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A verdade para os pré-socráticos, sofistas e clássicos

CAPÍTULO 3 – A VERDADE E A MENTIRA

3.1 A VERDADE E A MENTIRA

3.1.1 A verdade para os pré-socráticos, sofistas e clássicos

Os pré-socráticos95 buscavam a verdade essencial da vida, a origem e manutenção de toda existência na arché. Para Tales de Mileto, a origem e o fim de todas as coisas estariam em um único elemento: a água. Ela seria a verdade eterna, princípio e fim de todas as coisas, pois poderia se apresentar das formas mais variáveis e estaria sempre presente na composição de tudo.

Para Heráclito, a natureza seria bivalente e os opostos estão sempre em conflito. O dia com a noite, o doce com o amargo, o belo com o feio etc. Há um movimento contínuo do “ser” e do “não ser”. A verdade em essência estaria na unidade e no próprio movimento. Parmênides, ao contrário, não vislumbrava esse movimento e via pouca lógica no raciocínio de Heráclito. Para Parmênides, “o que é” não pode ser um “não ser”. Na realidade, o que importa é o ser. Parmênides inaugura a ontologia como parte da metafísica, ao lado da cosmologia, da teologia e da psicologia. Essa ontologia foi mais tarde resgatada por Hegel, Heidegger, Husserl, dentre outros tantos. A verdade estaria além dos nossos sentidos. As impressões captadas por tais sentidos formam a nossa opinião, mas não a verdade que está mais além do que apreendemos. Pitágoras, por sua vez, lança mão da matemática para concluir que a vida, a existência e, portanto, a verdade podem ser resumidas em números. Por fim, Demócrito, fundador da escola atomista, concluía que a essência da vida é plural, composta por um sem número de elementos que formam o todo (identificável com a verdade) que conhecemos.

94 A verdade também revela suas aporias. Quando afirmamos, por exemplo, que não existem

verdades absolutas, estamos diante uma contradição intrínseca da própria afirmação. Ora, seria tal afirmação uma verdade absoluta? Caso positivo, seria ela própria a negação da afirmação. Caso negativo, o mesmo ocorreria.

95 Há duas interessantes colocações iniciais quando falamos da verdade para os pré-socráticos. A

primeira está relacionada ao próprio termo, que nos dá a falsa impressão que esses filósofos existiram antes de Sócrates. Na realidade, eles foram contemporâneos, mas a forma de indagar sobre os grandes temas da filosofia teria sido – em tese – superada pela visão socrática. A segunda lembrança diz relação com o tipo de verdade que é cuidada. Falamos aqui em uma verdade de essência, de origem de todo o universo cognoscível, o arché.

Os sofistas possuem um lugar de destaque no nosso tema principal, em especial por inaugurarem o que se denomina relativismo filosófico ou cultural, um dos fundamentos do que modernamente chamamos de pós-verdade.96 Para parte dos filósofos considerados sofistas, a verdade não possui um valor absoluto. Certos fatos podem ser interpretados de formas diversas – até mesmo antagônicas – e nem por isso uma das versões deve ser considerada falsa ou mentirosa. Os sofistas eram professores que ganhavam a vida ministrando aulas, repassando seus conhecimentos. Entretanto, Humberto Padovani e Luiz Castagnola destacam como os mais importantes os seguintes: Protágoras, Górgias, Hípias e Pródicos. (PADOVANI e CASTAGNOLA, 1956, p. 56).

Paul Woodruff lembra que Protágoras foi o primeiro grande sofista, o idealizador do “homem como a medida de todas as coisas”. (WOODRUFF, 2017, p. 367). Para o historiador e catedrático da Universidade do Texas, enquanto Protágoras relativizava a realidade e afirmava o conhecimento individual, Górgias negava a realidade e o próprio conhecimento. O relativismo inaugurado pelos sofistas, se levado ao extremo, como ocorre com Protágoras, nega a possibilidade de existir uma verdade absoluta. Concepções opostas podem se tornar igualmente razoáveis, a depender dos argumentos e da retórica. Ademais, “o homem é a medida de tudo, do que é de que

é, do que não é de que não é”. Assim, determinada versão pode ser verdadeira,

mesmo que seja antagônica a outra versão verdadeira.

A crítica de Platão é precisa. Para Protágoras, uma tese é sempre verdadeira para a pessoa que a defende. Assim, se versões conflitantes podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e não excludentes, cria-se um problema de lógica. Deve-se a Platão, prossegue Woodruff, grande parte da animosidade que os sofistas herdaram. Sempre dirigindo palavras ácidas à categoria, Platão afirmava que os sofistas

(...) substituem a realidade pela aparência e a verdade pela persuasão; usam falácias deliberadamente para desencaminhar uma audiência perplexa; alegam ser capazes de vencer qualquer um pelo poder da retórica, mesmo em assuntos em que eles, os sofistas, sejam completamente ignorantes. (PLATÃO, 1975, p. 122)

Para alguns filósofos e historiadores que se dedicam ao tema da verdade, a teoria da correspondência teria origem no pensamento de Aristóteles. Entretanto, nos

96 Registre-se que o termo pós-verdade é atual surgindo em momento posterior ao modernismo,

Diálogos de Platão, em que se retrata diálogo entre Sócrates e Hermógenes, já se

vislumbra essa adequação quando Sócrates afirma: Sendo assim, a proposição que

se refere às coisas como elas são, é verdadeira, vindo a ser falsa quando indica o que elas não são. (PLATÃO, 1975, p. 122) A teoria da correspondência ou adequação

possui um enfoque mais aprimorado, que distingue o gerador da verdade (o fato ou acontecimento) e o portador da verdade (aquele que a expressa). Por outro lado, ela pode ser dividida em teoria da correspondência por congruência e por correlação.97 No primeiro teorema de Aristóteles, a verdade estaria no pensamento, na realidade que se forma na mente quando observamos um objeto ou acontecimento; ou na linguagem, quando formulamos um conceito de determinado objeto e afirmamos um determinado acontecimento. No segundo, a medida da verdade estaria no próprio objeto. Assim, considerando a proposição “o carro é preto”, na primeira perspectiva a verdade estaria em nossa mente ao imaginarmos um carro preto; na segunda, somente seria verdade se o carro realmente fosse preto, e não em razão da afirmação que declara tal qualidade. Daí pode ser concluído que há uma bivalência na verdade: a verdade do que é e a verdade do que se afirma que é. A segunda deve retratar adequadamente a primeira.98

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