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Capítulo 3 – Análise de dados

3.1 A – Valorização da Vida de qualidade

Uma das grandes preocupações dos seres humanos na atualidade é a fruição de uma vida de qualidade, porém, essa fruição vem instigada pela mídia para que as pessoas agreguem vida de qualidade à compra de bens e serviços, transformando-a em um conceito mercadológico de qualidade de vida.

Assim procedendo, abre-se mão de conceitos como “ser” e “criar” em detrimento do “fazer” e do “ter”, então o primordial para se ter qualidade de vida é conquistar riquezas e bens materiais e status dentro da sociedade.

Para Brandão (2005), a acumulação de bens instigada pela mídia, e que se pauta em medidas enganosas, nos leva a crer que a própria razão do trabalho humano tomada como forma de desenvolvimento econômico: a educação, saúde, alimentação, vestuário, habitação, comunicação, trabalho, lazer, sã suficientes para a obtenção de uma qualidade de vida. Sob essa ótica nos tornamos escravos da produção deixando de lado valores importantíssimos para o conviver. À vista disso, Brandão (2005) conclui:

E, assim, tornam-se os indicadores materiais e critérios confiáveis da medida da qualidade de vida de pessoas, famílias, comunidades e povos inteiros. Mas sabemos, elas são apenas a condição mais elementar. São o alicerce da casa em que se vive e não a própria vida que deveria ser vivida ali. (p. 38).

No grupo de mulheres, a busca por uma vida de qualidade também é muito presente. Um dos pontos nessa busca diz respeito aos cuidados com a saúde, afinal algumas delas já possuem idade avançada, outro ponto que é presente para a vida de qualidade delas diz respeito ao cuidado e o afeto de umas para com as outras que permeou todos os encontros e aspectos negativos da qualidade de vida foram evidenciados em alguns momentos nos encontros.

No que tange à temática da saúde, a qual teve um realce nos diálogos, isso ocorreu possivelmente, pelo crescente número de casos de dengue em todo o país, e em especial em Rio Claro e no bairro. Todas as mulheres do grupo estavam preocupadas com os cuidados necessários à manutenção da saúde, a melhoria de: suas rotinas, seus relacionamentos, aparência pessoal. Essas preocupações não eram sazonais, mas permeava por todo o grupo uma real preocupação em buscar a fruição de uma vida de qualidade.

A preocupação com a estética, principalmente para o gênero feminino, também se fez presente, e certamente com a melhora da saúde e da autoestima das participantes.

[...] Juliana pediu para que se realizasse algum exercício para o bumbum, pois achava que o dela está meio caído. As demais deram risada, mas comentaram que isso é bom, afinal para as mulheres o que mais preocupa é ficar com o bumbum caído e os braços moles. (DCII-4).

Outra forma de vivenciarem a vida de qualidade é a descontração, embora trabalhando com seriedade as atividades propostas, todo encontro é permeado por muitos risos, piadas e alegria.

[...] Os momentos das atividades são levados muito a sério por elas, mas com bastante alegria e descontração, Raquel que tem um jeito sério quando se junta com Juliana fazem piadas, dão risadas e ficam vermelhas com algumas besteiras que soltam para o grupo, e segundo elas isso muito bom para a saúde e o espírito delas pois no dia a dia não tem tempo para se divertirem. (DCII-6).

Essa alegria as trazia de volta à infância:

Elas fizeram uma aula mais motivadas, talvez incentivadas pela limpeza do espaço e aproveitando que o professor de handebol havia desenhado retângulos no chão elas brincaram de pular amarelinha, pareciam crianças se divertindo (DCV-15).

Preocupadas com a perda ou limitação de suas atividades e consequentemente da vida de qualidade as mulheres realizam periodicamente exames preventivos e eletivos quando se sentem incomodadas. É comum também recorrerem à medicina popular16, de conhecimento de algumas, para se cuidarem.

16

O termo medicina popular pode ser entendida como: aquela que é transmitida culturalmente e que se utilizam de plantas, ervas, chás, rezas para a melhora do paciente.Batista et al (2014).

[...] Isabel que chegou um pouco atrasada comentou que demorou em chegar porque estava no médico cuidando de um “esporão” (calcaneodinia) no pé direito e da coluna lombar que a estão incomodando muito, ela acha que pode ser devido ao longo período que carregou seu filho para fisioterapias (Isabel tem um filho que ficou paraplégico aos 15 anos, porém devido a sua persistência e determinação hoje já com 30 anos, seu filho embora com algumas limitações voltou a andar (DCII-8).

[...] Fátima trouxe para as demais uma receita de repelente caseiro e me perguntou se eu poderia tirar cópia para todas. As demais participantes ficaram curiosas sobre a receita que é basicamente formada por cravo da índia e álcool. Ficaram questionando como utilizar e se realmente era eficaz. Fátima disse que sim e que se utiliza passando o liquido no corpo, evitando picadas, pois o odor repele os mosquitos da dengue (DCII-1).

Raquel que por muitos anos morou em sítio e se tratava com as ervas plantadas no quintal, partilhou com as demais a receita de remédio caseiro, a fim de que todas possam se beneficiar dele.

[...] Elas entenderam e pediram para acrescentar uma receita de álcool, iodo, canfora e arnica que haviam comentado ser muito boa para tirar dor nas pernas. Raquel que sugeriu a receita disse que sempre que tem dores nas pernas usa essa mistura e que é muito boa para relaxar (DCIII-3).

Foram identificadas também situações que não contribuem para a vida de qualidade e que se evidenciam acentuadas no gênero feminino devido à jornada extra de trabalho atribuída às mulheres que é o cuidado da casa.

Assim iniciamos os alongamentos para pernas e braços como sempre e Mirian reclamou bastante para realizar os movimentos, ela disse que estava com bastante dor, pois havia feito uma faxina de derrubar a casa no dia anterior e que hoje estava bem dolorida (DCVI-3).

[...]Thelma reclamou dizendo estava com bastante dor no braço, atribuiu essa dor devido a uma limpeza mais pesada que fez em sua casa (DCIX-1).

Embora presente estes inibidores da vida de qualidade são superados com muita alegria como é corroborado com o comentário.

[...] mesmo com dor não falta aos encontros pois esse é um horário o qual reserva para ela, pois no convívio com as

colegas consegue se sentir bem, pode falar e ser ouvida e trocar ideias e informações (DCII-9).

A preocupação com a vida de qualidade é algo muito presente no grupo. As mulheres buscam sua fruição indo de encontro as propostas de Brandão (2005), onde “grupos humanos, se criam ao partilharem, a cada momento, o direito-dever da construção de suas próprias qualidades” (BRANDÃO, 2005, p.44).

Dentre essas qualidades destaco o afeto que demonstram umas para com as outras e que certamente contribui para melhoria da qualidade de vida.

Brandão (2005) levanta um questionamento se essa busca do acumular do ter, possuir acabaria nos trazendo uma qualidade de vida ou, através de uma convivência solidária, partilhada e coletiva vivenciada, pautada no carinho, afeto e amor não acabaria por nos proporcionar uma vida de qualidade, transformando a qualidade de vida em algo humanamente significativo, em qualidade da vida.

A busca pelo ter muito mais que o ser, descaracteriza o humano, e assim procedendo, nos afasta de princípios como a solidariedade, o amor a cooperação, fundamentais para uma convivência em comunidade.

Assim, esse grupo, quem em sua origem buscava uma qualidade de vida, pautada em padrões mercadológicos, através do encontro no grupo de mulheres do Jardim Panorama, construiu laços afetivos que as colocaram na busca da vida de qualidade e que lhes propiciaram uma maior conscientização e engajamento que se constituiu na categoria a seguir.