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A Vale compra um orgulho canadense: reestruturação, greve

Nós ouvimos histórias... Ouvimos histórias do Agnelli vindo para a cidade, alugando um helicóptero e sobrevoando para ver um pouco da Inco. Ele disse para alguém: “Oh, de quem são estes carros no estacionamento?” E responderam: “São dos trabalhadores, é onde eles estacionam”. E ele: “Eles não deveriam estar ganhando tanto dinheiro para bancar carros como estes”. Nós ouvimos rumores disso, sejam ou não verdade, mas certamente eles queriam tirar bastante de nós. (Michael, mineiro e assessor do Steelworkers)

Houve uma visita, alguns dos donos vieram do Brasil. Eles estavam numa reunião conversando, olharam pela janela e perguntaram de quem eram as caminhonetes. Várias boas caminhonetes estacionadas e eles perguntaram como os trabalhadores poderiam gastar tanto dinheiro num veículo. Eles estavam muito surpresos. (Sam, mecânico)

Não sei se foi o Murilo Ferreira ou outro, mas alguém levou o brasileiro para conhecer a comunidade. E viu muitas casas grandes, com espaço para dois carros grandes, casas bem sólidas. Ele perguntou: “Mas, afinal, quem vive em todas essas casas?”. “Ah, os seus trabalhadores vivem nessas casas”. Alguns até alegaram que a greve aconteceu porque a Vale ficou irritada com algumas pessoas porque quando chegou lá disseram: “Nós não queremos uma empresa do Terceiro Mundo chegando aqui e criando uma situação em que nós nos tornamos trabalhadores de tipo Terceiro Mundo”. (Judith Marshall, socióloga e ex-assessora sindical)

Quando houve a compra, em 2006, houve uma comitiva do Brasil visitando as instalações, acompanhada [pelo então presidente do sindicato] e outros sindicalistas. E eles não podiam acreditar: “De quem são estes veículos?”. “Dos trabalhadores. É como eles vêm para o trabalho. Não há ônibus”. Eles não acreditavam que os trabalhadores ganhassem dinheiro suficiente para comprar todas aquelas caminhonetes. [Para eles,] os trabalhadores deveriam estar felizes por ter um emprego e ganhar o suficiente apenas para se alimentarem. (John, da 5ª geração de família de mineiros da Inco/Vale)

Eles estavam andando pelo estacionamento quando eles compraram a empresa. Eles olharam para todos os veículos e falaram: “Não há muita gente da gerência aqui”. Então, eles foram avisados de que eram veículos dos trabalhadores e eles disseram: “Não, não, isto vai mudar”. (Gregory, mineiro demitido da Vale)

Eu ouvia histórias, não sei se eram verdade, de gente da alta administração da Vale vindo para cá e dizendo: “Ah, de quem são estes carros? Dos trabalhadores? Mas trabalhadores não tem carros”. Mas aqui eles têm carros! É assim que é. Então, ouvíamos histórias como esta. Ficávamos nos perguntando onde tínhamos nos enfiado. Mas, no começo, não senti muitas mudanças para mim. (...) Os membros mais altos da administração sabiam o que estava acontecendo, a forma como os brasileiros administram companhias. (Leonard, mineiro, trabalhador da Inco desde 1991)110

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Salvo Judith Marshall, todos os nomes de trabalhadores e sindicalistas entrevistados neste capítulo, conforme já se indicou anteriormente, serão sempre substituídos por nomes fictícios. As entrevistas foram realizadas em língua inglesa e, posteriormente, traduzidas para o português.

140 Os depoimentos acima reproduzidos foram repetidos por praticamente todos os trabalhadores e sindicalistas entrevistados no Canadá. Em diversas versões, a história dá conta da chegada de executivos brasileiros na cidade, sobrevoando, caminhando ou olhando para um estacionamento (ou casas grandes) de seus novos trabalhadores mineiros. Uma CTN da mineração, oriunda do Sul global, havia acabado de comprar uma centenária empresa canadense, com operações em outros países, como a Indonésia (SWIFT, 1977). Três anos depois, com a expiração do contrato coletivo anterior, as negociações de um novo contrato chegaram a um impasse e levaram à maior greve do setor privado canadense em 30 anos, envolvendo 3300 trabalhadores, com o equivalente a 845 mil dias de trabalho perdidos (PETERS, 2010). A greve em Sudbury, histórica cidade mineira canadense, durou um ano: de 13 de julho de 2009 a 7 de julho de 2010.

Nos depoimentos, o suposto choque com o padrão de vida da comunidade seria um dos motivos pelos quais a empresa teria decidido rebaixar bônus e pensões, enfraquecer o sindicato e impor maior disciplina no local de trabalho em busca de ampliação da produtividade. O que se transformou num boato ou espécie de lenda local ilustra uma série de conflitos relacionados à transformação da Vale numa CTN, que, naquele momento, se convertia na segunda maior mineradora global, expandindo suas atividades para dezenas de países. Ao deparar-se com um grupo operário muito vinculado a seu sindicato e à empresa, os novos gestores enfrentaram grande resistência ao adotar, nas novas operações, suas estratégias de relações de trabalho e sindicais, baseadas principalmente na experiência da companhia em suas minas e atividades no Brasil.

Diferentemente do que se costuma ver, portanto, um conflito deste tipo inverte a conhecida relação entre empresas multinacionais do Norte global, ou originárias dos países desenvolvidos, e seus trabalhadores nos países subdesenvolvidos111, com muitas vezes escassa experiência sindical, baixos salários, benefícios e alta rotatividade. O caso em questão, portanto, permite

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Pode-se encontrar um exemplo deste tipo de abordagem, justamente tratando da presença de mineradoras canadenses na América Latina, em Gordon e Webber (2016).

141 lançar luz sobre os efeitos do processo de transnacionalização da Vale sobre seus trabalhadores e sindicatos.

“O grande não desastre mineiro canadense”

Esta era a manchete de capa do denso caderno de economia da edição de fim de semana do The Globe and Mail, um dos jornais mais lidos do Canadá, editado em Toronto e distribuído em todo o país. Encontrei a reportagem por acaso numa manhã de outono muito fria e chuvosa enquanto me refugiava lendo o jornal num café de Montreal, após dias de pesquisa em Toronto e, sobretudo, em Sudbury. Nas páginas internas, a reportagem (MCGUGAN, 2016) ocupava duas enormes páginas do jornal e se propunha a realizar um balanço detalhado da desnacionalização do setor mineiro do país, ocorrida cerca de dez anos antes com a compra da Falconbridge pela Xstrata (atualmente Glencore) e principalmente da Inco pela Vale. Ambas as companhias têm forte presença e identificação com a cidade mineira de Sudbury (Ontário).

Na visão do jornalista econômico, o “desastre” que se esperava, à época em que as empresas foram compradas, seria a perda de controle das receitas da mineração, que não mais ficariam no país, além do que seriam os motivos “afetivos”, que trariam a oposição ao controle, por empresas estrangeiras, de companhias que eram uma espécie de orgulho canadense. No entanto, passada uma década, via-se um setor lucrativo, modernizado e, hoje, parte de transnacionais poderosas. Ao invés de perda de receitas, a venda das mineradoras locais teria trazido ganhos de produtividade e tecnologia introduzidas pelas controladoras externas, submetidas à legislação nacional e pagadoras de impostos. A Vale, além disso, teria transferido, como compromisso após a compra da Inco, sua diretoria global de metais básicos (não ferrosos) para Toronto, um escritório com 300 empregados chefiado por

142 uma diretora canadense112. A reportagem menciona, também, a reversão de expectativas com os preços do níquel no mercado mundial, que em 2006 beiravam os US$ 20 mil a tonelada113. Porém, contrariando o aumento contínuo de preços que se esperava durante o boom das commodities, o que houve depois foi uma forte redução de preços, especialmente após o estouro da crise de 2008-2009. A reportagem afirma que Inco e Falconbridge, caso não fossem vendidas, teriam sofrido fortemente por sua alta dependência das exportações de níquel. A Vale teria vivido um “início rochoso”, com a greve de 2009-2010, mas na atualidade teria construído um “relacionamento decente com o United Steelworkers”, avaliação da qual discorda o presidente do poderoso sindicato internacional, Leo Gerard, entrevistado na reportagem. Para ele, com a chegada da Vale, um “padrão de relacionamento maduro” com o sindicato foi substituído por um “padrão baseado no confronto”, fruto de uma tentativa de impor um “estilo autoritário brasileiro de relações de trabalho”.

O tom celebratório da presença da Vale, presente na reportagem, também contrasta frontalmente com o que havia ouvido durante os dias anteriores passados em Sudbury. Cheguei à cidade mineira de ônibus, saindo de Toronto. Antes da entrada da cidade, de longe, já era possível identificar uma das marcas da mineração que distingue o local. No céu, era possível ver elevar-se o Superstack, famosa chaminé da fundição, a segunda maior do mundo, com 381 metros de altura, erguida pela Inco nos anos 1970 para mitigar o então grave problema com a poluição local. A altura elevada explica- se pela necessidade de dispersar os gases sulfúricos para fora da cidade114. Hans Brasch, mineiro aposentado de 86 anos, 40 dos quais dedicados ao trabalho nas minas da Inco115, afirmou que a construção do Superstack

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Jennifer Maki, canadense que iniciou sua carreira na Inco em 2003, foi diretora-executiva de metais básicos da Vale de novembro de 2014 a dezembro de 2017. Em 1º de janeiro de 2018, o executivo brasileiro Eduardo Bartolomeo assumiu a diretoria. De acordo com informações disponíveis em: http://www.vale.com/pt/aboutvale/leadership/documents/perfilcompleto/jan-

15/cv_%20jennifer_port_jan_2015.pdf e

http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/leadership/Documents/cv/pt/eduardo-bartolomeo- pt.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.

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E em 2007 alcançaram o pico de mais de US$ 52 mil a tonelada. Cf. gráfico 2, p. 62.

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Informações disponíveis em:

http://www.vale.com/canada/EN/aboutvale/communities/sudbury/Pages/Superstack%20History %20Fact%20Sheet_FINAL.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.

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E autor de diversos livros de fotografia e de história da mineração em Sudbury. Seu nome foi mencionado com seu consentimento.

143 transformou a vida na cidade e modificou profundamente a qualidade do ar. Apesar da afeição local pela chaminé recordista, a Vale anunciou116, em janeiro de 2017, a decisão de desativar e demolir o Superstack até o primeiro trimestre de 2020. Em seu lugar, serão construídas duas chaminés menores117, que certamente mudarão o horizonte local, mas não farão com que Sudbury perca suas paisagens características que vi ao aproximar-me do pequeno terminal rodoviário num fim de tarde congelante: a linha de trem que leva o níquel extraído para Port Colborne, onde será refinado e enviado por navio pelos Grandes Lagos até mercados consumidores nos Estados Unidos e no mundo; a caixa d’água cinza com o nome de Sudbury no centro da cidade; e o aspecto tranquilo de seus moradores que caminham pelas ruas pouco movimentadas.

Uma sogra brasileira para os órfãos da “mãe Inco”

Nós ainda chamamos de Inco, é difícil dizer Vale. E não porque é uma palavra ruim, mas porque é um nome forte em nossa comunidade. Eu sou da terceira geração de uma família de mineiros. A mineração tem uma história muito grande aqui na comunidade. (...) Naquele momento, eu lamentei pelo meu governo permitir que uma empresa estrangeira comprasse a Inco, que era uma empresa canadense icônica. Nós sempre nos referimos à Inco como “mãe Inco”, achávamos que era uma empresa enorme em nossa ignorância diante do mundo da mineração. Mas, então, frente à Vale, não era nada. A Vale a comprou em dinheiro. (...) Eu digo para muitas pessoas que nós tínhamos a “mãe Inco” e agora nós temos a sogra feia [risos]. Não quero dizer que com a Inco tudo fossem nuvens fofas, mas certamente foi um estilo diferente de administração, ao qual nós ainda estamos tentando nos adaptar. (George em entrevista)

A Inco foi a maior produtora de níquel do Canadá e a segunda maior do mundo, posição que a Vale herdou, após a compra da empresa em 2006, para tornar-se a maior produtora global em 2014 (COELHO, 2016, p. 241). Suas maiores instalações estão na região de Greater Sudbury (Ontário), além de

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Informação disponível em:

http://www.vale.com/canada/EN/aboutvale/communities/sudbury/Pages/Superstack%20Announ cement_FAQ.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.

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Com as quais a empresa pretende reduzir em 40% a emissão de partículas e em 85% as emissões de dióxido sulfúrico, segundo informações da CBC News disponíveis em http://www.cbc.ca/news/canada/sudbury/vale-announces-superstack-done-1.3949500. Acesso em: 20 jan. 2019.

144 unidades em Kronau (Saskatchewan), Port Colborne (Ontário), Thompson (Manitoba), Long Harbour, Saint John e Voisey’s Bay (Terra Nova e Labrador), e dos já mencionados escritórios da diretoria de metais básicos em Toronto. A mineração de níquel em Sudbury remonta a fins do século XIX, com a criação da Canadian Copper Company. Em 1901, começa a exploração da Creighton Mine, ainda hoje em operação, e em 1902 é criada a International Nickel Company, a partir da incorporação da mineradora por capitais dos Estados Unidos, cuja sigla Inco passa a ser utilizada em 1919118. Anos depois, por conta de medidas antitruste estadunidenses, o conselho de diretores da empresa realiza uma troca de ações na companhia e a Inco “passava a ser considerada canadense, escapando da legislação norte-americana contrária aos monopólios de mercado” (COELHO, 2016, p. 233).

Em Sudbury também operava outra tradicional mineradora local, a Falconbridge. Com efeito, a cidade é historicamente dependente da mineração de níquel e nela habitam algumas famílias de mineiros estabelecidas na região há 5 gerações. Durante o período de concentração de capitais no setor, Inco e Falconbridge, as duas maiores mineradoras canadenses, ensaiaram uma fusão que não avançou pelas dificuldades que os órgãos de concorrência apontaram – a operação praticamente criaria um monopólio da produção de níquel no país. Ainda que não seja dependente de apenas uma empresa, Sudbury tem características de cidade monoindustrial, semelhantes à descrição de Lima (2013) a respeito das company towns apresentada no capítulo 1.

Para Roth, Steedman e Condratto (2015, p. 7), até os anos 1970, a cidade era definida por sua ligação com a mineração, com a maioria da população de Sudbury, àquela altura, trabalhando na Inco ou na Falconbridge. A comunidade, dessa forma, teria forjado um sentido de si mesma em seus anos como company town, ainda que, nas últimas décadas, a reestruturação da indústria do níquel na cidade – um efeito da globalização, das mudanças tecnológicas e da pressão pela expansão dos lucros – tenha levado, segundo os autores, à redução do contingente de trabalhadores, sobretudo

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Informações baseadas em Coelho (2016), Swift (1977) e em histórico da Vale Canadá disponível em: http://www.vale.com/canada/EN/aboutvale/history/Pages/default.aspx. Acesso em: 20 jan. 2019.

145 sindicalizados, nas minas e ao aumento no número de terceirizados. Segundo dados reunidos por Roth, Steedman e Condratto (2015, p. 8), o número de trabalhadores filiados ao USW Local 6500 caiu de 20 mil no pico em 1971 para menos de três mil na atualidade. Em Sudbury, dois terços da força de trabalho empregava-se na mineração em 1971 e, em 2006, dois terços da força de trabalho da cidade estavam empregados no setor de serviços. A grande riqueza mineral de Sudbury não estaria refletida na vida na cidade:

No nordeste de Ontário, a bacia de Sudbury, formada pelo impacto de um meteorito, contém uma concentração de minerais entre as dez maiores do mundo. Mais de 1,7 trilhão de toneladas de minérios foram extraídas ao longo de cem anos, e as reservas de níquel, cobre, ferro, ouro, prata e platina continuam grandes. Contudo, a cidade de 160 mil habitantes reflete pouco desta riqueza. Os níveis de renda familiar eram 10% menores do que a taxa provincial em 2005; conforme os empregos bem pagos no setor da mineração desaparecem, o trabalho temporário de baixo salário torna-se a regra (ROTH, STEEDMAN e CONDRATTO, 2015, p. 7, tradução nossa).

O depoimento de George, reproduzido no início desta seção, é comum à maioria dos trabalhadores canadenses entrevistados, para os quais a Inco e o trabalho para a companhia eram parte da identidade local, de seus vínculos comunitários e mesmo de sua história familiar. A “mãe Inco” representa, como se verá, nas palavras de muitos trabalhadores, um passado construído por seus pais e avós. É com tristeza, portanto, que se fala do fracasso da fusão entre as duas grandes mineradoras da cidade, já que havia preferência, pelos trabalhadores, de que a empresa continuasse controlada por capitais nacionais. Em sua opinião, isso manteria os investimentos e lucros no local, uma vez que ser a parte pequena de uma grande transnacional poderia fragilizar sua capacidade de pressão e intervenção nas decisões da administração.

Naquele momento, eu fiquei bem desapontado porque havia uma empresa local que queria fundir-se com a Inco, a Falconbridge, e nossa esperança era de que isso ocorresse. Isto seria bom para os mineiros, para as pessoas que trabalhavam nessas duas empresas, e seria bom para a comunidade. (...) Porque é local, pessoas locais, administração e estratégias locais. Depois, com a Vale, nós ficamos muito preocupados com o estilo de gestão que chegaria de uma empresa baseada no Brasil. Nós estávamos preocupados com isto. (Sean em entrevista)

“Mãe Inco” era a forma como chamavam a companhia. (...) Havia duas empresas de mineração aqui, a Inco e a Falconbridge, você deve ter ouvido falar disso. Elas tentaram uma fusão, o que teria sido a melhor coisa para Sudbury, obviamente, porque então você teria duas grandes mineradoras. Elas

146 eram grandes. (...) Então você teria um boom, certo? Ambas as companhias estão instaladas aqui há quase 100 anos. Ainda há toneladas de minério no solo. As duas companhias têm juntas... Eu não sei, mas houve um momento em que eram 30 mil pessoas. (...) Ainda hoje, as duas são as maiores empregadoras da cidade. Então, como isso não seria bom para Sudbury e para o Canadá? Agora, você vê os lucros indo para qualquer lugar. Tem que lutar para que o capital seja reinvestido em Sudbury. (...) Eu não sabia muito sobre a Vale, mas era um pouco triste saber que a Inco passaria a ter proprietários estrangeiros, operada do Brasil. Você vê o dinheiro saindo. (...) Não sei dizer qual era a sensação, talvez desapontamento. Eu realmente queria aquela fusão entre Inco e Falconbridge. (Leonard em entrevista)

A Vale veio para cá e decidiu nos tratar do jeito que trata o seu pessoal lá no Brasil, pagando nada, tratando-nos como merda, demitindo quando tem vontade. (...) Eles assumiram o controle de forma hostil, desculpe-me, mas no Canadá você não faz isso. Não é a forma como tratamos as pessoas e não é a forma como ninguém deveria ser tratado, sabe? Você assume uma empresa, deixe-a da forma como está funcionando. Você não comprou a empresa porque ela está falindo. Você comprou porque estava funcionando e era uma máquina bem azeitada. Nós sabemos o que fizemos por muito tempo antes da Vale vir para cá. Nós estamos na mineração desde quando? 1900, 1800 e qualquer coisa? Nós sabemos como se faz mineração. Nós não precisamos deles virem aqui nos dizer o que fazer ou como fazer. Ou virem nos mandar calar a boca em reuniões. Ou dizer que estamos ganhando muito dinheiro, como aqueles que vieram aqui e queriam saber de quem eram os carros. “Dos trabalhadores? Está brincando”. Quem diabo eles são? Nós não queríamos a Vale aqui, não pedimos que eles viessem e eles poderiam muito bem ir embora. A pior coisa que aconteceu aqui foi a Inco ter sido vendida. (Gregory em entrevista)

Em 2006, a Inco foi comprada pela Vale por US$ 18,24 bilhões de dólares (COELHO, 2014) e a Falconbridge foi comprada pela Xstrata, hoje Glencore, por US$ 17 bilhões (PETERS, 2010). A antiga região mineradora de Sudbury era agora parte do cenário globalizado da indústria da mineração. O sentimento de desconforto com a perda da “mãe Inco” só iria aumentar após os primeiros anos de nova gestão, quando o novo contrato começou a ser negociado. Então, o desconforto converteu-se em muitos momentos num sentimento abertamente “anti-Brasil”. Muitos trabalhadores, ao tratar do tema – e, imagino, especialmente por estarem diante de um brasileiro – afirmam que, com o tempo, as pessoas passaram a diferenciar o país da empresa. De todo modo, é comum, nas entrevistas, os trabalhadores referirem-se à Vale como “o Brasil”:

Nossos gestores continuam dizendo “o Brasil quer isto, o Brasil quer aquilo”. O trabalhador aqui não sabe o que o Brasil quer porque o Brasil não fala conosco. Não há comunicação em duas mãos. Tudo o que sabemos é que todos os dias estão cortando benefícios, cortando isto, sempre perdendo dinheiro: “Nós precisamos de mais”. Então, os trabalhadores estão desmoralizados. (...) Nós não conhecemos o Brasil, não estamos em contato.

147 Assim como no Brasil, geralmente, as pessoas não sabem nada sobre Sudbury. A não ser o que você sabe pelo noticiário. O seu país é distante do nosso. Nós somos as mesmas pessoas, todos pensamos do mesmo jeito, trabalhamos igualmente, mas temos todo um continente de distância. Então, nós não sabíamos. Eu esperava que fôssemos fazer parte de uma corporação gigante. Mas logo na sequência começou: “Se você não faz o que eu digo, você é apenas 5 % de nossa organização, então você não significa nada para

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