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DARCY RIBEIRO

3.2. A Vida Movida Pela Paixão do Saber

O ano de 1922 é marcante para a história cultural e política do Brasil, visto ser as duas primeiras décadas do "breve século XX", como denominou Eric Hobsbawm (2000), historiador inglês, que fala em sua obra desse tempo de múltiplas transformações para o mundo.

A segunda década do século XX inaugura um tempo de importantes movimentos políticos e sociais, com o surgimento de novas ideias, muitas delas vindas do velho continente, a Europa, que já avançava em muito pontos nos quais o Brasil, apenas dava seus primeiros passos. Conforme analisa Holanda (1952), o país começa a despertar para a realidade marcada pelas fortes desigualdades que desde o fim da escravidão imperava e que a República Velha não vai conseguir camuflar. O alto índice de analfabetismo, o conservadorismo das elites agrárias em decadência e os anseios por mudanças caracterizam o cenário no qual Darcy Ribeiro nasce.

No dia 26 de outubro de 1922, na pequena cidade de Montes Claros, em Minas Gerais nasce o menino Marcos Darcy Silveira Ribeiro, filho de Dona Josefina Augusta da Silva Ribeiro, conhecida como Dona Fininha Silveira, que criou os seus dois filhos, Darcy e Mário, com o salário de professora da escola pública, com talento de alfabetizadora, reconhecido por toda a comunidade e de Reginaldo Ribeiro dos Santos.

O ano de 1922 teve como um de seus marcos a Semana da Arte Moderna, até hoje considerada como um dos momentos de rutura mais proeminentes da história do país, na medida em que os autores que foram os pioneiros de um novo olhar sobre as artes faziam uma crítica contundente ao servilismo lusitano de expressão, ao defender as falas regionais e as manifestações da rica cultura brasileira29.

A Semana de Arte Moderna, não sendo bem aceita pela elite conservadora, foi alvo de vaias e polémica em torno de uma arte, que desafiava as conceções anacrónicas e fundadas em visões fechadas acerca da literatura, das artes plásticas, da música e das manifestações artísticas em geral.

As transformações políticas também foram marcantes nesse ano de turbulências, como demonstra o episódio que ficou conhecido como "Os dezoito do forte de Copacabana" (Santos, 1993). Foi ainda marcante em 1922, a fundação do Partido Comunista, do qual mais tarde Darcy será membro

importante e defensor de seus ideais, juntamente com outros intelectuais. Há que se destacar que, passados dois anos, um grupo de jovens educadores cria a Associação Brasileira de Educação (ABE), que iria provocar mudanças na educação de todas as regiões brasileiras.

Em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros”, documento escrito por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores brasileiros, defendia uma escola renovada, laica, gratuita e rejeitava a presença forte das escolas católicas, muitas delas particulares e que recebiam os filhos das classes abastadas. Os educadores pioneiros, como foram chamados, receberam forte influência da "Escola Nova", movimento educacional em defesa da não diretividade do professor, investia em métodos livres e fundados na Psicologia, além de promover uma revolução no modelo tradicional de ensino que se buscava no positivismo (Bomeny, 2001b).

Nesse cenário tem início o debate acirrado, que mais tarde influenciaria até mesmo as legislações educacionais, entre o grupo dos “educadores renovados” e os “educadores católicos”. O principal ponto da pauta dessa discussão dizia respeito ao tipo de sistema que o Estado deveria desempenhar na condução da educação privada, em abrir mão de seus privilégios (Bomeny, 2001b, p. 52).

Há que destacar, neste ponto, que o movimento da educação católica tinha forte influência política, facto demonstrado na Constituição de 1934, que consolidava a presença desse modelo de ensino na Educação Pública, ao considerar não ser facultativo constituir-se em matéria nos currículos. Apesar das lutas de poder, a educação do país foi fortemente influenciada pela “Escola Nova” com os pioneiros a terem um papel importante a partir dos anos 30, com suas ideias a influenciarem, pouco a pouco, os educadores daquele tempo.

Darcy Ribeiro, que ainda era criança à época do “Manifesto dos Pioneiros”, será, contudo, fortemente influenciado pelas ideias daqueles educadores que se propuserem transformar a educação em 1934. Quando entra para o Ginásio Diocesano, Darcy já se destaca ao participar na “Maratona Intelectual”, promovida pelo Ministério da Educação, e na qual tira o segundo lugar. O primeiro lugar é dado a Maria Yedda Linhares, que se tornaria grande amiga de

Darcy Ribeiro, ao ponto de colaborar na organização académica das universidades que ele criou (Lôbo, Vogas e Torres, 2008).

No ano de 1939, Darcy Ribeiro vai para Belo Horizonte estudar medicina, mas logo nos primeiros anos sente que não é a profissão que deseja exercer, apesar do desejo de sua família.

Estimulado por sua mãe para estudar medicina, Darcy se prepara para ir para Belo Horizonte estudar e carrega na mala os dias vividos em Montes Claros, sua terra cheia de ícones, personagens, lembranças, que o acompanharão pela vida, sempre movido pela paixão de viver, conhecer, experimentar, fazer descobertas. É ele quem diz em suas Confissões: “Há o amor que sempre me tirou das ideias e dos ofícios, como minha devoção maior. Não vivi para o amor, mas o amor encheu a minha vida” (Ribeiro, 1997, p. 54). Assim era Darcy Ribeiro, um apaixonado pela vida e pelas pessoas e em seus percursos e trilhas colocou a paixão ao serviço do conhecimento.

Outra forte influência na formação como educador que Darcy Ribeiro recebeu,

foi o de sua Mãe, Mestra Fininha, como reporta Lia Faria30:

“Eu tenho uma hipótese, eu acho que a grande figura que forma Darcy Ribeiro educador, chama-se mestra Fininha, porque ela alfabetizou uma geração e o Darcy contava isso para a gente, que ele muitas vezes pegou na mão dos meninos para ensinar os meninos a escrever e tudo isso ele aprendeu com a mãe dele, na casa dele, na mesa da casa dele, então ele que diz que não domesticou e nem foi domesticado, porque não teve pai, porque ficou órfão criança e também não teve filhos, na verdade talvez ele tenha transferido essa ausência da figura paterna e essa ausência dos filhos, para essa relação que inconscientemente, ele nem tenha percebido, que ele foi desenvolvendo ao longo da vida dele toda, dentro de casa com a mãe, que era uma professora, sempre professora, mestra Fininha, uma grande alfabetizadora.”

Darcy Ribeiro se autodefine em Confissões, quando diz:

"Sei bem que não nasci em branco. Sei também que não nasci com destino certo, prescrito. Nasci livre. Quero dizer, meio livre

porque trazia geneticamente inscrito todo um capital detalhadíssimo, como a forma de meu nariz, de minha boca, a textura de meu cabelo e gestos ancestrais. Biologicamente predeterminado. Duas redes de genes, a dos Silveira e a dos Ribeiro, me descreviam em borrões imprecisos, mas reconhecíveis na fisionomia, nos gosto e pendores. (...) Compus a máscara que carrego comigo, persona da pessoa que quero ser e a que quero que os outros creiam que eu seja" (Ribeiro, 1997, p. 51).

Quando dizia que "nasceu em ebulição", Darcy Ribeiro fala de si, como alguém impetuoso, revelado na fala apressada e articulada com o pensamento na rapidez de seus argumentos embasados, na cabeleira vasta e rebelde, nos gestos de passar a mãos nos cabelos a cada segundo demonstrando energia, na sua ironia diante de problemas graves, no seu discurso tenaz contra os poderosos e na sua indignação com as injustiças sociais e a pobreza à exploração das minorias carentes de educação, trabalho e dignidade (Bomeny, 2001b).

O mineiro e tipicamente brasileiro, Darcy Ribeiro, nasce num tempo marcado por contradições e transformações radicais, que conduziram o futuro que estava por vir. Os anos 1920-1940, no qual o debate político e científico, assim como artístico, se revelavam vivos na afirmação dos tempos modernos, as ideias borbulhavam entre os intelectuais com o discurso do novo, do progresso, da rutura, e a sociedade brasileira dava claros sinais de desejar mudanças rápidas. O momento era de busca de uma identidade nacional, pois mesmo valorizando a importação das ideias europeias e norte-americanas, o país buscava suas raízes que se encontravam na formação étnia do povo brasileiro (Heschman e Pereira, 1999, p. 92).

Mas é no campo da Educação, ao qual Darcy Ribeiro se entregaria de corpo e alma em futuro próximo, que as novas ideias afloravam, visto que a situação educacional do país nos anos 30 era de total precariedade. Educadores e intelectuais da época, como Fernando Azevedo e Anísio Teixeira, este último, natural da Bahia e um dos pensadores da educação que mais influenciou Darcy Ribeiro, faziam severas críticas à forma como a educação era tratada pelas classes dirigentes, argumentando com fundamentos concretos, tais como: altas

taxas de analfabetismo, elitismo educacional, confessionalismo na educação e conservadorismo.