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Parte I O valor da informação digital para a sociedade da

A.2- As heurísticas na tomada de decisões

Sobre os julgamentos relacionados ao risco e às ameaças digitais, há que se considerar o uso das chamadas heurísticas. Heurísticas podem ser definidas como:

“regras gerais de influência utilizadas pelos sujeitos para chegar aos

seus julgamentos em tarefas decisórias de incerteza e cita, como vantagens de utilização, a redução do tempo e dos esforços empreendidos para que sejam feitos julgamentos razoavelmente bons. As heurísticas reduzem a complexidade das tarefas de acessar probabilidades e predizer valores a simples operações de julgamento. Geralmente, as heurísticas são úteis, mas, por vezes, podem levar a erros severos e sistemáticos .”81

Os usuários, e algumas vezes até as empresas, não possuem informações completas sobre como lidar com os riscos de tecnologia. No entanto, quando possuem, é comum tomarem decisões que racionalmente não seriam as mais adequadas. São estes “erros”, ocasionados pelo uso de algumas heurísticas, que merecem estudo. Assim, o julgamento de uma situação perigosa82 (e aqui incluem-

81 MELO, Wilson Viera; KALIL, Lisiane Lindenmeyer; et al. O papel das heurísticas no julgamento e na tomada de decisão sob incerteza. Estudos de Psicologia, Campinas, n. 23(2), p. 181-189, abr –

jun/2006. Disponível em:

<http://www.iders.org/textos/o_papel_das_heuristicas_na_tomada_de_decisao.pdf>. Acesso em: 12 Fev. 2012, p. 182.

82 Um outro exemplo interessante é trazido por Ian Ayres: “The human mind tends to suffer from a number of well documented cognitive failings and biases that distort our ability to predict accurately. We tend to give too much weight to unusual events that seem salient. For example, people systematically overestimate the probability of 'newsworthy'” deaths (such as murder) and underestimate the probability of more common causes of death. Most people think that having a gun in your house puts your children at risk. However, Steve Levitt, looking at statistics, pointed out that 'on average, if you own a gun and have a swimming pool in the yard, the swimming pool is almost 100 times more likely to kill a child than the gun is.' ” AYRES, Ian. Super Crunchers: Why thinking-by-numbers is the new way to be smart. New York: Bantam Dell, 2007, p. 112.

se os riscos digitais) passa pela frequente utilização da “heurística da disponibilidade”. Esta é fundamentada no fato de que a:

“facilidade com que um determinado fato é lembrado ou imaginado

pelo indivíduo pode determinar uma hiper ou subestimação da probabilidade ou frequência desse evento ocorrer. Dessa forma, as pessoas julgam essa probabilidade pela facilidade de evocar exemplos em suas memórias. ”83

O exemplo trazido pelos autores envolve alguém que já foi vítima de um assalto (ou assista frequentes programas de TV sobre a violência urbana). Quando essa pessoa é questionada sobre o nível de violência em sua cidade, irá responder com mais intensidade do que os que não foram vítimas de um assalto. O mesmo aplica-se ao ambiente digital: a assimetria informacional faz com que os usuários subestimem os riscos, atuando de acordo com a heurística acima mencionada. Quem, por sua vez, passou por um recente incidente de segurança da informação (conta bancária invadida, computador invadido, conta da rede social invadida), tenderia, conforme a lição acima citada, a ficar mais sensível a riscos digitais84

.

A heurística da disponibilidade pode afetar não apenas os envolvidos em um incidente, mas também os juízes envolvidos no julgamento de uma ação. Esse problema pode influir diretamente na consideração da limitação ou estipulação de um dever legal. A verificação das probabilidades e do grau de cuidado esperado advindo de um dever legal, podem sofrer também a influência dessas heurísticas. A má-avaliação dessa situação pode levar à definição, em um julgamento, de que

83 MELO, Wilson Viera; KALIL, Lisiane Lindenmeyer; et al. Ibid, p. 184.

84 Ainda que estatísticamente o risco seja o mesmo. Neste sentido ver o contraponto de HARTMANN, Ivar Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de informação. Direito & Justiça. v. 38, n. 2, jul.-dez./2012, p. 161-162: “Na verdade, não temos problema algum em gerenciar riscos, mesmo riscos de vida. O que o indivíduo não aceita é que um risco de dano a ele seja gerenciado por outrém, sem seu devido conheci- mento e sua completa compreensão. E este é o ponto onde surgem as controvérsias, pois nosso sistema requer que deleguemos a administração de aspectos de nossa existência a outros...”

deveria ser esperado do agente um nível de cuidado muito maior do que o realmente necessário naquele momento.85

Bruce Schneier afirma que a heurística da disponibilidade está ligada também à chamada "probability neglect"86

. Nesse fenômeno, as pessoas tendem a ignorar as probabilidades da ocorrência de algo, quando estiver ligado a um conteúdo altamente emocional (como as ameaças de terrorismo, por exemplo). Enfim, a heurística da disponibilidade faz com que as pessoas superestimem riscos raros e subestimem riscos mais comuns.87

Já se disse que as pessoas reagem de formas diferentes frente às ameaças. Muitas vezes, os diversos comportamentos contrariam completamente as disposições matemáticas e estatísticas frente ao risco enfrentado88. De fato, há várias ponderações que podem ser feitas acerca da consideração de ocorrência de um risco digital: a severidade do risco, a probabilidade do risco, a magnitude do risco, o quão efetivas serão as medidas para mitigar os riscos e como os riscos e os custos podem ser comparados. A falta de informações e o erro em cima dessas escolhas afasta cada vez mais o agente da avaliação eficaz do risco.89

Há situações interessantes, envolvendo a maneira incorreta como são avaliados riscos e perigos. Em 2001, mais pessoas morreram em função de comida estragada do que em função dos atentados de 11 de Setembro (5000 contra 2973) e ainda assim os EUA gastaram dezenas de bilhões de dólares em segurança contra U$ 1.9 bi no orçamento inteiro da Food and Drug Administration (FDA) americana. A psicologia explicaria essas escolhas90

como absolutamente irracionais .91

85 FAURE, Michael G. Calabresi and Behavioural Tort Law and Economics. Erasmus Law Review. Volume 01 , Issue 04, p. 77

86 O termo é de difícil tradução, mas pode representar “a negligência na probablidade”.

87 SCHNEIER, Bruce. The Psychology of Security. Disponível em: <http://www.schneier.com/essay- 155.html>. Acesso em: 12 Fev. 2012, p. 16

88 Idem. Ibid, p. 1. 89 Idem. Ibid, p. 3. 90 Ou trade-offs

Situações como essa podem levar a uma atividade de produção de normas que pretenda controlar riscos cuja probabilidade é baixa ou cientificamente não comprovada de acontecer. Nos EUA, são conhecidos exemplos de leis que, inicialmente criadas para o combate de potenciais cibercriminosos ou para a defesa de ameaças digitais, são usadas contra pessoas fora desse contexto.92

Schneier também menciona a lição de David Ropeik e George Gray, que enumeram algumas dessas irracionalidades, cujas mais importantes são: 93

a) As pessoas temem mais riscos novos do que riscos que elas já conhecem e convivem há mais tempo. Um exemplo recente diz respeito à gripe suína que mata menos do que outras doenças mais antigas, mas tem gerado reações absolutamente exageradas da sociedade.

b) As pessoas temem mais riscos advindos do próprio homem do que riscos naturais. Os autores dizem que a população teme mais situações envolvendo a radiação nuclear do que a radiação solar, embora esta atinja bem mais pessoas na atualidade.

c) As pessoas temem menos situações de risco que, no entanto, conferem benefícios. O exemplo trazido pelo autor envolve algumas pessoas que moram em São Francisco – EUA, as quais, mesmo com os riscos de terremotos, preferem permanecer por gostarem do local ou por terem mais oportunidades de empregos. d) As pessoas temem mais situações de risco que possam matá-las ou afetá-las de formas terríveis. Teme-se mais, por exemplo, tubarões do que abelhas, embora mais pessoas morram no mundo por ataques de abelhas.

e) As pessoas temem menos as situações de risco da qual elas têm algum tipo de controle. Teme-se mais viajar de avião do que viajar de carro enquanto se está dirigindo, embora esta situação traga mais riscos.

92 OHM, Paul. Ibid, p. 1348-1349.

93 SCHNEIER, Bruce. Op. Cit, p. 4. apud David Ropeik and George Gray, Risk: A Practical Guide for Deciding What’s Really Safe and What’s Really Dangerous in the World Around You, Houghton Mifflin, 2002. Ao mesmo tempo, o já citado texto de Paul Ohm também retrata a questão das heurísticas e de tomadas de decisões aparentemente racionais em OHM, Paul. Ibid, p. 1364.

f) As pessoas temem menos situações de risco provenientes de lugares, pessoas, governos ou empresas conhecidas ou que elas confiem, mesmo que isso por si só, não altere em nada a probabilidade do risco.

Nesse sentido, cita-se o conceito de Fauare sobre racionalidade limitada, que resume, de certa forma, a preocupação sobre a tomada de decisões acerca de riscos:

“a noção de 'racionalidade limitada' não é nova no direito e economia comportamental. Foi introduzida por Herbert Simon para mostrar que os atores, muitas vezes, tomam atalhos na tomada de decisões que frequentemente resultam em escolhas que falham em satisfazer a previsão de maximização da utilidade

...

pequenas probabilidades podem ser superestimadas como resultado de grandes medos de desfechos negativos ou na esperança de desfechos positivos. As pessoas tendem, portanto, a se concentrar mais em resultados absolutos em vez da probabilidade de que um evento adverso possa ocorrer.94

Pelo que se pode perceber em relação às heurísticas e às nuances sobre a tomada de decisões acerca de controle de riscos, entende-se que ela aplica-se perfeitamente ao ambiente e aos riscos informáticos. O uso da Internet (que traz uma série de riscos digitais, muitas vezes negligenciados) é uma atividade bastante agradável para muitas pessoas. Como se pontuou anteriormente, o fato de uma atividade ser realizada com prazer, diminui a capacidade de as pessoas lidarem com os riscos advindos do seu uso.95 Essas questões afetam diretamente as decisões tanto das empresas responsáveis pela infraestrutura de informática, como dos usuários das tecnologias.

94 FAURE, Michael G. Ibid, p. 77.

95 Idem. Ibid, p. 87.: “One reason is the well-known affect heuristic: if an individual considers a certain activity to be useful and pleasant, the likelihood that he/she will realise that the consequences of the activity are damaging will be lower than if he/she dislikes or disapproves of the activity. ”