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Os desafios contemporâneos da produção cinematográfica: Os dez anos do

4 HEGEMONIAS E ASSIMETRIAS NO CINEMA BRASILEIRO

4.1 Sobre a produção cinematográfica no Brasil entre 2000 e 2009:

4.1.1 Os desafios contemporâneos da produção cinematográfica: Os dez anos do

O aparato institucional disponibilizado ao segmento cinematográfico como resposta à crise enfrentada no país na década de 1990 conseguiu, como viemos analisando até aqui, criar condições para que os filmes nacionais voltassem a ser realizados. Os diagnósticos do setor identificam a evolução no número de lançamentos e um crescimento, sempre variável, na

visibilidade conquistada por essas obras no circuito interno de salas. Esses resultados qualitativos, contudo, não devem ser entendidos como o ponto final para o debate político em torno da problemática da circulação e consumo do cinema nacional.

Percebe-se, hoje, uma mudança de eixo no discurso que permeia a interlocução entre as entidades representativas do cinema brasileiro e as principais instâncias reguladoras e gestoras da atividade – Ancine, Secretaria do Audiovisual e Ministério da Cultura. Se no final da década de 1990 e início dos anos 2000 o cenário institucional pautava medidas urgentes para preencher uma verdadeira lacuna do cinema nacional, tais rearranjos permitem, atualmente, um deslocamento do debate para uma alçada diferenciada: o quê e como está se dando a produção cinematográfica brasileira.

Embora haja atualmente bons diretores e filmes de qualidade, o grande problema não está resolvido: como levar cinema ao público e racionalizar melhor o emprego dos recursos que ficaram à disposição do cinema brasileiro durante esses anos. O custo por espectador está muito alto. É muito dinheiro para pouco espectador (FARIAS apud SCHENKER, 2010, p. 9).

O posicionamento do cineasta Roberto Farias em torno da questão aparece alinhado ao tom do 8º Congresso Brasileiro de Cinema, realizado em setembro de 2010 em Porto Alegre. Com contornos comemorativos aos dez anos do 3º CBC, também realizado na capital gaúcha, o evento propôs, em linhas gerais, um debate acerca da capacidade de se formatar no Brasil uma diversidade cinematográfica, com condições de dialogar com espectadores e também de estar disponível a uma audiência mais abrangente, através da implementação de um modo de circulação de filmes nacionais apto a integrar as diversas janelas do meio audiovisual.

Para o Secretário do Audiovisual, Newton Cannito, esse conceito de diversidade passa pelo estímulo a práticas de distribuição diferenciadas, capazes de atender as especificidades de circulação e consumo dos projetos cinematográficos que vêm sendo desenvolvidos no país.

Temos que pensar em modelos alternativos de distribuição que contemplem os filmes autorais e filmes médios. Essas políticas, em muitos casos, são políticas de distribuição que se associam a mídias digitais, valendo-se de estratégias transmidiáticas, É importante incentivar o surgimento de distribuidoras e aproximá- las das pequenas e médias agências de publicidade, muitas atuantes em mídias alternativas, como a internet, a performance de rua, etc... É da mistura entre esses dois conhecimentos que surgirão empresas que saberão promover e distribuir nossos filmes em espaços alternativos e para públicos ainda não atingidos. Temos um vasto mercado a ser conquistado. (Depoimento de Newton Cannito em entrevista a Hermes Leal, 2010, p. 22).

Na análise do diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel, o investimento no crescimento do mercado cinematográfico e audiovisual brasileiro, de modo a dar conta do potencial tanto econômico quanto social do setor, permeia o desenvolvimento dessas diretrizes. É em função dessa percepção também que, para Rangel, a produção cinematográfica permanece como uma questão relevante no painel das discussões políticas sobre os desafios do cinema brasileiro.

A produção não está e não estará nunca resolvida. A produção é uma questão permanente. É encontrar os caminhos de fazer os filmes que dialoguem com os vários setores do mercado, encontrar os caminhos para produzir as obras que se está demandando, é viabilizar novos formatos. Quando as pessoas dizem que a questão da produção “está resolvida”, acho que elas querem sinalizar que há na forma como está organizada a política pública de cinema e audiovisual um conjunto de mecanismos à disposição dos produtores que criam as condições para que, havendo bons projetos, bem orientados – tanto de cinema quanto de televisão –, esses projetos se transformem em realidade. (Depoimento de Manuel Rangel à autora, 2010).

Para entender como as políticas públicas voltadas ao cinema e audiovisual vêm sendo percebidas pelas entidades representativas do setor e seus profissionais, devemos também olhar com atenção os pontos defendidos no decorrer da “Carta de Poro Alegre”, aprovada ao final do 8º CBC. O documento, assim como aquele formatado ao final do 3º CBC, oferece indicativos sobre o conjunto de anseios, expectativas e também insatisfações atuais da classe cinematográfica no país. O conjunto de resoluções aprovadas pelo congresso abrange tópicos referentes a diversas áreas, de incentivos fiscais à educação. Muitos dos pontos, como destacamos a seguir, dizem respeito à legislação do setor:

Lei do Audiovisual: Propor e defender junto ao Congresso Nacional e ao Governo

Federal à prorrogação da Lei Audiovisual – Lei 8.685/93, contemplando a recuperação da legislação anterior que autorizava as empresas a aplicarem até 6% do IR – Imposto de Renda em projetos de produção e coprodução de obras cinematográficas / audiovisuais e infraestrutura de produção e exibição. Revogando, portanto, o disposto na Lei 9532, de 10 de dezembro de 1997.16

Novos Fundos Regionais do Audiovisual: Defender junto ao Governo Federal e

Governos Estaduais a implantação de Fundos Regionais de Fomento e Financiamento do Audiovisual, nos moldes do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, utilizando para a criação destes novos Fundos os recursos constitucionalmente previstos nos Fundos de Desenvolvimento Regional (SUDENE, SUDAM e SUDACO).17

Distribuição: Propor e defender junto a ANCINE a adoção de políticas e a criação

de mecanismos que fortaleçam e ampliem o setor de distribuição da produção audiovisual brasileira visando ampliar sua participação nos mercados interno e externo. (...) Propor e defender junto a ANCINE a adoção de políticas e a criação de mecanismos visando à criação de um sistema de distribuição especial dedicado ao Circuito Popular de Cinema também proposto neste documento.18

Fundo Setorial do Audiovisual: Propor a ANCINE mudanças nas normas e

critérios adotados nos editais das Linhas “C” e “D” do FSA.19

Artigo 3º da Lei do Audiovisual: Propor a ANCINE a imediata criação de um

“Grupo de Trabalho” com participação de técnicos da agência e representantes dos produtores e distribuidores, com vistas a reavaliar e aprimorar este mecanismo.20

Longas de Baixo Orçamento: Propor e defender junto a SAV – Secretaria do Audiovisual a ampliação dos recursos destinados aos editais de Longas de Baixo Orçamento (B.O), tendo por meta o financiamento de no mínimo de 40 longas por ano.21

Quota de Tela: Propor a ANCINE a imediata adoção de políticas objetivando a

ampliação progressiva da quota de tela praticada em relação aos espaços comerciais de exibição, estabelecendo como meta a implantação de uma cota de 50% dos dias do ano, dentro dos próximos cinco anos, destinados à exibição de filmes brasileiros de curta, média e longa-metragem.22

Percebe-se, com base nos tópicos listados, que o discurso das entidades representativas do setor manifesta uma preocupação em se construir avanços nos mecanismos à disposição da criação e difusão do cinema e do audiovisual. Passado o momento em que o objetivo dos esforços conjuntos era voltar a viabilizar a existência da produção cinematográfica nacional,

16Resolução 1.3 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC. 17 Resolução 1.7 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC. 18 Resolução 1.13 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC.

19 Resolução 2.4 da “Carta de Porto Alegre” do 8ª CBC. Na justificativa para esse ponto, os proponentes da carta

afirmam que o sistema de editais semestrais “não responde às necessidades do calendário de lançamentos de filmes” (Ibidem).

20 Resolução 2.6 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC. Sobre esse tema, é recomendado, ainda, que se

estabeleça para as distribuidoras que usufruírem dos recursos do Artigo 3º a “obrigação formal de investimento de recursos próprios no lançamento dos filmes” (Ibidem).

21 Resolução 2.14 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC. 22 Resolução 4.2 da “Carta de Porto Alegre” do 8º CBC.

observa-se agora uma espécie de sofisticação no próprio debate sobre as políticas públicas direcionadas a esse segmento da cultura brasileira.

Em linhas gerais, o debate contemporâneo sobre a atividade cinematográfica no país encontra-se sob as abas de dois grandes temas: um diz respeito à diversificação da produção; o outro, à necessidade de se formatar estratégias diferenciadas para a circulação do filme nacional.

4.1.2 A visibilidade do cinema brasileiro no mercado externo – premiações em festivais;