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Os avanços dos empreendimentos hidrelétricos com seus impactos geraram situações de conflitos de opiniões entre os defensores e contrários. Se de um lado os empreendedores tentam minimizar ou subestimar os impactos provocados pelos empreendimentos baseando se em critérios econômicos, surge de outro lado um clamor por direitos através das populações atingidas, religiosos e ambientalistas que se baseiam em critérios ambientais, sociais e humanitários (REZENDE, 2003).

A preocupação ambiental não foi algo relevante nos primeiros empreendimentos até que na década de 1970 começa a surgir mundialmente uma atenção ao meio ambiente e sua preservação. Apesar do Brasil já possuir normativos sobre a utilização de recursos ambientais como o Código de Águas e Códigos Florestais a partir dos primeiros empreendimentos, o modelo primava pelo controle de poluição industrial e as primeiras usinas hidrelétricas foram instaladas num cenário de pouca disciplina ou rigor na ocupação do espaço (MORETTO et al., 2012). Após um avanço de movimentos sociais e um levante internacional com preocupações com as causas ambientais, os organismos internacionais de cooperação, como o Banco Mundial, passaram a condicionar a concessão e a manutenção de financiamentos para

infraestrutura em países em desenvolvimento à adoção de instrumentos de planejamento e gestão ambiental (SÁNCHEZ, 2006).

Foi então, após pressões internas e externas, que foi criada a Política Nacional de Meio Ambiente em 1981 como o principal marco regulatório que passou a amparar o planejamento e a gestão ambiental brasileira a partir de importantes instrumentos de política ambiental no plano nacional, tais como o zoneamento ambiental, o licenciamento ambiental, a avaliação de impacto ambiental, as áreas especialmente protegidas, os padrões etc. (SOUZA, 2000; SANTOS, 2004; SÁNCHEZ, 2006).

Na ocasião, foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), instituído pela Lei 6938/1981, que é a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA). Contudo, a década de 1980 é marcada por incertezas em relação às competências na área ambiental que teria mais esclarecimentos com a promulgação da Constituição Federal em 1988, como a competência municipal em planejamento e gestão ambiental, e a Resolução CONAMA nº 237/1997 que trouxe mais clareza sobre critérios para definição de competência para o exercício da gestão ambiental entre União, Estados e Municípios (MORETTO et al, 2012).

Com o advento da PNMA o licenciamento ambiental passa a fazer parte do ordenamento político administrativo brasileiro para todas as atividades que utilizam recursos ambientais e são potenciais causadores de degradação ambiental. E com a Resolução CONAMA nº 01/1986 é determinado a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) com a elaboração do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para empreendimentos hidrelétricos com potencial instalado superior acima de 10 MW. A mesma resolução também insere a participação social ao versar sobre a disponibilidade do RIMA à sociedade e previsão de audiências públicas para informação e discussão sobre o projeto e seus impactos ambientais.

Esse avanço normativo e preocupação com a causa ambiental tem se mostrado, no curso da história, uma premissa imprescindível aos empreendimentos hidrelétricos. Afinal, a obtenção da energia hidráulica através de barragens tem se apresentado insustentável a partir de critérios físico-químico-biológicos decorrentes de sua implantação e operação, como abordado por Bermann (2007), que destaca os principais problemas ambientais relacionados às usinas hidrelétricas:

• alteração do regime hidrológico, comprometendo as atividades a jusante do reservatório;

• comprometimento da qualidade das águas, em razão do caráter lêntico do reservatório, dificultando a decomposição dos rejeitos e efluentes;

• assoreamento dos reservatórios, em virtude do descontrole no padrão de ocupação territorial nas cabeceiras dos reservatórios, submetidos a processos de desmatamento e retirada da mata ciliar;

• emissão de gases de efeito estufa, particularmente o metano, decorrente da decomposição da cobertura vegetal submersa definitivamente nos reservatórios; • aumento do volume de água no reservatório formado, com consequente pressão sobre o solo e subsolo pelo peso da massa de água represada, em áreas com condições geológicas desfavoráveis (por exemplo, terrenos cársticos), provocando sismos induzidos;

• problemas de saúde pública, pela formação dos remansos nos reservatórios e a decorrente proliferação de vetores transmissores de doenças endêmicas;

• dificuldades para assegurar o uso múltiplo das águas, em razão do caráter histórico de priorização da geração elétrica em detrimento dos outros possíveis usos como irrigação, lazer, piscicultura, entre outros. (BERMANN, 2007, p. 141)

Além da questão ambiental, a questão social também se alavanca com o surgimento de vários movimentos sociais. A partir dos anos 70 surgem novos atores sociais que criaram novos espaços e novas formas de participação e relação com o poder público à revelia do Estado. Não só o movimento popular, mas ainda, instituições da sociedade civil articuladas com a resistência populares e esperançosas por transformações e conquistas em relação à ampliação dos direitos civis e sociais acabaram por influenciar, também, a arena política formal (JACOBI, 2000).

Os movimentos sociais são ações sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas. Cabe a esses movimentos a elaboração de diagnósticos sobre a realidade social e a construção de propostas. Por meio da atuação em redes, constroem ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social, constituindo e desenvolvendo o chamado empowerment de atores da sociedade civil organizada à medida que criam sujeitos sociais para essa atuação em rede (GOHN, 2011). Esses movimentos se fortaleceram ainda mais com a redemocratização do país.

Dentre essas ações coletivas surge o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em torno dos conflitos que rodeavam os empreendimentos hidrelétricos, incialmente a partir clamor das populações deslocadas que exigiam indenizações mais justas. Os movimentos começaram a se organizarem em comissões regionais nos locais dos empreendimentos. Os principais locais de luta foram: Tucuruí (PA) no norte, Itaipu (binacional com Paraguai) no sul, Sobradinho e Itaparica no nordeste. E mais adiante, Itá e Machadinho também na região sul. Nessas regiões os atingidos iniciaram com revoltas, lutas por indenização e logo formaram organizações locais e regionais de resistência. Eram as chamadas Comissões de Atingidos, CRAB (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens) na região Sul, CAHTU

(Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí), CRABI (Comissão Regional dos Atingidos do Rio Iguaçu) (MAB, 2017).

A partir das comissões organizadas nas regiões surge um processo de articulação nacional e depois da promoção de encontros nacionais entre os atingidos de várias partes do país foi criado o Movimento dos Atingidos por Barragens como um movimento nacional, popular e autônomo com o proposito de organizar e articular as ações contra as barragens a partir das realidades locais (MAB, 2017).

O MAB passa então a ser um movimento para agregar todos os atingidos defendendo os seus interesses constituindo se como um formador de opiniões na contra argumentação do discurso desenvolvimentista. Em especial no campo ideológico a evolução do pensamento pregado pelo MAB pode ser visto no Quadro 04.

Quadro 04 – A evolução do MAB e seus slogans como bandeira de reivindicação Situação dos Movimentos Bandeira de reivindicação.

Fase inicial com as comissões regionais que passou a defender o direito de permanecer na terra.

TERRA POR TERRA

Após a criação do MAB, passou a combater o modelo energético do governo brasileiro.

TERRA SIM, BARRAGEM NÃO.

Após as privatizações do setor energético anos 90, a luta passa a ser contra as grandes empresas e o enriquecimento de alguns poucos em detrimento do meio ambiente.

ÁGUAS PARA A VIDA, NÃO PARA A MORTE.

Com o avanço do capital privado, o MAB reforça seu posicionamento contra o modelo energético brasileiro reivindicando contra a entrega da energia para multinacionais.

ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO

MERCADORIAS.

Fonte: Elaborado a partir de informações do MAB

Os slogans são definidos como palavra de ordem do movimento e exprimem a natureza ideológica das reivindicações apontando a direção do discurso a cada momento de

organização do setor energético. Os movimentos que iniciaram com lutas regionais e ganhou uma dimensão nacional com o MAB não foi uma exclusividade brasileira. Em várias partes do mundo surgiram movimentos contrários à construções de barragens. Tanto que essas pressões e as articulações fez com que fosse criada na Suiça, no ano de 1997, a Comissão Mundial de Barragens (CMB), ligada ao Banco Mundial e com a participação de representantes de ONGs, Movimentos de Atingidos, empresas construtoras de barragens, entidades de financiamento e governos.

Em seu relatório final denominado “Barragens e Desenvolvimento – uma nova estrutura para a tomada de decisão”. A CMB (2000) declara que em todo o mundo entre 40 e 80 milhões de pessoas foram deslocados para dar lugar às barragens e que não há nos projetos de construção de usinas hidrelétricas compromisso com os atingidos que são compulsoriamente deslocados.

Enfim, a voz que se levanta contra os empreendimentos hidrelétricos protagonizou um debate de dois polos em que ambas as partes possuem propósitos e argumentos distintos. Apesar da evolução do discurso de oposição às barragens, os movimentos não conseguem reunir força contra os empreendedores, os quais detém o poder político e econômico. Dessa forma, o plano de implantação das usinas hidrelétricas vai se consolidando no território brasileiro carregando consigo várias controvérsias, das quais aborda se a seguir.