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O tema da transgressão dos direitos fundamentais dos presos chegou ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, que desempenha o papel de corte constitucional no país.

Existem diferentes instrumentos previstos no ordenamento jurídico brasileiro para que uma discussão chegue à análise do Supremo Tribunal Federal. A ampla competência reservada ao STF, discriminada no artigo 102 da Constituição Federal, abrange a) a fiscalização concentrada de constitucionalidade, veiculada por meio da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a), da ação declaratória de constitucionalidade (CF, arts. 102, I, a e 103, § 4º), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º) e da ação direta interventiva (art. 36, III); b) a fiscalização difusa de constitucionalidade por via de recurso extraordinário (CF, art. 102, III) e c) o julgamento das ações de sua competência originária (CF, art. 102, I), a exemplo

daquelas que versam sobre as infrações penais comuns cometidas pelo Presidente da República ou membros do Congresso Nacional (art. 102, I, b), e do habeas corpus quando, dentre outras hipóteses, o coator é Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente é autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, i).

As ações julgadas pelo STF que versam, direta ou indiretamente, sobre a grave e reiterada violação de direitos fundamentais perpetrada no sistema prisional brasileiro decorrem do fato de que, como titular do controle concentrado de constitucionalidade no ordenamento brasileiro, que se apresenta também como última instância no julgamento de ações de controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal erige-se a principal guardião dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, proferindo a palavra final sobre a forma como devem ser interpretados e garantidos. E, enquanto no exercício de tal competência, as suas decisões sobre o tema, sendo ou não vinculantes do ponto de vista formal, sempre influenciam a jurisprudência produzida pelos magistrados das instâncias inferiores.

Nessa esteira, importa observar que as decisões proferidas pelo STF no julgamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos públicos, como se depreende do disposto no art. 102, § 2º, da Constituição de 1988. Já no controle difuso e incidental de constitucionalidade, que é realizado como questão prejudicial ao deslinde de um caso concreto, os efeitos das decisões proferidas, até recentemente, vigoravam inter partes, ou seja, vinculavam somente as partes que litigaram em juízo, não extrapolando os limites estabelecidos na lide.

No entanto, o efeito erga omnes e a vinculatividade das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, embora não fossem atribuídos de forma automática aos julgamentos proferidos em controle difuso, podiam ser obtidos também nesses casos mediante instrumentos como a edição de uma súmula vinculante, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, ou a suspensão, pelo Senado Federal, da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, conforme o disposto no art. 52, X, da Carta Constitucional.

Ademais, à luz do que dispõe o § 3º do artigo 102 da CF, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, tornou-se requisito de admissibilidade de todo recurso extraordinário a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais

discutidas no caso. Segundo o artigo 1.035, § 1º, do CPC, possuem repercussão geral as “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”. inda, conforme o § 3º, haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou que tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal.

Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão de todos os processos pendentes de julgamento, individuais ou coletivos, tramitando em todo o território nacional e que versem sobre a questão em relação à qual foi reconhecida a repercussão, conforme estabelece o § 5º do artigo 1035 do CPC. Por fim, da decisão sobre causa com repercussão geral é elaborada súmula, à luz do que determina o § 11º do mesmo artigo.

Esse requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários visa, portanto, selecionar aqueles cujo conteúdo realmente possui relevância social, política, econômica ou jurídica que transcenda os interesses subjetivos da causa, contribuindo não somente para a redução do número de processos que chegam à Corte, como também para uniformizar a interpretação constitucional.

Outrossim, o instituto da reclamação confere, ainda que por meios indiretos, vinculatividade aos entendimentos exarados pelos tribunais superiores. A reclamação, conforme os artigos 102, inciso I, alínea (l), e 105, inciso I, alínea (f) da CF/88 e o artigo 988 do CPC, pode ser proposta pela parte interessada ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Superior Tribunal do Trabalho para, dentre outras finalidades, garantir a observância de enunciado de súmula vinculante, de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas, e garantir a autoridade das decisões do tribunal, inclusive de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos, desde que esgotadas as instâncias ordinárias. É cabível a reclamação ao STF, desse modo, quando suas decisões monocráticas ou colegiadas, mesmo as proferidas fora do âmbito do controle abstrato de constitucionalidade, são desrespeitadas ou descumpridas por autoridades judiciárias ou administrativas.

Definindo a possibilidade de atribuir efeito erga omnes e vinculatividade às decisões prolatadas em controle difuso, o STF preconizou, no julgamento da ADI nº 3406/RJ215, em novembro de 2017, que se o Plenário decidir a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja, vinculantes e erga omnes. Considerou o Ministro Celso de Mello, no referido julgamento:

Se estar diante de verdadeira mutação constitucional que expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional. Para ele, o que se propõe é uma interpretação que confira ao Senado Federal a possibilidade de simplesmente, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. Mas a eficácia vinculante resulta da decisão da Corte216.

Vale referir que os julgados produzidos por tribunais, sobretudo os tribunais superiores, já tendem a gozar de autoridade persuasiva, ou sejam, acabam por guiar a maior parte da jurisprudência hierarquicamente inferior, mesmo quando autorizada a discordar do entendimento daqueles, nos casos em que se encontram desprovidos de força vinculante. No Brasil, de fato, a orientação formulada por um tribunal superior torna-se, quase automaticamente, um consenso na comunidade jurídica, que se vale de ementas e súmulas – não somente as vinculantes – como “discursos prévios de fundamentaç~o”217 prontos a serem aplicadas a casos semelhantes que lhe sejam postos

em causa. egundo Maurício Ramires, no rasil “o direito vai a reboque dos tribunais, principalmente dos tribunais superiores”. Para o autor, “é comum que uma decis~o do plenário do Supremo – ainda que por maioria apertada – ‘pacifique’ o entendimento a respeito de uma polêmica em todo o país” 218.

Sem pretender adentrar o mérito da aplicação de precedentes jurisprudenciais no direito brasileiro, as reflexões aqui feitas confirmam a relevância das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, repercutindo não só juridicamente, mas

215 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.406. Requerente:

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria. Relator: Ministra Rosa Weber. STF, 29 nov. 2017. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3406&classe=ADI& origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 4 abr. 2018.

216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 886. Brasília, 27 de novembro a 1º de dezembro

de 2017. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo886.htm>. Acesso em: 30 mar. 2018.

217 RAMIRES, Maurício. Crítica à Aplicação de Precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria

do Advogado Editora, 2010. p. 57.

também na área política e social, como no caso dos julgamentos que interessam a este estudo, os quais têm suas origens nas graves violações de direitos fundamentais perpetradas pelo poder público nas penitenciárias brasileiras. Aliás, uma rápida busca por jurisprudência em sites da rede mundial de computadores já evidencia a multiplicação de julgados que reproduzem a orientação formulada pelo STF nas principais ações, por ele julgadas, que versam sobre a crise do sistema carcerário brasileiro.

Algumas dessas ações serão objeto de análise neste estudo, merecendo especial destaque o Recurso Extraordinário nº 592.581, que definiu a orientação jurisprudencial focada na mais urgente e imediata solução à crise dos presídios brasileiros, qual seja, a que exige da administração pública a implementação de medidas concretas para reverter o quadro de sistemática afronta aos direitos fundamentais nas unidades prisionais.