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5 1 EDUCAÇÃO CONSCIENTIZADORA

5.2 VISÃO CRÍTICA E PARTICIPAÇÃO

No Informe Final do II Encontro Nacional de Educação Popular, em Santiago, Chile, 1982, (in: TORRES, 1988, p. 27), encontramos o seguinte conceito: “dá-se uma experiência de educação popular quando um grupo se propõe conscientemente a assumir um processo educativo e essa intencionalidade se explicita e se compartilha”.

Sobre esta questão Rosa Maria Torres (1988) esclarece que há diversos discursos sobre Educação Popular, e múltiplas práticas diferentes, por vezes até divergentes. Entretanto, por identificar-se a Educação Popular com um modelo alternativo de fazer educação, esta autora considera que faz-se necessário que se parta de um triplo reconhecimento: a) os setores populares tem reivindicações educativas legítimas; b) é preciso compreender e dar resposta a tais reivindicações; c) a educação tem um papel específico na libertação deles. (TORRES, 1988, p.30).

Neste sentido, Torres (1988) pondera que não se trata de questionar a escola e o conhecimento ministrado por ela, mas, de construir alternativas diferentes da educação que correspondam aos objetivos propostos pelos setores populares.

147 Tais referências lançam luzes importantes sobre o processo educativo que se desenvolveu no contexto de nossa pesquisa. Ressaltamos que nosso objetivo foi o fazer teatral na Escola, em diálogo com a Educação Popular e mediado pela Pesquisa-ação e os nossos objetivos específicos foram: promover a formação dos pesquisadores participantes; avaliar processos e resultados, constituindo uma abertura para a realização de novos estudos e intervenções. Nesta definição inicial, havia uma possibilidade de flexibilização porque tanto a Pesquisa-Ação como os princípios que fundam a Educação Popular apontavam para a necessidade de favorecer, de criar para que os jovens participantes da pesquisa traçassem seus próprios objetivos e planejassem como atingi-los. Torres (1988) menciona os setores populares que aqui entendemos como os participantes da PA e suas reivindicações e ressalta que compreender e encontrar respostas a essas reivindicações que emergem, por outro lado, demanda o estabelecimento de um diálogo autêntico. Sobretudo, a autora observa que os resultados precisam guardar relação com a expectativa do grupo e favorecer a socialização de experiências.

Entretanto, todos estes aspectos elencados por Torres (1988) estão vinculados a um em especial, que é constitutivo da Educação Popular, o seu caráter crítico de “julgamento da realidade” (grifos da autora). Neste sentido, Torres nos oferece uma referência importante para reflexão: o cuidado que se deve tomar com a dimensão crítica que pode estar mais próxima da denúncia do que de um propósito de explicitação daquilo que se questiona. Outrossim, a autora esclarece que:

A noção de “consciência crítica” veio estendendo-se como uma noção e um exercício aplicáveis a nível de grandes categorias e totalidades sociais – o julgamento “da realidade”, “o sistema social”, etc. – , e não como uma atitude aplicável a todas e a cada uma das práticas e relações da vida cotidiana e, sobretudo, das próprias. (TORRES, 1988, p. 38).

Ainda neste contexto de reflexões sobre a Educação Popular, Torres (1988) assinala que precisamos encarar responsavelmente a crítica e a autocrítica, considerando-as ferramentas indispensáveis de nossa tarefa de educadores populares, assumindo-nos desta forma, como sujeitos e objetos desse processo de reflexão.

Paulo Freire, a seu turno, afirma que “a ajuda verdadeira é aquela em que os que nela se envolvem se engajam mutuamente, crescendo juntos no esforço comum de conhecer a realidade que buscam transformar”. (FREIRE, 1977, p. 16). Reiteramos que o crescimento pessoal a que se refere o autor, carece da postura crítica e autocrítica mencionada por Torres (1988).

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A educação e a formação devem permitir uma leitura crítica do mundo. O mundo que nos rodeia é um mundo inacabado e isso implica a denúncia da realidade opressiva, da realidade injusta (inacabada) e, consequentemente, de crítica transformadora, portanto, de anúncio de outra realidade. O anúncio é necessário como um momento de uma nova realidade a ser criada. Essa nova realidade do amanhã é a utopia do educador de hoje. (GADOTTI, 2008, p. 352).

A concepção de educação apresentada por Gadotti solicita do educador um posicionamento político-pedagógico necessário se quisermos lidar com a realidade do aluno e do mundo em que este vive, tal como este autor propõe, pautando nosso trabalho no pensamento de Paulo Freire.

Em sua obra “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido”, Freire (2006, p. 59), por sua vez, lança um alerta ao (a) educador (a), comentando que é preciso que este tenha consciência de que o seu “aqui-agora” é um “lá” para o educando. A aproximação das realidades, dos interesses, por mais que o (a) educador (a) objetive tornar o seu saber acessível ao educando, é mais significativa, pode levar o educando à ultrapassar o seu próprio “aqui” porque simplesmente este parte de seu próprio ponto referencial e fato que está sendo respeitado pelo (a) educador (a). Segundo Freire, isto significa que “não é possível ao (a) educador (a) desconhecer, subestimar ou negar os ‘saberes de experiência feitos’ com que os educandos chegam à escola”. (FREIRE, 2006, p. 59).

A menção feita por Freire ao que compreendemos, grosso modo como bagagem cultural do educando, abre um espaço para introduzirmos aqui, o depoimento escrito da aluna Lúcia. Nossa solicitação foi que esta jovem participante da pesquisa nos relatasse o que havia aprendido, o que tomara como conhecimento vivo, realmente aplicado à própria vida, extraído da nossa Oficina de Teatro. Ela nos apresentou um manuscrito que digitamos na íntegra, nos seguintes termos:

Aprendi até hoje a maneira certa de respirar34, o que me fez ficar mais relaxada no meu dia-a-dia, também tive coragem de elevar minha voz

34 A jovem participante em seu texto, faz referência ao treinamento de respiração diafragmática que

realizamos em sala de trabalho, o que segundo seu depoimento oral para nós, a deixou bastante tranqüila, melhorando também a qualidade do seu sono. As observações relativas ao andar e ao modo de pentear o cabelo têm a ver com atividades realizadas durante a oficina em que observamos e analisamos nossa maneira de andar, a nossa postura e a forma como compomos nossa apresentação pessoal. Estava em discussão a neutralidade do ator e sua disponibilidade para o trabalho. É praxe, neste sentido, nas oficinas de Teatro, o uso dos cabelos presos e de roupas confortáveis, os pés descalços, e de preferência, são também evitadas roupas com estampas ou textos que interfiram na concentração mental, no contexto geral do espaço de treinamento, que é normalmente vazio, sem mobiliário. Esse despojamento e essa ausência de artefatos favorecem o contato consigo mesmo e com o outro, e estimulam a criatividade, o fluxo do imaginário nas relações, nas improvisações.

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em um lugar onde não seja meu quarto apenas. Também percebi que até a maneira que uma pessoa tem de andar pode descrever muito aquela pessoa, assim como o cabelo das pessoas podem dizer como elas se sentem sobre si mesmas. Além de ter admitido que sim eu canto muito no meu quarto e até danço às vezes, mesmo que meu irmão zombe de mim por isso... Eu só precisarei de um espaço maior para dançar he he... Eu também comecei a admitir que gosto de músicas japonesas, compartilho músicas J-Pop e J-Rock todos os dias no meu Facebook. (Lúcia, 14 anos).

Ressaltamos também que ela nos contou que desenha mangá e integra a comunidade virtual apreciadora deste tipo de revista em quadrinhos japonesa na Internet. Lúcia canta em japonês e estuda sozinha esta língua. Em virtude do interesse pelo mangá, fez amizade com uma menina chinesa que mora no Canadá com a qual conversa em Inglês. Também relatou que aprendeu a nadar e já tirou primeiro lugar em competição de natação. Temia, neste período, apenas seu irmão que tentava afogá-la segundo ele de brincadeira, mas, para ela de forma bastante violenta e real. Lúcia tem uma postura singular, os ombros caídos para frente e o abdome bastante contraído, respiração curta, peitoral, usa os cabelos sobre o rosto de tal forma que nem sempre conseguimos ver os seus olhos, e fala tão baixo que é preciso estar sempre muito próxima para poder ouvi-la. A qualidade de voz de Lúcia, entretanto, melhorou muito rapidamente, em volume, e a sua postura teve uma leve alteração, tornando-se mais ereta. O fato de apreciar música japonesa, por outro lado, a levou a cantar em tons muito agudos, ela postou em nossa página do Facebook, alguns vídeos de desenhos animados cantados por pequenos personagens com vozes em falsete, infantilizadas, cuja tessitura é inadequada para Lúcia representando um esforço para suas pregas vocais que pode causar problemas, orientamos, então, nesse sentido, que ela evitasse esse tipo de exercício.

Observamos no contexto da jovem Lúcia uma série de elementos que se repetiram no contexto de outros participantes da pesquisa. A questão da respiração diafragmática foi uma recorrência que englobou todo o grupo. Todos respiravam de forma inversa, contraindo o diafragma no momento da inspiração, a chamada “respiração de peito”, que pode traduzir ansiedade e angústia. Alguns tiveram grande dificuldade para inverter e a maioria após algum tempo de exercício relaxava profundamente, de tal forma que demos um exercício de relaxamento e um tempo maior para que aproveitassem mais o estado de sonolência que atingiram que lhes deu grande conforto.

150 Todas estas vivências não são inseridas no contexto cotidiano das atividades escolares. Chamou-nos a atenção o fato de que várias jovens participantes da pesquisa tinham grande dificuldade como Lúcia, de se expressar em público, não somente pela questão de projetar a voz com volume adequado, mas também pelo fato de não conseguirem manifestar a própria opinião, por vergonha ou talvez por falta de oportunidade frequente de fazer isto. Observamos, então, que era relevante para os alunos participante esta passagem em que tentavam e se reconheciam capazes de afirmar a sua presença, explicitando a sua vontade ou o seu parecer sobre algo entre pares. Esta é uma prática da Educação Popular, dar vez e voz aos indivíduos desenvolvendo um processo educativo que visa promover a sua emancipação.

Também consideramos interessante o fato de que começaram a emergir habilidades não aproveitadas no cotidiano escolar que os participantes vivenciam, como o talento de Lúcia para o desenho. O seu gosto musical e as relações que desenvolve por meio das redes sociais, de amizade, as oportunidades de aprendizagem também não tem visibilidade na escola. Lúcia e Davi nos relataram que no início do ano quando as aulas começaram, um grupo de alunos em que se incluíam, se reunia para ouvir um tipo de música especial na hora do recreio. Depois se afastaram e agora reaproximaram.

Neste aspecto, a forma de trabalho despojada e sensível, humana, do treinamento de ator, tende a favorecer o entendimento, a aproximação entre os participantes que criam uma confiança mútua que significa muito para eles. Sentem-se aceitos como são e ao mesmo tempo desafiados a se superarem, gradativamente, com paciência e perseverança, estimulados pelo apoio e esforço dos companheiros também no mesmo sentido. Uma cumplicidade silenciosa que reforça a segurança sentida no ambiente, no espírito do trabalho.

Outro aspecto que consideramos necessário mencionar é a diferença de idade entre os participantes da Oficina de Teatro e da Pesquisa-Ação, cuja faixa etária se situa entre 14 e 17 anos. Citamos como exemplo, o relacionamento entre o jovem Mateus está no 2º Ano do Ensino Médio e Davi no 9º ano do Ensino Fundamental, os dois trabalharam prazerosamente juntos. Mateus é muito disciplinado, excelente aluno, e também simpático, comunicativo, de certa forma uma referência para Davi refletir sobre suas próprias escolhas, posto que está amadurecendo, construindo a própria personalidade, definindo o próprio caráter numa etapa diferenciada da que Mateus já experimenta. A convivência de jovens entre idades diferentes é uma possibilidade que nem sempre ocorre na escola porque as turmas são formadas por alunos em uma faixa

151 etária similar e as atividades que permitam que educandos de turmas de séries distintas convivam não são uma constante no ambiente escolar, excetuando-se o breve horário do recreio.

Estas são algumas situações singulares que mencionamos, fruto da metodologia de ensino do Teatro que aplicamos na oficina ministrada, mas, que tem a ver, também, em nosso entender, com a natureza do processo educativo que distingue a Educação Popular com sua oferta de alternativas que nem sempre se encontram disponíveis no âmbito da educação formal.

Dentre os ganhos que nos parecem mais significativos nesta afinação da metodologia do ensino do Teatro com os dos procedimentos oriundos da Educação Popular destacamos, além da formação da visão crítica, que já mencionamos, o convite- estímulo à participação consciente, ativa.

Neste sentido, Torres nos apresenta outra contribuição interessante do Informe Final do II Encontro Nacional de Educação Popular, que faz referência à questão da participação ativa:

Uma característica fundamental é o caráter grupal e participativo que assume o processo educativo. A educação popular pretende romper com a concepção tradicional de educação e suas implicâncias autoritárias. Neste sentido, a forma grupal de aprendizagem baseada na participação ativa de todos os membros é básica quando se pretende levar a cabo uma experiência de educação popular.(in: TORRES, 1988, p. 27)

Tais considerações de Torres (1998) sobre participação convergem para um ponto importante ressaltado pela autora: para haver participação é preciso criar condições propícias para que esta ocorra, mediante respeito à realidade, à individualidade dos próprios participantes e a coesão possível entre estes. Para efetivar- se este processo é preciso garantir a possibilidade de manifestarem-se, expondo opiniões próprias, de forma que estas sejam discutidas junto com as opiniões alheias, e intervenham todos, desta maneira no processo decisório, articulado pelo grupo.

Buscou-se nesse sentido garantir a legitimidade do processo participativo do grupo envolvido na Oficina de Teatro porque compreendemos também que tem um peso determinante no sentido de se constituir o trabalho em algo significativo para eles, a possibilidade de tornar-se ele, tradutor de seus próprios anseios e espelho de suas realidades. O fazer teatral perde o sentido para o grupo, se é proposto ou imposto por um agente que decide e ordena. O nível de comprometimento de cada indivíduo tem a ver com a mesma medida de possibilidade que oferece em termos de manifestação

152 pessoal, de livre criação. Em nosso entender, fruto de nossas observações na prática, quando o indivíduo realiza o que quer e gosta, nisto se realiza também.

Torres (1988) sobre o processo participativo a que nos referimos, enfeixa uma série de questões que nos auxiliam a compreender as sutilezas, as dificuldades imbricadas na participação de um grupo de Educação Popular. Dentre estas questões ressaltamos as que fazem referência aos limites e às possibilidades da participação. A autora nos apresenta uma síntese destes dois aspectos afirmando que uma grande dificuldade é obter uma participação abrangente, permanente e real em todos e cada um dos momentos e âmbitos atividade educativa. O que deve ser evitado, segundo Torres (1998, p.47) é a “falácia da dicotomia autoritarismo/ participação e manipulação/participação”.

Em relação às possibilidades de se construir uma prática coerente e realizadora de Educação Popular, Torres (1988) cita a obra “Educación no-formal de adultos em América Latina” de A. Castilho e P. Latapí (1983), apresentando a tradução do seguinte excerto destes autores:

A educação popular se apoia no processo de participação. Um lugar comum em seus programas é a ênfase na participação [...]. Qual é, pois, a especificidade da participação na educação popular? Podem- se assinalar três dimensões: a participação como uma condição de êxito do processo educativo [...]; a participação como uma atitude e ação permanentes nas decisões que provêm de fora do grupo e que afetam os interesses do setor popular [...]; a participação como uma ação orientada para garantir a autenticidade do processo. (CASTILHO & LATAPÍ, 1983, p. 15 apud TORRES, 1988, p. 41).

Ao discutirmos a questão da participação nos processos educativos desenvolvidos pela Educação Popular, emergem duas vertentes importantes: a construção do conhecimento e a mobilização. No entanto, esta autora faz uma ressalva em relação às prerrogativas que tem caracterizado os enfoques da Educação Popular afirmando que:

[...] “partir da realidade” é um clichê se por ele entendemos “partir do

que sabemos (ou acreditamos saber) sobre a realidade-, transformar a realidade” é apenas uma tomada de posição se não se assentar em

um efetivo conhecimento daquilo que se pretende transformar, Isto requer não somente boa vontade e compromisso político, mas formação e conhecimento sólidos sobre os processos objetivos e subjetivos que fazem parte dessa “realidade” que, estando ela mesma em permanente mudança, exige também um permanente esforço de investigação. (TORRES, 1988, p.61, grifos da autora).

153 Estas observações de Torres (1988) nos fazem perceber a relevância da investigação na Educação Popular, efetivada mediante a Pesquisa-Ação, uma dinâmica que privilegia, segundo a expressão da autora não a investigação “pura”, tarefa teórica de elites, que exige altos níveis de formação, procedimentos sofisticados, mas, o enfoque na dimensão ação “pura” numa inversão da ênfase. Ou seja, tomar-se consciência da necessidade da “ação-investigação”. (grifos da autora).

A análise deste enfoque proposto por Torres (1988) em relação ao trabalho de pesquisa que desenvolvemos sedimenta a nossa opção pela Pesquisa-Ação e também nos remete a uma reflexão sobre a Educação Popular e a educação formal elaborada por Carlos Rodrigues Brandão:

Um projeto de educação popular deve ser – ou deve tender a ser – o projeto global de educação da sociedade. Isso envolve duas dimensões: a) que esta reocupe toda a estrutura e níveis da educação escolar, redefinindo-a caro parte de um projeto histórico de transformações sociais, desde o ponto de vista das classes populares; b) que esta se realize em todas as dimensões do trabalho pedagógico, dentro e fora das salas de aula, dentro e fora de um espaço escolar, dentro e fora da “rede oficial de ensino”. (BRANDÃO, p. 77, grifos do autor).

As considerações de Torres (1988) e de Brandão (2008), no contexto de nossa pesquisa, nos propiciam uma percepção do nosso próprio enfoque, trazendo à luz, o horizonte utópico de nosso trabalho. Absorve este horizonte, as contribuições da Educação Popular, mas, por outro lado dialoga com a educação formal por meio da instauração de um espaço próprio para tanto: a Oficina de Teatro realizada na escola em um horário extraturno. Configura-se neste tempo/espaço para o desenvolvimento de atividades específicas do fazer teatral uma possibilidade de investigação, construção de conhecimento e de planejamento de ações. Consideramos implícita nesta sequência, a necessária reflexão que avalia, problematiza, abre perspectivas para novas ações, ajustes de procedimentos e assim por diante, ciclicamente.

Ao citarmos Educação Popular e educação formal, entendemos que o dialogo entre ambas se faz necessário porque, conforme, alerta Torres (1988), a pedagogia e as teorias críticas da educação, objeto de progressos e polêmicas ao longo dos anos, deveriam ser incorporados como marco de reflexão e análise no âmbito da Educação Popular. Acrescentaríamos aqui, e vice-versa, porque nos parecem experiências diferenciadas que articulam e reconstroem seus próprios fundamentos, constituindo referências enriquecedoras, posto que alguns problemas da educação formal poderiam encontrar solução nas alternativas propostas pela Educação Popular.

154 Torres (1988), neste sentido, apresenta um exemplo, mencionando a impressão causada pela Educação Popular ao contentar-se em questionar o caráter bancário da educação formal, sem preocupar-se realmente em analisá-la com maior profundidade, atualizando-se em seus avanços.

A expressão “caráter bancário da educação” nos remete a Paulo Freire, em sua denúncia de um mundo no qual se ampliam e sofisticam as formas de opressão, dentre as quais se destaca, a nosso ver, a educação formal meramente profissionalizante, técnica, que configura, de certa maneira, uma realidade social opressora. Entende-se que o depósito de informações na mente do aluno subtrai possibilidade de realização de uma formação crítica e autocrítica que poderia favorecer o ingresso no mercado de trabalho de indivíduos aptos a se confrontarem com ele, e não a se submeterem aos ditames individualistas, competitivos do sistema capitalista, dando continuidade ao processo opressivo que Milton Santos (2000) nomeia perversidade sistêmica. Argumenta este autor que:

Na verdade, a perversidade deixa de se manifestar por fatos isolados, atribuídos a distorções da personalidade, para se estabelecer como sistema. Ao nosso ver, a causa essencial da perversidade sistêmica é a instituição, por lei geral de vida social, da competitividade como regra