentos legais, que visam respeitar e proteger a dignidade da pessoa humana. Destacam-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Declaração das Nações Unidas Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (artigo 2.º).

O artigo 3.º do Código de Conduta exige, para que seja possível a utilização da força, quando seja observado o princípio da necessidade, decorrente pela exigência do cumprimento do inerente dever. A referida utilização da força será sempre realizada de forma excecional, quando outros meios menos gravosos não sejam eficazes para lograr atingir o objetivo, que poderá ser a prevenção de um crime, ou para efetuar ou ajudar a efetuar a captura lícita de criminosos, nunca podendo, todavia, exceder os próprios limites estabelecidos pela lei, nomeadamente a proporcionalidade dos meios utilizados que devem ser estritamente observados, face ao objetivo legítimo que se pretende atingir. Os aplicadores da lei devem procurar garantir que as pessoas se agridam umas às outras, não sendo minimamente tolerável que sejam os próprios polícias a praticar tais condutas (Silva, 2014).

O Código Deontológico do Serviço Policial32 através do artigo 8.º exige que os meios coercivos, aquando da utilização da força, devem ser empregues considerando a necessidade, adequação e proporcionalidade da finalidade a atingir.

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Na verdade, a Lei-quadro da Política Criminal, aprovada pela Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, analogamente à lei penal e processual penal e à Lei de Organização da Investigação Criminal, não prevê a participação das Forças Armadas na prevenção da criminalidade, investigação criminal (com exceção das competências previstas para a Polícia Judiciária Militar), ação penal e execução de penas e medidas de segurança.

No tocante às Forças Armadas, no âmbito de uma ação militar, agem com a finalidade de se impor uma vontade política, não obrigando aos executores uma observância racionalista e legal da sua ação.

Tal como refere Shane (2010), a questão dos danos colaterais que se traduzem em danos dolosos ou não e que podem afetar pessoas ou infraestruturas, como resultado de ações militares dirigidas contra o inimigo poderá ser tolerado, pelo poder político que autorizou as referidas ações, considerando o interesse nacional.

Esta questão, num Estado de direito democrático, é impensável para as Forças de Segurança, uma vez que a utilização do uso da força deve ser, in

casu, avaliada e realizada de forma criteriosa. Todo e qualquer ação ou

procedimento policial deve sempre observar os ditames dos direitos das pessoas, que origina uma limitação do uso da força policial (Campbell, 2010).

Obviamente que a formação dos Polícias e dos Militares deve ser distinta. É natural que o seja. A atividade policial exige um elevado grau de discricionariedade e mais e maiores competências ao nível da resolução de problemas, de julgamento, de informação para que seja possível tomar decisões. A atividade militar exige uma maior disciplina e maior capacidade no cumprimento de ordens, uma vez que os militares estão devidamente enquadrados numa estrutura militar, sendo atribuída a competência ao superior hierárquico, para emitir ordens e/ou instruções ao subordinado e que este possa, de forma completa e prontamente, sem qualquer possibilidade de discricionariedade, independentemente do nível da tática e da técnica, cumprir integralmente as ordens e/ou determinações. Assim, os modelos de formação são diferenciados face aos objetivos e atribuições prosseguidas pelos Polícias e pelos Militares.

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Ora, verifica-se em vários países a participação das Forças Armadas em ações de reforço ou apoio às Forças de Segurança. Se em Portugal de ponto vista legal e formal temos previsto o PAO entre as Forças Armadas e as Forças de Segurança, logo teremos o empenhamento dos três ramos das Forças Armadas, em estado de normalidade democrática, torna-se imperioso, para não referir obrigatório, a formação que deverá ser conjunta e periódica, apesar das aludidas destrinças, em algumas situações. Até por uma questão de terminologia e simbiótica empregue entre as Forças Armadas e as Forças de Segurança são diferentes, logo a questão da formação é primordial.

2.4. O Exemplo das Forças Armadas na Segurança Interna de outros