• Nenhum resultado encontrado

Parte I O valor da informação digital para a sociedade da

D) A privacidade na sociedade da informação

D.3- A vulnerabilidade técnica do consumidor e a privacidade

É certo que há uma grande acumulação de informações recebidas pelos usuários das novas tecnologias. O usuário comum não consegue absorver e acessar todas as informações e alertas dos serviços informáticos atualmente disponibilizados. Em face da complexidade informática, o usuário fica alheio a uma série de detalhes técnicos importantes para a compreensão das funções, limites e riscos dos sistemas.296 Da mesma forma, podem ocorrer também situações em que os responsáveis não fornecem informações acerca de seus serviços. Os motivos podem ser vários, entre eles a intenção de ocultar condições negociais leoninas e produtos defeituosamente elaborados ou serviços deficientes. Nessas situações, o fornecedor viola o dever de informar quando se omite voluntariamente em fornecer as informações, uma vez que “a informação é o antídoto do erro”.297

293 Danilo Doneda ressalta que o habeas data apresenta “evidentes paralelos com o habeas corpus. Tal paralelismo justifica-se pela intenção de se aproveitar da carga semântica que a expressão acumulou, e serve para sua introdução como instrumento de garantia individual.” DONEDA, Danilo. Ibid, p. 331.

294 DONEDA, Danilo. Considerações iniciais sobre os bancos de dados informatizados e o direito à privacidade. Disponível em: <www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Consideracoes.pdf>. Acesso em: 12 Fev. 2012, p. 18.

295 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 332. No mesmo sentido LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 200-201. “O habeas data é, portanto, um mecanismo de tutela à disposição do usuário de Internet que, vinculado a uma relação de consumo com um fornecedor, pretenda fazer valer seu direito de acessar os registros existentes em bancos de dados e em cadastros de consumo, bem como retificar ou apagar registros errôneos e complementar registros insuficientes ou incompletos.”

296 Ver MARTINS, Guilherme Magalhães. Ibid, p. 45, quando ensina que “Os dias de hoje trazem a ideia da confiança como uma fé no conhecimento de sistemas tecnológicos e especializados, acompanhada da ignorância do leigo acerca de seu funcionamento. A conduta individual busca a simplificação que a confiança fornece, uma vez que os custos de cada demanda por informação seriam incalculáveis. Um cético, orientado pela necessidade de plena compreensão racional de cada um dos sistemas de que faz uso, dificilmente conseguiria viver nessa sociedade.”

A vulnerabilidade do consumidor é assim reconhecida no art. 4º, inc. I do CDC. Via de regra, o usuário também não possui informações técnicas acerca da segurança dos serviços utilizados por ele na Internet. Quase nunca consegue monitorar a qualidade do serviço devendo, apenas, confiar na promessa de segurança e confidencialidade na proteção dos dados feita pelo fornecedor. De uma forma geral “o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços.”298

Em sendo assim, o consumidor fica tecnicamente vulnerável. De acordo com Paulo Valério Dal Pai Moraes a vulnerabilidade técnica ocorre quando:

“o consumidor não detém conhecimentos sobre os meios utilizados

para produzir produtos ou para conceber serviços, tampouco sobre seus efeitos “colaterais”, o que o torna presa fácil no mercado de consumo, pois, necessariamente, deve acreditar na boa-fé com que o fornecedor 'deve estar agindo'.”299

A manifestação da vulnerabilidade técnica pode ocorrer por várias razões, entre elas, a falta de informações ou informações prestadas incorretamente e até mesmo pelo excesso de informações desnecessárias. Neste caso, estas

174, 177 e 178. Basicamente o dever precisa englobar, por exemplo, a informação de: fatos suscetíveis a influir sobre a decisão do consumidor; fatos que tornem o contrato inválido; vícios dos bens; funcionalidades dos bens ou serviços, etc. A exceção, segundo o autor, seria a informação sobre fatos notórios e amplamente conhecidos. p. 180.

298 Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2011, p. 324. Não é por mero acaso, também, segundo a autora, que o consumidor “foi o único agente econômico a merecer inclusão no rol dos direitos fundamentais do art. 5º da CF: foi escolhido porque seu papel na sociedade é intrinsecamente vulnerável perante o seu parceiro contratual, o fornecedor. Trata-se de uma necessária concretização do princípio da igualdade, do tratamento desigual aos desiguais, da procura de uma igualdade material e momentânea para um sujeito com direitos diferentes, sujeito vulnerável, mais fraco”. p. 373.

299 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais: interpretação sistemática do direito . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 141.

informações desnecessárias impedem que o consumidor tome consciência do que é realmente importante.300

O comércio eletrônico possui, ainda, vulnerabilidades específicas. Há muitos produtos que são constituídos puramente por informações. Tais produtos são caracterizados por serem: intangíveis, herméticos (no sentido de serem singulares e dificultada a possibilidade de conhecê-los com base no conhecimento de outros produtos semelhantes), flexíveis e estão sempre se alterando, além de estarem “inseridos em um sistema de relações complexos, já que apresentam múltiplas interações com outros sujeitos ou outras partes.”301 O produto é um verdadeiro desafio para o consumidor!302

Há uma clara impossibilidade de o consumidor, nesse cenário, conseguir identificar os meandros desses serviços informáticos massificados, ficando ampliado o papel da confiança303, ou seja, ao consumidor só resta confiar.304 Em função da complexidade do ambiente, há uma grande assimetria informacional entre os atores e, consequentemente, uma ampliação da vulnerabilidade técnica dos consumidores.305 Nela, o consumidor não possui “conhecimentos específicos sobre 300 Idem. Ibid, p. 253

301 LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal y Asociados, 2003, p. 41. 302 Idem. Ibid, p. 41.

303 Ricardo Mena Barreto e Têmis Limberger ao comentarem sobre o aspecto da “despersonalização” do ciberespaço, destacam um ponto importante sobre a segurança. “A segurança advinda da interação presencial (física) é abalada, logo, pela complexidade de um espaço virtual. A interação via computador possui a propriedade de despersonalizar as relações, produzindo novas formas de sociabilidade. O ciberespaço promove e intensifica a efetivação de uma singularidade ordinária, onde é possível escolher um personagem, uma vida e máscaras de agir. A possibilidade de burla de identidade real é, portanto, um dos fatores que aumenta a desconfiança no ambiente virtual.”

304 LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal y Asociados, 2003, p. 62-63. “No se trata de un problema de negligencia, sino de una necessidad: se tuviera que verificar razonablemente cada acto, sería imposible vivir, y los costos de transacción serían altísimos. Es necesaria la confianza, porque ésta reside en la base del funcionamiento del sistema experto, inextricable y anónimo y es el lubrificante de las relaciones sociales.” O autor faz essa mesma constação em LOREZENTTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos. Buenos Aires: Rubinzal y Asociados. 2000. Tomo III, p. 863.

Nesse sentido também BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Ibid, p. 190. “O mesmo não acontece quando o homem contemporâneo entra em um avião. O passageiro só tem uma alternativa: confiar que todo o sistema tecnológico e as pessoas que estão trabalhando vão agir conforme o previsto.”

o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às característica do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços”.306

Bruno Miragem, ao falar especificamente do dever de informar dos fornecedores de serviços na internet, destaca que todos são vulneráveis tecnicamente, à exceção dos especialistas em informática. Ele menciona também três aspectos principais sobre os quais o consumidor não possui domínio:

“a) aspectos técnico-informáticos (armazenamento de informações,

segurança sobre os dados pessoais transmitidos pela rede, procedimento de acesso a determinadas informações), (b) aspectos decorrentes do caráter imaterial da contratação, ou ainda (c) do fato de ser celebrada à distância, bem como aspectos relativos à defesa e efetividade de seus direitos, como é o caso de contratações celebradas entre consumidores e fornecedores de cidades, Estados ou países distintos...”307

Com isso, é possível relacionar a ideia de vulnerabilidade técnica com a proteção da privacidade. Ela reflete-se no fato das pessoas conseguirem (ou não) entender e prever quais riscos podem estar expostas quando do processamento de seus dados. Há igualmente a ligação da vulnerabilidade com a complexidade do en su diseño, pero se presenta de modo simplificado frente al usuario, ocultando de este modo una gran cantidad de aspectos que permanecen en la esfera de control del proveedor. Puede afirmarse que la tecnologia incrementa la vulnerabilidad de los consumidores, instaurando un trato no familiar.”

306 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima.; MIRAGEM, Bruno. Ibid, p. 145. Os autores continuam, afirmando que “A vulnerabilidade técnica, no sistema do CDC, é presumida para o consumidor não-profissional, mas também pode atingir excepcionalmente o profissional, destinatário final fático do bem. Trata-se de exceção e não da regra, pois, como concluiu de forma unânime a 2ª Seção do STJ, citando a doutrina finalista e a ideia de profissionalidade, em relação envolvendo pessoa jurídica, profissional no fornecimento de serviços médicos e de exames, e que compra no exterior (Panamá) equipamento de ponta para exames médicos: “A compra e venda de sofisticadíssimo equipamento destinado à realização de exames médicos – levada a efeito por pessoa jurídica nacional e pessoa jurídica estrangeira – não constitui relação de consumo””

307 MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade por danos na sociedade da informação e proteção do consumidor: desafios atuais da regulação jurídica da internet. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 70, abr.-jun./2009, p. 74.

ambiente e também com a circunstância de que, muitas vezes, nem ao menos se sabe quais as empresas possuem dados pessoais. Desta maneira, a própria autodeterminação informativa, e a ideia de controle de dados, fica prejudicada em função da vulnerabilidade técnica308

.

308 Sobre isso ver RODOTÀ, Stefano. Ibid, p. 37: “Raramente o cidadão é capaz de perceber o sentido que a coleta de determinadas informações pode assumir em organizações complexas e dotadas de meios sofisticados para o tratamento de dados, podendo escapar a ele próprio o grau de periculosidade do uso destes dados por parte de tais organizações. Além disso, é evidente a enorme defasagem de poder existente entre o indivíduo isolado e as grandes organizações de coleta de dados: nessas condições, é inteiramente ilusório falar em controle.”

Parte II - A proteção de dados pessoais e o dever confidencialidade no Direito