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A utilização de caracteres de coloração de plumagem e de vocalizações em reconstruções

1.5. Discussão

2.1.2. A utilização de caracteres de coloração de plumagem e de vocalizações em reconstruções

Caracteres de coloração de plumagem se encaixam na categoria dos chamados caracteres tegumentares. O uso desse tipo de caráter em reconstruções filogenéticas é alvo de muitos debates e gerou grandes polêmicas ao longo das últimas décadas, apesar de toda a classificação tradicional de aves ter sido feita com base em caracteres tegumentares e eles serem a principal fonte de dados em estudos de taxonomia alfa. Muitos autores (Chu, 1998; Omland e Lanyon, 2000) advogam contra a utilização de caracteres tegumentares em filogenias, mesmo quando elas são baseadas somente em caracteres morfológicos, os principais argumentos utilizados destacam o fato de que os caracteres de tegumento, como a coloração de plumagem, seriam extremamente variáveis para serem considerados informativos sob o ponto de vista filogenético. Autores que utilizam dados moleculares (Schaffer, 1986; Schluter, 1984) afirmam que caracteres morfológicos podem não ser independentes porque eles são controlados pelos mesmos genes e que, por isso, filogenias morfológicas e moleculares comumente apresentam resultados discordantes (Hackett e Rosenberg, 1990; Omland e Lanyon, 2000).

Apesar de muitos argumentos desfavoráveis, Livezey (1991,1995, 1996) e Chu (1998) configuram entre as escassas tentativas dentro da classe Aves de se construir uma análise filogenética com base em apenas caracteres de padrões de plumagem e outras regiões do tegumento; estes estudos puderam concluir que os caracteres tegumentares podem ser uma fonte de informação confiável e útil em reconstruções filogenéticas, assim como outros tipos de evidências morfológicas, como os caracteres osteológicos. Mais recentemente, trabalhos envolvendo este tipo de caráter foram realizados (Bertelli et al., 2002; Giannini e Bertelli, 2004; Bertelli e Giannini, 2005) e foram capazes de corroborar a eficiência da utilização desse tipo de caráter, em que as filogenias das famílias Tinamidae e Spheniscidae foram reconstruídas com elevada resolução e alto grau de suporte dos clados.

É importante destacar que muitos dos trabalhos acima citados (Livezey, 1991, 1996; Bertelli e Giannini, 2005) demostram que os caracteres de plumagem são especialmente mais informativos quando são utilizados no suporte de clados de níveis taxonômicos menos inclusivos, como dentro de um gênero, espécie e subespécie. Padrão que se opõe aos caracteres osteológicos, cuja maior informação encontra-se em categorias taxonômicas superiores, tais como relacionamento entre gêneros e famílias.

134 Como mencionado no Capítulo 1, o uso de caracteres vocais em sistemática, principalmente no caso dos Oscines, sempre foi um tópico que gera controvérsias e, por isso, é pouco abordado. Os principais motivos desse cenário estão em características específicas do canto dos Oscines, como a elevada variabilidade e complexidade, o que dificulta a avaliação de quais aspectos das vocalizações (caso exista algum) seriam evolutivamente conservados. Outro agravante é que seus cantos são usualmente modificados pelo aprendizado durante o desenvolvimento (Baptista, 1996). As vocalizações também são caracterizadas por possuírem alguns aspectos que evoluem muito rapidamente e, frequentemente, de forma convergente em resposta ao ambiente (Wiley, 1991; McCracken e Sheldon, 1997, Slabbekoorn e Smith, 2002), um exemplo disso são as espécies florestais que costumam apresentar frequências mais baixas, com pouca variação entre a frequência máxima e mínima, visto que esse tipo de frequência costuma se dissipar melhor nesse tipo de ambiente (Morton, 1975; Hunter e Krebs, 1979, Slabbekoorn e Smith, 2002).

Entretanto, evidências de estudos recentes (e.g. Marler e Pickert, 1984; Kroodsma e Canady, 1985; Baptista, 1996) têm demonstrado que alguns aspectos do canto possuem uma base genética. Estudos comparativos e filogenéticos envolvendo Oscines revelaram que alguns componentes específicos das vocalizações, como padrões de diferentes tipos de canto e o tamanho e a complexidade dos repertórios vocais, variam pouco entre as espécies e, portanto, estariam mais propensos a serem evolutivamente conservados (Payne, 1986; Irwin, 1988; Podos, 2001; Price e Lanyon, 2002). Price e Lanyon (2002) afirmam que as vocalizações de muitos Oscines são altamente estereotipadas e contém elementos acústicos que estão presentes em todos os seus coespecíficos e que a análise desses elementos, utilizando métodos de filogenia comparativa, podem revelar padrões de evolução conservativa.

Apesar das evidências apresentadas, um dos principais problemas remanescente estaria na influência que o aprendizado teria em reconstruções filogenéticas. Estudos (e.g. Payne, 1986) demonstram que aspectos aprendidos do canto também podem possuir certo grau de consistência filogenética, pois deve-se considerar que as características que usualmente são transmitidas culturalmente somente ao longo de linhagens relacionadas e a aquisição desses elementos durante o aprendizado está geralmente sob controle genético (Marler e Pickert, 1984; Baptista, 1996). Além disso, a elevada concordância entre filogenias moleculares e caracteres vocais também confirma que alguns aspectos das vocalizações, até mesmo aquelas que são estruturalmente muito complexas, podem ser utilizados para acessar as relações entre os táxons de aves (Price

135 e Lanyon, 2002). Uma elevada complexidade vocal pode, na verdade, ser encarada com uma vantagem em estudos sistemáticos, visto que, características complexas que envolvem múltiplos componentes podem ser mais úteis do que características mais simples, pois eles possuem uma variedade muito maior de caracteres potencialmente homólogos para comparação, a dificuldade estaria em identificar quais desses caracteres seriam potencialmente informativos (Price e Lanyon, 2002).

2.1.3. Objetivos

Os relacionamentos interespecíficos no gênero Cyphorhinus nunca foram alvo de uma reconstrução filogenético e, apesar de atualmente abrigar apenas três espécies, 16 táxons estão envolvidos, sendo que seis deles tiveram sua validade corroborada no Capítulo anterior. Partindo da delimitação dos táxons terminais presentes no Capítulo 1, o objetivo principal deste capítulo é propor uma hipótese de relacionamento e fazer uma análise biogeográfica entre as seis espécies do complexo Cyphorhinus arada revisadas no Capítulo 1. Além disso, o relacionamento entre essas espécies e os demais táxons do gênero Cyphorhinus será avaliado e, por isso, o objetivo secundário deste Capítulo é construir uma filogenia completa do gênero Cyphorhinus.