• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – O lazer da/na periferia como prática social

1.1 O lazer da/na periferia

A temática do lazer dentro das comunidades de periferia vem sendo foco de estudos em diversos artigos, sendo o professor Nelson Carvalho Marcellino uma valorosa fonte de pesquisa sobre a temática.

Abordaremos o tema lazer dentro da periferia por uma perspectiva Latino Americana, sendo a mesma considerada a periferia do mundo. Dentro de uma perspectiva eurocêntrica, todos os países fora da Europa, podem ser considerados periféricos.

Segundo Gomes e Elizalde (2012, p.12) “[...] o contexto nos países da América Latina está marcado por fenômenos como a desigualdade, a exclusão, a pobreza, a economia informal, a dependência, o deslocamento, a violência, o racismo etc.”. Todas essas nuances que tem se acentuado de forma velada nos últimos anos, pois embora hoje no Brasil oficialmente não tenhamos mais escravos, ainda é muito comum em alguns estados ouvirmos notícias de trabalhadores que vivem e trabalham em condições sub- humanas, é comum até dentro dos grandes centros acadêmicos do país casos de homofobia, xenofobia, violência às mulheres, discriminação racial. Para essas pessoas o lazer acaba por se descaracterizar. Para Gomes e Elizalde (2012):

[...] ainda que o lazer apareça reconhecido como direito social, a realidade é que, na lógica dominante da expansão cultural e de aberturas das economias e dos mercados em uma dimensão global, sua presença ocorre como uma forma de mercadoria, gerando estados de exclusão a pessoas e comunidades (p.13).

Autores como Gomes e Elizalde (2012) descrevem que os países latino- americanos, sofrem uma grande influência dos Estados Unidos, tanto financeira como cultural, que levam esses países a copiarem os modelos advindos daquele país de forma a tornarem-se dependentes tanto financeiramente como culturalmente. Dessa forma instituem-se padrões de comportamentos e beleza ditados pela indústria cinematográfica, dos cosméticos, em suma da produção de bens e serviços, focando o ser humano não em sua essência, mas também como uma mercadoria.

Infelizmente, muitas vezes, o lazer acaba sendo também ferramenta desse processo. Para Gomes e Elizalde (2012):

O lazer, como estratégia, atua nos territórios da periferia, influenciado pelos diferentes âmbitos que o configuram. Em consequência, o modo de desenvolvimento implementado até o dia de hoje nos países subdesenvolvidos – inscritos no sistema-mundo moderno/colonial – valoriza o lazer, em termos que pode representar em crescimento, ou quiçá, como aspecto marginal e compensatório, importante para a recuperação de energias e forças para voltar ao mundo sério do trabalho, mesmo que seja em qualquer condição. (p.14)

Porém, o lazer não pode e não deve ser encarado por uma visão simplista, e diversos autores como Melo (2003), Gonçalves Junior (2008), Gonçalves Junior; Lemos; Rodrigues (2010), abordam a temática do lazer em busca de superações.

Para Melo (2003), é intencional a manutenção do lazer relegado a um segundo plano, segundo o autor “a atual ordem social relega ao lazer (e a cultura) um papel periférico por entender quanto são perigosos para a manutenção dessa mesma estrutura” (p.16).

Ainda segundo Melo (2003), durante várias décadas a temática do lazer foi posta de lado, considerada como de menor relevância sendo mesmo “não reconhecida como direito social” (p.21). Isso acontecia por diversos fatores como “incompreensão teórica ao redor da temática e sua dissociação do âmbito da cultura e sua associação direta ao esporte” (p.22).

De modo que, por várias décadas o lazer esteve ligado às atividades físicas. Ao final dos anos 1990, inicia-se no país o que segundo Melo (2003) chamou-se de “indústria do lazer e entretenimento” (p.22) com um enfoque no turismo (viagens, excursões, ecoturismo, dentre outros). Nota-se que em todos esses enfoques o lazer está diretamente ligado ao capital, afinal em todas essas opções de lazer só há espaço para sua fruição aqueles que possuem uma situação econômica média para alta. E como ficam aquelas pessoas que vivem nas periferias, esses grupos não têm, por acaso direito ao lazer? Melo (2003) classifica esses grupos como “minorias sociais” e se vale dessa expressão por considerar “[...] mesmo com seus limites é a que melhor define tais grupos por terem menor acesso aos mecanismos de poder sofrem interferências em sua forma de viver”. (p.24).

O lazer se encontra como direito social dentro de todas as esferas legais, federação, estados e municípios, porém, de efetivo para que essas práticas sejam vivenciadas, há uma grande disparidade, principalmente nas periferias.

Segundo Gonçalves Junior (2008)

Para vislumbrar o lazer como direito social, é preciso assumi-lo no bojo das políticas públicas, como um elemento possuidor de identidade e valores próprios, não devendo ser confundido com deporto ou recreação e muito menos estar a serviço da saúde e/ou da educação e/ou da cultura etc., em uma posição de privilégio ou desprestígio, mas inter e intra relacionada com elas e com outros setores no meio social (p.57).

Para isso, Gonçalves Junior, Lemos e Rodrigues (2010) buscam na fenomenologia apontar a perspectiva do sujeito que vivencia o lazer e sua intencionalidade nessa prática.

O lazer, enquanto intencionalidade, pode ser vivenciado de forma a tornar-se ferramenta de transformação social e união das comunidades. Segundo Gomes e Elizalde (2012)

[...] o lazer pode estimular as pessoas a refletirem sobre suas realidades e vivências, ajudando-as a valorizar as diversas manifestações socioculturais lúdicas, e não apenas aquelas que podem ser compradas e vividas de forma passiva e alienada, como fuga da rotina ou como evasão. Dessa maneira, as pessoas poderiam desenvolver sua capacidade crítica e questionadora por meio do lazer (p.79).

Através de uma fruição dessa prática, voltada à busca do ser mais proposta por Freire (2005), o lazer assumirá toda a sua relevância social vindo ao encontro da proposta de Marcellino (1995) sobre o lazer e sua importância ao ser humano

[...] o lazer não pode mais ser encarado como atividade de sobremesa ou moda passageira. Merece tratamento sério sobre suas possibilidades e riscos. Nesse sentido proponho considerá-lo não como simples fator de amenização ou alegria para a vida, mas como questão de sobrevivência humana, ou melhor, de sobrevivência do humano no homem (p.17).

Essa sobrevivência proposta pelo autor e a retomada do humano no homem é tarefa árdua para que possa ser efetivada, afinal os interesses financeiros e mercadológicos bombardeiam diariamente as pessoas exatamente no sentido contrário, valorizando muito mais o ter do que o ser.