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2. Visões de Mundo dos Comunistas sobre o campo brasileiro

2.1. O ABC de Prestes

Nas colunas do Terra Livre, os patrões foram qualificados como indivíduos maléficos, e sem escrúpulos que impossibilitavam os trabalhadores rurais de ter uma vida digna e confortável. Ao contrário dos proprietários rurais, os lavradores foram classificados pelos jornalistas, como pessoas incapazes de praticar malefícios contra os patrões, como roubos e assassinatos. Inclusive, as seções do periódico foram espaços utilizados para a divulgação dos problemas vivenciados pelos lavradores no cotidiano, como a falta de terra para trabalhar, perseguição aos participantes de atividades sindicais e desrespeito aos direitos trabalhistas como 13° salário e salário-mínimo.

O Terra Livre realizou a propaganda dos sindicatos de trabalhadores rurais, no intuito de estimular a organização dos lavradores na luta por direitos. Tais movimentos sociais agrários, constituídos sob a égide da Ultab foram retratados pelo jornal como forças do bem, cujo objetivo era o de proteger os trabalhadores rurais da ameaça dos fazendeiros.

Na seção poetas do sertão foram publicadas poesias que retratavam as condições de vida dos homens do campo. Ao divulgar poemas, os jornalistas procuravam incentivar os trabalhadores a lutar pela realização da Reforma Agrária, pela melhoria das condições de vida e pela sindicalização.

A coluna Conheça seus Direitos informou os trabalhadores sobre os benefícios garantidos pela legislação trabalhista. O colunista Lindolfo Silva era liderança camponesa e possuía conhecimento sobre os direitos dos lavradores, razão pela qual foi responsável por assinar as matérias desta seção.

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Resoluções da Política de Imprensa do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Este documento foi apreendido pelos policiais do DEOPS/SP e anexados aos relatórios de investigações. Todavia, não conseguimos identificar o período que o documento foi escrito.

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O Terra Livre possuía linguagem simples, para que os trabalhadores entendessem as mensagens veiculadas. Portanto, este periódico explicou de forma didática as diretrizes do partido aos leitores.

O Programa de Luiz Carlos Prestes foi publicado pelo jornal sem linguagem partidária, para que o homem do campo entendesse as diretrizes do partido, aprovadas no IV Congresso do PCB. Antes de desenvolvermos uma análise sobre este programa, foi necessário transcrever abaixo algumas estrofes do ABC de Prestes.

Aqui cumpadre, de novo

Trago o Programa de Prestes de novo Programa de todo o povo

Do sul do Norte ou do Nordeste

Belo Programa de fato Carece muita atenção Ei só por isso que eu trato De elogiar sua ação

Confiscar todas as Terras Dos tais latifundiários Fazê todo camponês Também sê proprietário

Dividir as grandes terras

Tendo a lei por garantia O roceiro vai finalmente Vai viver feliz um dia Então terá sua posse Como um dono verdadeiro Para sempre libertado Da mardade do grileiro

Fazê tudo pra acabá Com a terça e a meação Não dá serviço de graça Nem tê vale e barracão...47

A linguagem pronunciada pelos trabalhadores no cotidiano foi incorporada nas estrofes pelos editores do jornal Terra Livre, com a finalidade de estimulá-los a lerem as teses do partido para o campo. Os termos “roceiro”, “mardade” e “fazê” eram pronunciados pelos trabalhadores rurais, por esta razão foram incorporados no ABC de Prestes.

Na quarta estrofe, os grileiros foram rotulados como indivíduos que praticaram arbitrariedades contra os lavradores, como violência física para que os últimos fossem expulsos das terras em que trabalhavam. Portanto, o Terra Livre considerou os grileiros como

47 O ABC do Programa de Prestes foi publicado pela primeira vez no exemplar TL, ano VII, São Paulo, 1ª quinzena de julho de 1954, n°58.

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inimigos da classe trabalhadora no meio rural, com a finalidade de estimular os lavradores a lutarem pela posse das terras que cultivavam. A partir deste pressuposto, o jornal qualificou grileiros, como pessoas sem caráter e sem sentimentos, capazes de praticar assassinatos e violência sexual contra as mulheres dos posseiros. No ABC de Prestes, a Reforma Agrária foi considerada como projeto, que colocaria fim à violência praticada pelos grileiros contra os posseiros. Portanto, a Reforma Agrária foi qualificada como meio de distribuir as terras aos lavradores que estavam sendo expulsos das áreas que cultivavam. O fim dos latifúndios foi considerado pelos comunistas como forma de acabar com a violência no campo e do domínio de fazendeiros.

A publicação do ABC de Prestes foi estratégia adotada pelos jornalistas, no sentido de mobilizar os trabalhadores rurais para a estratégia do PCB que era a tomada do poder, por meio da realização de uma “Revolução Anti-imperialista e Antifeudal”. A referida estratégia foi defendida nos manifestos de 1948 e 1950 e legitimada no IV Congresso do partido realizado em 1954.

A Reforma Agrária foi classificada no poema, como projeto fundamental para o país se libertar do julgo imperialista e dos restos feudais presentes na economia brasileira. Os comunistas interpretavam os sistemas de parceria, colonato e arrendamento como indícios da existência de restos feudais. Na concepção dos pecebistas, a realização da Reforma Agrária extinguiria “restos feudais” e que os homens do campo se tornariam pequenos proprietários e sairiam da situação de miséria que se encontravam48. Caio Prado Jr manteve posição oposta à tese dos “restos feudais” e defendeu a tese de que na economia brasileira não existia restos feudais. Conforme o autor:

Os pólos principais da estrutura social do campo brasileiro não são o “latifundiário”, ou o “proprietário senhor feudal ou semi-feudal” de um lado, e o camponês de outro; e sim respectivamente o empresário capitalista e o trabalhador agregado, assalariado ou assimilável econômica e socialmente ao assalariado (PRADO JR, 1966, p.162).

Os comunistas entendiam que o latifúndio era empecilho ao desenvolvimento da economia brasileira e responsável pela miséria que os brasileiros se encontravam. Muitos trabalhadores rurais sequer possuíam terra para cultivar alimentos. Os pecebistas acreditavam que o fim dos latifúndios e que a formação de pequenas propriedades dariam condições aos camponeses para sustentarem seus familiares. Os membros do PCB alegaram que, com a Reforma Agrária, os lavradores deixariam de serem submetidos a jornadas de trabalho que

48 PRESTES, L.C. Manifesto de 1950. In; O Partidão: A Luta por um Partido de Massas. São Paulo: HUCITEC, p.142.

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ultrapassavam 08h diárias. A defesa da formação de pequenas propriedades no país estava prescrita no manifesto de agosto, porém ela foi reforçada no IV Congresso do PCB. Na visão dos comunistas, o sistema do colonato, de parceria e da meação eram entraves ao desenvolvimento da nação.

É importante compreendermos que a interpretação do partido acerca da existência de restos feudais foi criticada de forma veemente por Caio Prado Jr. De acordo com este intelectual, “trata-se de uma interpretação errônea a de que as relações de trabalho baseadas no regime de parceria e colonato eram indícios da existência de resquícios das relações feudais no Brasil” (PRADO JR, 1966, p.78).

Se o termo “restos feudais” fosse utilizado no ABC de Prestes, o público não compreenderia o seu significado. Trata-se de um termo de cunho partidário, que não era pronunciado pelos homens do campo.

Segundo os comunistas, a extinção dos restos feudais colocaria fim a terça, a meação e o trabalho de graça efetuado pelos trabalhadores rurais durante alguns dias dos anos, prática que na região Nordeste do país, se denominava, “cambão”. Estas práticas foram classificadas por Alberto Passos Guimarães, como “indícios da existência de restos feudais”. Portanto, o autor classificou as mesmas como de caráter pré-capitalista (GUIMARÃES, 1968, p.99). Guimarães considerou que as referidas relações de trabalho não eram de caráter assalariado. Por tais práticas, os patrões procuravam assegurar durante o ano, mão de obra para as atividades agrícolas. Segundo Prado Jr, não existia restos feudais, pois a economia feudal era estruturada por pequenos produtores individuais e constituídas de unidades familiares em que a produção era voltada para a subsistência. Portanto, na perspectiva deste intelectual, “foi erro histórico afirmar que existia feudalismo no Brasil” (PRADO JR, 1966, p.79).

O ABC de Prestes foi publicado pela segunda vez, tendo seu título modificado para ABC do lavrador. Nesta segunda publicação, as estrofes são acompanhadas de desenhos feitos por Virginia Artigas49.

Figura 4- O ABC do lavrador

59 Fonte: TL, Ano VII, 1ª quinzena de julho de 1956, n° 67.p.4

Nas gravuras, os trabalhadores demonstram interesse em aderir ao IV Programa do Partido e se mobilizarem em prol da realização da revolução antifeudal e anti-imperialista. TL, Ano VII, 1ª quinzena de julho de 1956, n° 67.p.4

2.2. O Terra Livre e os Regimes Comunistas

Por ser dirigido pela direção pecebista, o Terra Livre realizou a propaganda de regimes comunistas com o objetivo de legitimar perante o leitor a premissa de que o socialismo deveria ser instituído no Brasil. Inclusive, editores do jornal procuraram conscientizar os trabalhadores rurais para que estes acreditassem que a instituição do comunismo no Brasil traria benefícios, como a extensão dos direitos sociais trabalhistas ao campo e à realização da Reforma Agrária.

Representações foram constituídas pelos jornalistas acerca de políticos cubanos, chineses e coreanos. Portanto, homens públicos socialistas foram considerados pelo jornal como pessoas idôneas que trabalhavam em prol dos “interesses do povo” e que lutavam