• Nenhum resultado encontrado

CONSTRÓI O CAMINHO

3.3 A VEZ E A VOZ DOS JOVENS PARTICIPANTES

99 A percepção que tivemos do contexto em que nos inserimos nos fez, portanto, entrever a relevância do estudo e da ação proposta pelos participantes da pesquisa, até mesmo pela própria contribuição oferecida por estes, posto que vivem em contato direto com esta realidade.

Neste aspecto ressaltamos que o método de estudo do bullying que aplicamos à pesquisa é fruto de um consenso entre o autor da pesquisa e os participantes. O objetivo deste estudo foi proposto pelo grupo de jovens, conforme já esclarecemos, visando no decurso do trabalho a montagem de uma apresentação teatral. O aprofundamento teórico do tema gerador depende, portanto da opção que fizerem neste sentido, os jovens que estão participando da pesquisa. A maturidade intelectual, o interesse e a necessidade em função da ação que se propuseram realizar, no âmbito do fazer teatral, acabaram por determinar, de certa forma, os limites do aprofundamento do estudo.

As formas de superação do problema bullying concebidas no contexto da realidade juvenil, pelos próprios jovens que participam da pesquisa são para eles mais relevantes e produtivas do que uma extensa e complexa revisão de literatura sobre o assunto.

Nossa postura, neste aspecto, foi de abertura para permitir a participação legítima do grupo. Não tivemos a intenção de formar especialistas em bullying, nem de contrapor, do ponto de vista científico, a última palavra. O estado da arte sobre o bullying não é alvo do grupo envolvido na pesquisa, nem o nosso. O que mobilizou os jovens foi a necessidade de conhecer melhor a problemática do bullying para compreender esta forma de violência e poder, de alguma maneira, intervir oferecendo contribuições para a sua superação. Entendemos, neste aspecto, que os jovens, a seu turno, nos mobilizaram também no mesmo sentido.

Nossa revisão de literatura sobre o bullying, no entanto, pelo nosso comprometimento ético e científico de formalização do estudo seguiu um curso paralelo ao do grupo envolvido na pesquisa. Assim o fizemos porque entendemos que, precisávamos ter em mente, através do acesso à literatura sobre o assunto, fontes referenciais que nos auxiliassem na leitura do contexto da pesquisa, na produção do conhecimento gerado pelo trabalho do grupo, e no próprio desenvolvimento das ações que propostas.

Ressaltamos que, se o diagnóstico da realidade ocorre, a reflexão sobre ela foi também realizada, ressaltando-se que nosso olhar reflexivo e crítico sobre esta realidade, precisa partir dos saberes do grupo e dos fundamentos teóricos, dos

100 FIGURA 8 – Sara

conhecimentos que estão permeados nesse encontro entre pesquisador e participantes também investigadores/atores do trabalho de pesquisa. Compreendemos neste movimento de ação-reflexão-ação, a marca cíclica da Pesquisa-ação e a própria contribuição da Educação Popular, que não é tão somente o concurso de uma educação não-formal, mas, uma outra maneira de compreender o processo educativo, mediante uma prática que permite vez e voz ao educando.

Nesta perspectiva, proposta pela pesquisa, entendemos que se abre o espaço dialógico necessário, em que este educando propõe e contrapõe, tendo oportunidade de planejar uma ação e efetivá-la, refletir sobre ela e reiniciar o processo.

Pedro Demo, sobre esta questão referente à necessidade do diálogo, faz luz sobre sua relevância, observando que:

Diálogo é fala contrária entre atores que se encontram e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade dialogar, porque tem com que contribuir. Somente quem é criativo tem o que propor e contrapor. Um ser social emancipado nunca entra no diálogo para somente escutar e seguir, mas para demarcar espaço próprio, a partir do qual compreende o outro e com ele se compõe ou se defronta. (DEMO, 1997, p. 37).

O patamar de emancipação e a exigência de criatividade que Demo coloca como condição necessária à produção do diálogo pode não ser aquela em que o grupo se encontrava no início do trabalho, mas, por meio do exercício do diálogo entendemos que é possível lutar por esta emancipação.

Em um dos momentos de estudo sobre o bullying o grupo abordou uma questão relativa a como se poderia interromper o ciclo da violência, ou seja, alguém nos agride, e nós revidamos ou fazemos o mesmo com outra pessoa. O eixo de sustentação e os argumentos desta conversa deram origem a uma produção de texto da jovem participante da

pesquisa Sara:

Esse povo que pratica o bullying é um problema mesmo viu ?! Esse povinho tem a essência do mal dentro de si, tem o chorume da sociedade correndo nas veias, tem o diabo incrustado no couro. É um

101

povo que tem uma inclinação pro perverso, um trem ruim dentro de si, um sangue no olho, um encosto de esquerda, um parafuso torto lá no fundo. É aquela gente meio podre, a sujeira do chão limpo, o portador do bichinho da goiaba. É triste viu ... muito triste essa gente que acha que pode apontar o dedo pros outros sem apontar pra si mesmo ... E falando em apontar o dedo, essa de apontar não é legal, porque eu tenho defeitos, você também, porque que ao invés de vc apontar os meus, não conserta os teus primeiro? Mas ai vem aquela coisa da ignorância, porque essa gente que pratica o tal do bullying carrega a ignorância embaixo do braço e à tira colo. A gente sempre acha que tudo na vida é a tal da ação reação, mas ai eu te pergunto: Se a pessoa não tá sabendo nem conviver em sociedade, porque que você tá achando que ela vai saber física? Essa história de ação e reação com as pessoas socialmente cegas não vai rolar. Elas te dão a ação de apontar os teus defeitos, e você em troca dá a reação de apontar os dela, e ai ela acha que tem o direito de reagir a sua reação e blá blá blá... virou briga. O bom mesmo é deixá-las apontando o dedo pro vento, virar as costas, jogar o cabelo e ser mais você, e ser só você, e SER VOCÊ, porque é isso que importa. Um dia essa pessoa acha um espelho, aponta e se descobre, mas deixa que isso ai a vida resolve ... porque essa daí, essa tal de vida, é boa de dar lição em quem não quer aprender. Vai por mim!