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A criação de um conceito de universidade é um processo em evolução, alterado através dos acontecimentos da história do mundo. Esse processo é filtrado e adaptado pelas mudanças que trazem uma nova visão, um novo significado, sob a ótica do contexto dos tempos.

Ressignificação é uma nova leitura, é observar e pensar de uma outra forma, é modificar o filtro pelo qual olhamos, alterando, assim, o significado, as respostas, as condutas, mudando a sua visão de mundo, transformando o pensamento e o comportamento diante de novos fatores que são colocados em consideração.

Nas últimas décadas do séc. XX, procurou-se um novo conceito de universidade através de um novo filtro, fundamentado este em sua autonomia. A busca pela autonomia universitária direciona-se para a importância do desenvolvimento autossustentado, sendo o Estado a mola mestra dessa engrenagem. O descomprometimento do Estado com a diminuição do repasse de recursos para a manutenção das universidades públicas vem transformando as universidades em empresas, alterando assim os seus valores, passando a vender os serviços para a sua manutenção, rendendo-se assim às necessidades do capital.

A discussão do modelo e função da universidade e sua autonomia reitera diante de sua multiplicidade da origem como bem argumenta Adriano Moreira:

“A narrativa da evolução dos modelos e funções das Universidades, sobretudo no mundo ocidental, foi globalmente repetitiva no essencial, não obstante a multiplicidade das origens, da tutela exterior por Instituições políticas estaduais ou Igrejas institucionais.” (Moreira, 2013, p. 1).

A educação em todos os níveis de escolaridade como direito de cidadania, no Brasil, caminha a passos lentos, muito embora esteja claro o seu direito inalienável que leva em conta que a escolaridade faz parte do desenvolvimento de uma nação, tanto no nível económico quanto social e político.

Perante o fenómeno da globalização, que transformou o mundo num grande mercado, a educação passou a ser uma mercadoria, os financiamentos pelas

agências de fomento são voltados para a realidade social e o desenvolvimento de pesquisas técnico-científicas conforme a demanda da nação. As mudanças nas políticas educacionais desconfiguraram a educação como forma de cidadania para a formação tecnológica para o mercado de trabalho.

Porto & Régnier comentam que foi só a partir dos anos 80 e com apoio dos organismos internacionais que o acesso ao ensino em níveis mais elevados tornou-se um indicativo de desenvolvimento económico: “com o apoio de organismos internacionais (tais como UNESCO, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento), estabeleceu-se um consenso que associa a educação com o desenvolvimento económico e o aumento da produtividade dos países” (Porto & Régnier, 2003, p. 9).

O Estado passou a depender cada vez mais do produto da escola para movimentar a economia, bem como o crescimento e desenvolvimento da nação.

A conceção pela luta da Autonomia Universitária encontra-se vigente desde a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a ressignificação da Educação Superior, mais especificamente, a partir da Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996. Durante esse intervalo de tempo, o Brasil viveu reformas educativas promovendo uma releitura sobre a conceção do ensino superior, da universidade e da autonomia universitária, cujo objetivo era o de alcançar a competitividade mundial no desenvolvimento de uma tecnologia

e autossustentabilidade, sujeitando a universidade aos organismos

internacionais e minimizando o papel do estado e dos seus compromissos sociais abrindo, assim, espaço para a educação privada. A educação não é mais entendida como um direito público e gratuito, mas antes como um serviço privatizado e distanciado da sua essência, passando a ser mais pragmática, competitiva e submissa ao mercado.

Foucault dizia que há sempre três tipos de luta, e que na história encontramos sempre exemplos disto, e que mesmo estando misturadas, em cada período um tipo sempre sobressai:

“Geralmente, pode-se dizer que existe três tipos de luta contra a ordem quanto às formas de dominação (ética, social e religiosa);

contra as formas de exploração que separam o indivíduo daquilo que eles produzem; ou contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo ao outros (lutas contra sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão) ” (Foucault, 1980 p. 235)

O processo de ressignificação da universidade também passa pelos avanços das novas tecnologias, uma vez que a qualidade dos conteúdos académicos, cada vez mais, dependem das tecnologias de última geração e de suas ferramentas. Conforme sinaliza Cristovam Buarque, “as bibliotecas das grandes universidades de todo o mundo, trabalham com programas sofisticados que, por possuírem múltiplos atributos, facilitam as consultas dos usuários” (Buarque, 1994, p.3)

Um outro ponto a ser levado em consideração é o fato de que, no contexto contemporâneo, as universidades se transformaram em grandes centros de pesquisa exigindo, cada vez mais, profissionais altamente competentes e qualificados, capazes de oferecer qualidade técnica e especificidade a essas pesquisas.

No que diz respeito às relações que a universidade tem estabelecido no Brasil com a comunidade externa, há que se conferir que a “extensão”, como parte integrante das ações do plano de gestão de uma universidade, tem ampliado seus projetos, de forma a atender a demanda de todos os usuários e beneficiários de seus produtos.

Quando se fala do processo de ressignificação da universidade brasileira, no contexto da contemporaneidade, está-se a falar de novos olhares sobre essa formação, visto ser o ensino superior a modalidade que prepara profissionais qualificados para fazerem parte de áreas e campos de atuação altamente competitivos.

Um dos pontos essenciais nas discussões acerca da universidade diz respeito às contribuições de Anísio Teixeira para a conceção atual do que seja universidade, em seu sentido lato e stricto sensu.

Anísio Teixeira apud Mendonça:

“Nos anos 30, dizia ele, era urgente reorganizar a escola secundária e simultaneamente, ou talvez até antes mesmo, tentar a instalação das faculdades de Educação, Ciências e Letras, criar uma organização universitária que atendesse às imposições de uma cultura económica e científica, ao mesmo tempo em que preparasse “profissionais de ciências e de letras””, professores e homens de pesquisa e criação.” (Mendonça, 2003, pp. 153)

O que Anísio Teixeira defendia era, exatamente, a função da educação nova e, muito especialmente, a função específica da universidade que, para ele, seria a instituição por excelência onde se constituía a cultura expressiva das sociedades contemporâneas de base científica e tecnológica e onde se formaria o novo intelectual a quem competiria exercer a direção da sociedade.

Como um dos pioneiros da conceção da universidade renovada e progressiva juntamente com Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira defendia uma formação académica que respondesse às necessidades técnicas dos dias atuais, promovendo o que ele chamava de “desenvolvimento das fontes que integram a civilização técnica, dando-lhe sentido humano, por um lado, e novas sendas por outro” (Mendonça, 2003, pp. 153).

Além dessas colocações, a universidade é hoje um cenário de diversidade, onde várias tribos se encontram e convivem, partilhando saberes, lutando por sua identidade e buscando produzir com qualidade, saberes que são frutos dessa pluralidade (Candau, 2004).

Diante da mídia, que tudo viabiliza, incorpora, revela, aponta e pode tanto agregar valores, quanto destituí-los e eliminá-los, neste estudo a intenção é mostrar uma universidade para esse novo milénio, multidimensional e ressignificada.

O tema da Universidade no Brasil é paradigmático, visto ser ainda muito pequeno e reduzido o número de estudantes saídos do ensino médio que chegam ao curso superior. Esta estatística mostra que tendo por parâmetro o número atual

Geografia e Estatística (IBGE3) em 2014, o número de brasileiros que conseguiram chegar à universidade ronda, aproximadamente, os 7,3 milhões, inscritos em 32 mil cursos de graduação, oferecidos por 2,4 mil instituições de ensino superior – 301 públicas e 2 mil particulares. As universidades são responsáveis por 53,4% das matrículas, enquanto as faculdades concentram cerca de 29,2% (IBGE/CENSO/2014).

Esses dados são reveladores de uma triste realidade, ou seja, a de que muitos alunos, principalmente os que são oriundos das classes populares e que estudam em escolas públicas de educação básica, não conseguem se preparar devidamente para entrar na universidade pública. Há uma dicotomia na qualidade do ensino brasileiro: alunos que cursam a rede pública no ensino médio, em sua grande maioria, não estão capacitados a concorrer a uma vaga nas universidades públicas, que são consideradas as melhores universidades.

Hoje, o Brasil ressignificou a forma de acesso às instituições que ministram cursos superiores, instituindo um Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) para todos os que estão concluindo o Ensino Médio, cuja escala de valores é utilizada para a distribuição de vagas no Ensino Superior.

O ENEM é a forma de ingresso oficial nas universidades. A ressignificação veio ainda por intermédio da flexibilidade que essas instituições públicas tiveram que realizar, criar uma nova forma de ingresso por conta da adesão ao sistema de cotas, concessão de bolsas.

O sistema de cotas, criado em 2000, tornou o Estado do Rio de Janeiro no pioneiro na reserva de vagas para estudantes pobres oriundos de escolas públicas, estaduais e municipais, através da Lei 3.524, de 28 de dezembro de 2000. A partir de 2008, o Estado do Rio de Janeiro cria uma nova lei para fazer face aos sistemas de cotas para estudantes negros, pardos, indígenas e portadores de deficiência.

As Universidades Estaduais do Rio de Janeiro, de entre as quais a UENF, aderiram ao sistema de cotas incorporando a reserva de vagas ao Sistema de Seleção Unificada (SISU), ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e demais formas de acesso. A Universidade Estadual do Norte Fluminense, que leva o nome de Darcy Ribeiro, é pioneira no país na adesão ao sistema de cotas.

Todas essas transformações apontam para o fato de que as universidades brasileiras tiveram que se adequar às mudanças sociais e às transformações decorrentes do uso de novas tecnologias. Posto isto, o que se viu nos últimos 20 anos pode ser analisado com uma nova universidade sem o peso do academicismo do passado, mas mais próxima da população, da cultura e da diversidade característica da população brasileira.

Esta investigação sobre a universidade brasileira, a partir dos modelos idealizados pelo antropólogo Darcy Ribeiro, ao apontar os momentos centrais da trajetória dessas instituições de ensino superior, revela em suas análises partes importantes e significativas da história da universidade no Brasil.

O momento atual é contraditório, tendo em vista que o país vive uma crise política e financeira, que atinge a educação em geral e consequentemente as universidades. Contudo, como espaços de produção de conhecimento, pesquisa e extensão, as universidades são e deverão ser por ad infinitum o locus das grandes descobertas, dos grandes génios criadores do desenvolvimento científico e, sobretudo, o lugar que formou gerações de intelectuais, cientistas e profissionais liberais, homens de ideias e negócios, como Darcy Ribeiro, o brasileiro que lutou para que suas utopias se tornassem realidade.

Neste capítulo, pudemos observar que as mudanças conceituais, em grande parte, ao passarem por uma releitura, não perdem definitivamente sua conceção original, por isso a importância da ressignificação como um movimento dialético de busca qualitativa e dinâmica de modernização das universidades. Estas ideias estão presentes ainda na intenção da política educacional brasileira, dos últimos 20 anos, em modernizar e democratizar o ensino superior, ressignificando a forma de acesso aos cursos superiores através do ENEM, e por intermédio da criação de políticas afirmativas por meio do sistema de cotas.

CAPÍTULO II