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A visibilidade do cinema brasileiro no mercado externo – premiações em festivais;

4 HEGEMONIAS E ASSIMETRIAS NO CINEMA BRASILEIRO

4.1 Sobre a produção cinematográfica no Brasil entre 2000 e 2009:

4.1.2 A visibilidade do cinema brasileiro no mercado externo – premiações em festivais;

Um indicador que consideramos relevante para compreender a reconfiguração da produção cinematográfica brasileira na última década e a novo tipo de relação construída com o espectador é a visibilidade dos filmes brasileiros no mercado externo. A partir do momento em que a o setor ganha fôlego e se retoma a produção, surgem filmes com qualidades narrativas e técnicas para despertar o interesse da crítica e se inserir em circuitos internacionais de exibição.

A projeção de um filme nacional em outros mercados deve-se, sobretudo, à participação de produções locais nos festivais internacionais de cinema. Entre 2000 e 2009, 41 longas-metragens brasileiros foram exibidos no Festival de Cannes e no Festival de Berlim, os mais tradicionais do circuito. Na década de 1990, apenas um filme produzido no país integrou a programação de Berlim. A participação de obras brasileiras no Festival de Cannes e no Festival de Berlim nos últimos anos pode ser conferida nas tabelas a seguir:

Tabela 5: Longas-metragens brasileiros exibidos em Cannes entre 2000 e 2009

Ano Filme/Diretor Categoria 2000 Estorvo/ Ruy Guerra Mostra oficial

2000 Eu, Tu, Eles/ Andrucha Waddington Mostra Un Certain Regard

2001 Nenhum -

2002 Cidade de Deus/ Fernando Meirelles Fora de competição – Abriu o Festival 2002 Madame Satã/ Karim Aïnouz Mostra Un Certain Regard

2003 Carandiru/ Hector Babenco Mostra oficial 2004 Glauber – O Filme, Labirinto do Brasil/ Silvio

Tender Fora de competição 2004 Pelé Eterno/ Anibal Massaini Cannes Classics

2005 Cidade Baixa/ Sérgio Machado Mostra Un Certain Regard 2005 Cinema, Aspirinas e Urubus/Marcelo Gomes Mostra Un Certain Regard

2006 Nenhum -

2007 O Banheiro do Papa/ César Charlone e Enrique

Fernández. Mostra Un Certain Regard 2007 A Via Láctea/ Lina Chamie Semana da Crítica

2007 Mutum/ Sandra Kogut Filme de Encerramento da 39ª Quinzena dos Realizadores

2008 Ensaio sobre a cegueira/ Fernando Meirelles Mostra oficial 2008 Linha de Passe/ Walter Salles e Daniela Thomas Mostra oficial

2008 A Festa da Menina Morta/Matheus Nachtergaele Mostra Un Certain Regard 2009 À Deriva/Heitor Dhalia Mostra Un Certain Regard 2009 No meu lugar/ Eduardo Valente Special Scremmings

Tabela 6: Longas-metragens brasileiros exibidos em Berlim entre 2000 e 2009

Ano Filme/Diretor Categoria 2000 Bossa Nova/Bruno Barreto Fora de competição 2001 Latitude Zero/ Toni Venturi Panorama

2002 As três Marias/ Aluizio Abranches Panorama 2002 O Invasor/ Beto Brant Panorama 2003 O homem do ano/ José Henrique Fonseca Panorama 2003 Amarelo Manga/Cláudio Assis Forum 2003 Rua seis sem número/ João Batista de Andrade Forum 2004 Contra todos/ Roberto Moreira Panorama 2004 Fala Tu/ Guilherme Coelho Panorama 2004 O outro lado da rua/ Marcos Bernstein Panorama 2005 Redentor/ Cláudio Torres Panorama 2006 Casa de areia/ Andrucha Waddington Panorama 2006 Meninas / Sandra Werneck e Gisela Câmara Panorama 2007 O ano em que meus pais saíram de férias/ Cao Hamburger Mostra oficial 2007 A casa de Alice/ Chico Teixeira Panorama 2007 Antonia/ Tata Amaral Generation 2007 Deserto Feliz/ Paulo Caldas Panorama 2008 Tropa de Elite/José Padilha Mostra oficial 2008 Café de los maestros/Miguel Kohan Panorama 2008 Cidade dos Homens/ Paulo Morelli Generation 2008 Mutum/ Sandra Kogut Generation

2008 Estômago/ Marcos Jorge Eat, Drink, See Movies 2009 Garapa/José Padilha Panorama

Além de atrair a atenção do público internacional e dos distribuidores, a visibilidade surgida com a participação em festivais dessa esfera gera reflexos na própria cinematografia do país representado. Um efeito que os pesquisadores Paulo Sérgio Almeida e Pedro Butcher observam na passagem de Cidade de Deus por Cannes em 2002, quando o filme foi escolhido para abrir a programação do festival, fora de competição.

A imensa repercussão crítica no Festival de Cannes, onde foi exibido na seleção oficial, fora de competição, ajudou a transformá-lo numa espécie de ponto de consolidação de um processo que começou com Central do Brasil, a produção que primeiro chamou a atenção para o cinema realizado no país nessa fase da retomada, tornando-o novamente requisitado nas seleções dos festivais internacionais e também nos principais mercados. (ALMEIDA e BUTCHER, 2003, p. 48).

A reorganização dos aparatos reguladores do cinema brasileiro veio acompanhada da criação de programas institucionais de apoio à visibilidade internacional para os filmes brasileiros. Entre esses se destaca o Programa Cinema do Brasil, vinculado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil)23. O programa foi lançado em 2006 com o objetivo de “ampliar a participação do audiovisual brasileiro no mercado internacional por meio da criação de co-produções, da prospecção de novos mercados para a distribuição de produções brasileiras, da valorização da imagem da indústria cinematográfica nacional no exterior e da geração de novos empregos” (APEX-BRASIL).

Atualmente o Programa Cinema do Brasil conta com mais de 150 empresas associadas. Os mercados-alvo da iniciativa são França, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Argentina, mas as negociações intermediadas ou apoiadas pelo programa atingiram um circuito mais amplo, incluindo países como Inglaterra, Holanda, Itália, Cuba, Índia e Japão.

No início deste ano o cineasta André Sturm, coordenador geral do Cinema do Brasil, anunciou um incremento financeiro para as ações desenvolvidas pelo programa. A intenção da agência é investir R$ 8,45 milhões até 2011 para aumentar a presença do cinema brasileiro no mercado externo. A primeira etapa consiste na liberação de uma verba de R$ 400 mil para subsidiar o lançamento de 20 filmes – R$ 20 mil para cada distribuidor interessado custear a divulgação, produção de cartazes e trailers (Disponível em < http://www.apexbrasil.com.br/portal/publicacao/engine.wsp?tmp.area=426&tmp.texto=200>).

23 A Apex-Brasil foi criada em 2003 pela Lei nº 10.668 como um Serviço Social Autônomo ligado ao Ministério

Paralelamente ao Programa Cinema do Brasil, a Ancine disponibiliza o Programa de Apoio à Participação de Filmes Brasileiros em Festivais Internacionais, dividido em três categorias de apoio para os filmes convidados a participar dos 68 festivais credenciados pela instituição: concessão e envio de cópia legendada e passagem aérea (Apoio A); concessão de e envio de cópia legendada (Apoio B); envio de cópia (Apoio C).

A presença de filmes brasileiros em festivais internacionais também deve ser entendida como uma estratégia necessária para incentivar a busca por novos mercados para a comercialização do cinema brasileiro. As rodadas de negociação realizadas paralelamente aos festivais apresentam-se como momentos oportunos tanto para a busca por parceiros internacionais para projetos a serem desenvolvidos quanto para a comercialização dos direitos de distribuição internacional de obras já finalizadas. Essa diversificação de mercados – que abrange o circuito de salas e também outras janelas de exibição – já se mostra um recurso indispensável para algumas produtoras brasileiras. “Uma venda para o exterior me garante três vezes o que eu ganho na bilheteria de um filme. Cinema, Aspirinas e Urubus, por exemplo, foi visto por 150 mil espectadores no Brasil, mas foi vendido para 15 países. Ganhei muito mais dinheiro com essas vendas” (FILME B, 2010, p. 16), exemplifica a produtora Sara Silveira.

Concomitantemente à formatação de mecanismos de apoio à participação de filmes brasileiros no circuito de festivais, incrementam-se no cenário do cinema nacional as políticas de apoio às coproduções internacionais. Atualmente, o Brasil mantém acordos com Argentina, Alemanha, Canadá, Chile, Espanha, França, Itália, Portugal, Venezuela – através de acordos bilaterais – e com países da América Latina, por meio do Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-Americana, do Acordo para Criação do Mercado Comum Cinematográfico e do Acordo Latino-Americano de Co-Produção Cinematográfica.

A busca por parceiros estrangeiros como forma de estabelecer novas possibilidades para a produção cinematográfica brasileira reflete a postura da política institucional do país em relação ao papel estratégico da cultura no campo das relações internacionais e diplomáticas, como avaliam os pesquisadores Márcio Rodrigo e Alessandra Meleiro.

Iniciativas como essas, no campo da política internacional, deram-se a partir do momento em que se reconheceu o audiovisual como importante instrumento para a diplomacia cultural. O governo Lula, desde o primeiro mandato, vem adotando políticas para estimular coproduções através da expansão das relações institucionais entre institutos e de acordos bilaterais ou multilaterais. (MELEIRO e RODRIGO, 2010, p. 3).

As possibilidades de captação de recursos em outros países para viabilizar a produção cinematográfica levou a produtora Gullane Filmes, realizadora de longas como Bicho de Sete Cabeças (Laís Bodanzky, 2001), O Ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger, 2006), Chega de Saudade (Laís Bodanzky, 2008) e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, 2009) a criar um departamento exclusivo para atender à área internacional. “Do ponto de vista da empresa, entendemos que não poderíamos fazer cinema com foco apenas no mercado doméstico. Quase todos os nossos filmes contam com dinheiro internacional”, explica Caio Gullane (FILME B, 2010).

Na fase da retomada, Central do Brasil destaca-se como o primeiro filme a ter sua produção atrelada ao investimento no formato da parceria internacional. O filme foi coproduzido com a França, através da Mact Productions,e também contou com a atuação do produtor inglês Arthur Cohn. Nos anos seguintes, esse modelo de viabilização cinematográfica foi sendo incorporado ao desenho de produção de cada vez mais filmes brasileiros, incluindo títulos de destaque da cinematografia nacional.

Em 2001, ainda em fase de roteiro, Cidade de Deus conseguiu a co-produção da Miramax, nos Estados Unidos, e do Studio Canal, na França. No mesmo período, Madame Satã, de Karim Ainouz, fechou acordo de co-produção com o mesmo Studio Canal. Ambos os acordos reviam o investimento estrangeiro pela pré-compra dos direitos de distribuição internacional em determinados territórios. Os dois filmes têm entre seus co-produtores a Lumière e a Viodeofilmes de Walter Salles, que desempenharam papel importante nessa negociação. (ALMEIDA e BUTCHER, 2003, p. 49).

A Zencrane Filmes, criada em 2000 pela produtora Cláudia da Natividade e pelo diretor Marcos Jorge, enquadra-se no perfil de empresas do ramo cinematográfico que conectam suas estratégias de trabalho às reconfigurações de mercado introduzidas pela globalização. Estômago (Marcos Jorge, 2007), primeiro longa-metragem de ficção da Zencrane, foi coproduzido com a Indiana Production Company, vendido para mais de 20 países e teve seu remake negociado com produtores norte-americanos. Para Cláudia da Natividade, resultados como os conquistados por Estômago são consequência tanto de um roteiro qualificado quanto do interesse crescente dos profissionais brasileiros do setor da produção de se inserirem nos espaços disponíveis para negociações com o mercado externo.

Os filmes brasileiros de maneira geral sempre foram bem recebidos nos festivais internacionais. Contudo, nos últimos anos, é notável o aumento da participação de produtores brasileiros e projetos brasileiros nos eventos internacionais de co- produção e nos financiamentos internacionais. A qualificação acaba sendo um processo natural deste aumento da participação. Na publicidade e na televisão, o Brasil já está presente na venda de projetos e produtos nos mercados internacionais há mais tempo; no cinema esse processo é mais recente, mas sem dúvida inevitável. (Depoimento de Cláudia da Natividade ao Portal Cinema Brasil, 2010).

Tabela 7: Coproduções internacionais firmadas pelo Brasil entre 2000 e 2009

Ano Países envolvidos Total de coproduções 2000 México e Portugal 5

2001 Argentina/EUA e Portugal 3 2002 Chile e Portugal 4 2003 Chile e Portugal 4 2004 Chile, Chile/França, França, Portugal e Portugal/Argentina 7 2005 Chile, Portugal e Portugal/México 4 2006 Argentina, Chile, Cuba/Espanha, México, Portugal,

Portugal/Espanha/Moçambique e Portugal/França/Alemanha

10

2007 Argentina. Canadá, Chile, França/Uruguai, Itália, Portugal e

Uruguai 11

2008 Canadá/Japão, França, Hong-Kong, Itália, Portugal e

Portugal/Argentina 9 2009 Argentina, Canadá, Chile, Colômbia/Hungria, Espanha,

Hungria/Portugal, Inglaterra, Portugal 9

Fonte: Ancine