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É comum os meios de comunicação de massa veicularem notícias relatando episódios de violência associada à escola, divulgando ocorrências nas interações entre os alunos, casos de bullying, que terminam em Delegacias de Polícia, violência doméstica relatada e reproduzida em ambiente escolar, além de agressões físicas e morais contra professores, funcionários e dirigentes, deflagrando falta de respeito à autoridade docente e aos demais profissionais da educação. Tudo isso acrescido de certa dose de sensacionalismo exacerbado que muito pouco contribui na elucidação do problema e das diferentes facetas em que a violência se manifesta na sociedade.

Há uma lógica interna na organização das estruturas de poder da sociedade que trabalha na manutenção da ordem social como se apresenta e as mídias, agindo na formação da opinião da grande massa popular, tem sua parcela significante no êxito dessa tarefa. Nessa linha de reflexão, Paulo Freire e Ira Shor (1987, p. 218) afirmam que:

A cultura de massa predominante define o modo como as pessoas pensam sobre o passado, o presente e o futuro. A imaginação das pessoas é fiscalizada, como uma forma de controle de seu exercício do poder político. A ordem atual da sociedade pode ampliar sua hierarquia para o futuro na medida em que domine o processo político, inclusive a imaginação política. Parte do projeto de transformação social implica antecipar uma sociedade diferente da que temos agora. Para evitar isso, a cultura de massa envolve a consciência com mitos e imagens que bloqueiam a capacidade de imaginar alternativas, de antecipar uma história diferente da que vivemos agora. Esperar que o presente continue para sempre é uma espécie de desespero da massa que é útil à elite que agora está no poder.

Para tratar dessa questão, são analisadas algumas das publicações que circularam na mídia televisiva e impressa, no ano de 2013, e que tratam

especificamente da violência manifestada nas escolas, em suas diferentes nuances, simbólica ou fisicamente.

O Sindicato dos Professores da Rede Estadual de São Paulo (Apeoesp) divulga, em maio de 2013, o resultado de uma pesquisa aplicada a 700 pais e alunos, em cada uma das sete macrorregiões do estado de São Paulo, delimitadas pela associação. Na identificação das causas do aumento da violência na escola, os pais apontaram que a escola atual é mais violenta do que a escola do tempo em que estudaram.

Para um dos pesquisadores, as ações violentas na escola são ações reflexas do que acontece em casa. De acordo com a pesquisa, “seis em cada dez pais veem a punição como uma solução para o comportamento dos filhos” (AZEREDO, 2013, p. 27). Na análise dos dados desta pesquisa, a psicóloga Beatriz de Paula Souza, do Serviço de Orientação à Queixa Escolar da Universidade de São Paulo (USP), afirma que “a violência não pode ser atribuída apenas a fatores externos.” Justifica ainda, que é um erro colocar a escola no papel passivo quando, na realidade, a instituição tem um potencial de protagonismo na superação dos desafios e busca de soluções. (AZEREDO, 2013, p. 27)

Reportagem da região metropolitana do Rio Grande do Sul informa que quatro adolescentes depredaram uma escola e, ao se depararem com uma garrafa de álcool, decidem incendiá-la. O depoimento do delegado à equipe jornalística é reflexo do que é encontrado também na opinião pública, ao afirmar que o objetivo daquele grupo era incendiar a escola toda e encerra declarando que “não há nenhum motivo plausível. A gente não está entendendo tamanha violência". (BÄCHTOLD, 2013)

Em Curitiba, são noticiados quatro casos de furto e 39 de vandalismo registrados no período de um mês, na cidade, e informado que os crimes ocorreram no período noturno e em fins de semana, quando as escolas estavam fechadas. Segundo a reportagem, na tentativa de reduzir o número dessas ocorrências, “a Prefeitura de Curitiba informou que tem o programa Comunidade Escola, com atividades especiais para os moradores também participarem a vida escolar”. (BANDNEWS, 2013)

Em reportagem do Estadão (TORQUATO, 2013, p.2), ao estabelecer a relação entre a expansão da criminalidade e a insatisfação social, o colunista Gaudêncio Torquato (2013, p. 2) apresenta duas perspectivas de análise, uma sociológica e outra econômica, e deixa claro em seu artigo a hipótese de que “a queda da desigualdade entre classes diminui a insatisfação social, fazendo refluir a violência; a segunda levanta a hipótese de que o ganho com ações ilegais diminui ante o aumento da renda das famílias”. Para ilustrar suas afirmações, apresenta dados de que

entre 2001 e 2011 a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6% e a dos mais pobres, 91,2%. A numerologia abriga, ainda, 19 milhões de empregos com carteira assinada e a estatística de 35 milhões de brasileiros que nos últimos dez anos ascenderam à classe média, hoje somando 52%, ou mais de 100 milhões de pessoas. Diante da evidência de que o País ganhou um dos maiores (e mais retumbantes) programas de distribuição de renda da contemporaneidade, restaria fechar o parágrafo com aplausos ao corolário: a violência diminui no Brasil graças ao aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade.

No artigo em questão, a Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, anuncia resultados de estudo realizado para o Banco Mundial. Segundo dados desta pesquisa:

[...] a redução da desigualdade via Bolsa-Família foi a principal causa da diminuição da violência em São Paulo entre 2006 e 2009. A expansão do programa, segundo o pesquisador João Manoel Pinho de Mello, teria sido responsável por 21% do total da queda de criminalidade. Em 2012, porém, o número de homicídios em São Paulo cresceu 34% em relação ao ano anterior - 1.368 mortes versus 1.019. No quadro geral da criminalidade em todo o Estado, o incremento foi de 15%. Já no primeiro trimestre do ano, a capital registrou um aumento de 18% no número de homicídios dolosos, numa expansão que vem ocorrendo há mais de oito meses. (TORQUATO, 2013, p. 2)

Essa contradição tratada no artigo também é foco para análise. Diante de fatos, não há argumentos, como bem diz o ditado popular. É arriscado, e superficial, analisar o fenômeno da violência sob apenas uma vertente. Tal análise requer um tratamento amplo das questões que estão imbricadas nas causas da violência.

Em outro artigo, também publicado pelo Jornal O Estado de S. Paulo (VIOLÊNCIA, 2013, p. 3), ao fazer referência à pesquisa divulgada pela Apeoesp sobre a violência nas escolas, há uma constatação de que:

Até recentemente, as agressões físicas e morais contra professores se concentravam nas escolas dos bairros mais pobres. Hoje, o problema ocorre em quase toda a rede escolar estadual, independente do perfil social e econômico dos bairros onde os colégios estão localizados. (VIOLÊNCIA, 2013, p. 3)

Pelo fato de representar na escola, a figura de autoridade que se mostra para impor limites, discutir e estabelecer regras de convívio, cobrar responsabilidade estudantil e dos familiares, além de demarcar as fronteiras entre o interesse comum e os interesses individuais, a escola se transforma num terreno de lutas, revoltas, de violência. É preciso definir a favor de qual educação se está trabalhando e que tipo de sociedade se projeta, em face da que se está efetivamente construindo:

A cada dia, entre lágrimas e gemidos, hematomas e ameaças, por meio da midiatização, os acontecimentos violentos pontuais são transformados em regra geral, formando senso comum equivocado, que mais assusta, mais atormenta, mais fragmenta, mais desespera. Porque os índices crescem e não se vê nenhuma ação governamental eficaz. (CHRISPINO; GONÇALVES, 2013, p. 833)

No senso comum, o pensamento deformado denota que o espaço público não tem dono, é terra de ninguém. Excetuando lideranças comunitárias que se apropriam da escola como espaço social de direitos, há aqueles que também a encaram como território comum e, portanto, de posse de todos, mas comumente se calam, propagando a cultura do medo e do silêncio sustentado pela permanente sensação de insegurança.

CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO: BARREIRAS IMPOSTAS PELA VIOLÊNCIA

E a vida já não é mais vida No caos ninguém é cidadão

(Herbert Vianna)

Este capítulo é um convite ao leitor para juntos pensarmos em alguns dos problemas da educação brasileira. Problemas destacados, sob nosso ponto de vista, pela urgência de debate e superação; do entendimento do direito à educação com antídoto à violência, com amplo entendimento dos dispositivos legais de acesso e das barreiras que impedem a permanência de todos.

“Onde há falta, há problema.” Partindo dessa premissa, a despeito de termos uma Constituição, apresentamos o problema substancial da educação: os direitos não são efetivados e nem todos têm acesso. Um direito não realizado é um problema4.

Problema é palavra de origem grega, próblema, que deriva de probállein, “atirar para a frente”. Formada de pro-, “à frente”, mais ballein, “atirar, lançar, jogar”. A ideia é a mesma de pro-jeto (arremessar à frente). Assim, os problemas nos arremessam, pois estão em constante movimento. Quietude é morte, e o problema, pelo contrário, nos move. É força motora e resulta, ou ainda requer, um projeto que o lance à frente.

Paulo Freire (2013) afirmava, com base na concepção marxista, que não há realidade histórica que não seja humana. Não há história sem ou para os homens, mas uma história feita por homens, que, por sua vez, também os faz. (FREIRE, 2013, p. 175).

Ainda em Freire (1998, p. 80), encontramos essa relação entre a problematização dos fatos na velocidade dos acontecimentos, como constituinte do processo histórico, em que homens, movidos pela esperança e alegria, buscam a

4

Assertiva discutida nas aulas de Educação Brasileira, ministradas pelo professor Dr. Alípio Casali no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação: Currículo. PUC-SP.

superação de obstáculos e sua inscrição na história da resistência contra o determinismo:

Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. A desesperança é a negação da esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a desesperança é o aborto desse ímpeto. A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela não haveria História, mas puro determinismo. Só há história onde há tempo problematizado, e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História.

Na Constituição Federal do Brasil, a educação consta como o primeiro dos direitos sociais, expresso em seu artigo 6o e ainda dedica a esse direito a Seção I do Capítulo III, por meio de dez artigos que tratam da responsabilidade, dos deveres e do princípio da educação, oferecida pelas unidades administrativas públicas e livre para a iniciativa privada; do currículo mínimo para o Ensino Fundamental; do regime colaborativo para a organização dos sistemas de ensino; das formas de financiamento e repasse de recursos; e estabelece o Plano Nacional de Educação em seu último artigo da seção:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 59, de 2009) I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 1988)

Em dicionários disponíveis na Internet, encontramos na etimologia que a palavra direito provém do latim directum; do verbo dirigere, que significa dirigir, ordenar, endireitar. É o conjunto de preceitos, regras e leis com as respectivas sanções que serão adotadas para a sociedade solucionar os conflitos.

Por direito, o autor Miguel Reale (2001, p. 1) admite aceitar em Ciências Humanas, a título provisório, uma concepção difundida pelo uso comum, que entende por direito como lei e ordem:

[...] isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros (...). Direção, ligação e obrigatoriedade de um comportamento, para que possa ser considerado lícito, parece ser a raiz intuitiva do conceito de Direito.

E completa,

Podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. É a razão pela qual um grande jurista contemporâneo, Santi Romano, cansado de ver o Direito concebido apenas como regra ou comando, concebeu-o antes como "realização de convivência ordenada”. (REALE, 2001, p.1)

Nessa linha de pensamento sobre a concepção de direito que estamos trabalhando, encontramos ainda como garantias do direito à educação, o artigo 53, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a afirmação do direito de acesso e permanência na escola, com o objetivo de pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho. (ECA, 1990)

Especificamente, a Lei 9.394, de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, define que:

Art. 1o A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996)

Proposta essa definição em seu título de abertura, a LDB apresenta outros oito títulos que definirão os princípios e as finalidades da educação: do direito à educação e do dever de educar; da organização da educação nacional; de seus

níveis e modalidades de ensino; dos recursos financeiros; além das disposições gerais e transitórias.

Para efeito deste estudo, destacamos, no Título II Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, os princípios assegurados nos incisos extraídos do artigo 3o, conforme segue:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; [...]

IX - garantia de padrão de qualidade; [...]. (BRASIL, 1996)

Essa indicação intencional anuncia diretamente de quais direitos estamos tratando: da universalidade do ensino, para todos os brasileiros, de forma gratuita, equitativa e qualificada, mediante condições legais que garantam a permanência desses estudantes nas diferentes modalidades de ensino nas escolas públicas.

Ora, sendo a educação um direito constitucionalmente instituído num sistema político democrático, cabe aos governos criar meios legais para efetivar sua condição com qualidade e equidade e da sociedade civil em acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços prestados.

Há documentos, produzidos em âmbito internacional, que tratam das questões próprias do direito, enquanto garantias de convivência ordenada, que regulam a convivência em âmbito global, com base em princípios humanitários, igualitários, equitativos e de justiça social e, dentre eles, destacam-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU, 1948); o Índice de Desenvolvimento Humano e o indicador de Felicidade Interna Bruta (1990); Relatório para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI: Educação, um Tesouro a Descobrir (1996); As Metas do Milênio (2000); e o Pacto Global (2002); além das contribuições da Unesco e da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando colocaram em pauta o debate sobre o direito à educação de qualidade (CASALI, 2011).

Nessa perspectiva, cabe uma reflexão complementar: De que educação estamos falando? Para quem? Qual sua finalidade?