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2 A OBRA DO CONGRESSO CATÓLICO DE PERNAMBUCO E A

2.1 Abertura do Congresso Católico de Pernambuco: o discurso de Dom

Recife, 22 de junho de 1902. Nessa data, um domingo, ocorria, na Igreja do Divino Espírito Santo, a abertura oficial do Primeiro Congresso Católico de Pernambuco, promovido pela Diocese de Olinda. O interior do templo estava cheio de convidados para assistir a celebração da missa e o discurso inaugural do evento, que seria proferido pelo bispo diocesano, Dom Luiz Raimundo de Brito. À entrada do bispo, o coral do Colégio Salesiano do Sagrado Coração fez a saudação ao som do hino Ecce sacerdos magnus.193

Segundo o relato da sessão de abertura, ao término da missa Dom Luiz de Brito ocupou sua cadeira de Presidente de Honra do Congresso, sendo acompanhado por autoridades políticas, militares e eclesiásticas que foram se acomodando em seus respectivos lugares, na Capela-Mor da Igreja. Entre as principais autoridades, destaque para o representante do Governador do Estado, o Vice-Governador, o representante do Comandante da Brigada Policial, o representante do General Comandante do Distrito Militar, além de altas dignidades do clero. Já abaixo do altar-mor, a assistência se caracterizava pela diversidade de condições e profissões: deputados e senadores estaduais, lentes dos cursos superiores e secundários, magistrados, advogados, médicos, engenheiros, comerciantes, representantes de associações artísticas, funcionários civis, militares, oficiais da Guarda Nacional, sacerdotes, seminaristas, comissões de Irmandades e Confrarias, o Presidente e representantes da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco, membros da Sociedade Beneficente do Ferro Carril e da Corporação Operária de Camaragibe e muitas famílias da elite pernambucana. Além disso, na entrada da Igreja havia grande número de populares.194

193

Acervo CEHIBRA – Arquivo Fundação Joaquim Nabuco. Coleção Carlos Alberto de Menezes,

Sessão Solene de Abertura. In: Anais do Congresso Católico de Pernambuco, 1902, p. 14. Série Produção Intelectual, Pasta 01.

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O Primeiro Congresso Católico Brasileiro, realizado na Bahia, havia estabelecido, entre suas resoluções, o caráter permanente da Obra dos Congressos e determinara junto aos seus delegados diocesanos, ou seja, os bispos brasileiros, que convocassem, anualmente, Congressos Diocesanos em suas sedes, que serviriam como foros privilegiados para a união e discussão das questões específicas de cada comunidade, e também como etapa preparatória para a realização, a cada três anos, de Congressos Gerais. No entanto, um ano depois da sua realização, poucas foram as Dioceses, como a de São Paulo, que conseguiram atender a tal solicitação.

Em Pernambuco, a explicação mais provável para esse adiamento foi a prolongada ausência na direção da Diocese de Olinda. O bispo anterior a Dom Luiz Raimundo de Brito foi Dom Manuel dos Santos Pereira, que esteve à frente da Diocese entre 1893 e 1900, até sua morte, em abril daquele ano. Porém, a chegada do seu substituto somente ocorreu em junho de 1901, ou seja, mais de um ano após a morte de Dom Manuel.195

Essa possível explicação para o adiamento do Congresso é reforçada pela Circular de Convocação do Congresso. Nela, a sua Comissão Organizadora informava que, por motivos diversos (infelizmente não mencionados), a Diocese de Olinda não pudera realizá-lo no ano anterior, como previsto, mas, que, graças à chegada e ao empenho de Dom Luiz de Brito, finalmente ocorreria: “Felizmente o Senhor concedeu-nos, em boa hora, um Bispo que sabe amar e honrar sua Diocese, mostrando-se zeloso pela sustentação de seus foros de nobreza”.196

Segundo Silva, o maranhense Dom Luiz de Brito pautaria sua atuação à frente da Diocese de Olinda, principalmente: primeiro, pela prática das visitas pastorais que o levaram a percorrer toda a extensão da Diocese, que, na época, compreendia além de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará; segundo, pelo planejamento da reestruturação da Província Eclesiástica de Pernambuco, o que resultou, posteriormente, na criação de novas dioceses. Ainda de acordo com o autor, era um período “em que a Igreja buscava retomar espaços junto à sociedade política e Dom Luiz Brito sempre promoveu, entre os católicos, o

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Anais do Congresso Católico de Pernambuco, 1902. Op. Cit.

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espírito cívico e de colaboração com as autoridades, prática que teve sequência com seu sucessor”.197

Em 1910, quando a Diocese de Olinda foi elevada à condição de Arquidiocese, Dom Luiz se tornou o seu primeiro Arcebispo, o que parecia ser uma confirmação dos seus decantados “foros de nobreza”.198 Portanto, a prestigiosa Diocese não poderia ficar de fora de um movimento que prometia organizar e levantar o ânimo dos dispersos católicos brasileiros.

Ainda em sua sessão preparatória, Dom Luiz de Brito destacou que:

Sem os Congressos os católicos permanecem desunidos e o bem não se desenvolve; eles representam a organização da ação católica, tanto mais urgente quanto segue adiantada a organização da ação contrária, não podendo os filhos da luz se deixarem vencer pelos filhos das trevas.

Por outro lado, era preciso que Pernambuco não se deixasse ultrapassar pelas outras Dioceses que já entraram no movimento iniciado na Bahia, pelo Primeiro Congresso Brasileiro.199

Na palestra A Obra dos Congressos Católicos – sua organização na Diocese e sua ação permanente, proferida pelo bacharel Luiz Cavalcanti Lacerda de Almeida, na seção de “Obras Religiosas” do Congresso de Pernambuco, o palestrante mencionou o quanto essa Obra era valorizada e incentivada pelo papa Leão XIII, enquanto ação social moralizadora

‘É mister, diz o grande Leão XIII, é mister que revestidos de coragem desçamos à liça’. Desçamos, pois à liça, é ‘opondo imprensa contra imprensa, escola contra escola, associação por associação, congresso por congresso, ação por ação. Formemos um apostolado leigo ou secular, que pela honestidade de seus costumes, pela integridade de sua vida, pela força de seu exemplo, e mais ainda pela sua ação pública, social, auxilie a apostolado do clero’. Unamo- nos, sim, meus Srs, o instante é gravíssimo e não permite desalentos.200

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O sucessor foi Dom Sebastião Leme, considerado, por muitos, a principal liderança do movimento da “Ação Católica” no Brasil. Cf. SILVA, 2006. Op. Cit. p. 22.

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É importante destacar que tais “foros de nobreza” que caracterizariam a Diocese de Olinda, deviam-se tanto à antiguidade da diocese, uma das mais antigas instaladas no Brasil, em 1676, quanto devido ao imaginário nativista que enaltecia o “nobre” papel desempenhado pelo “Povo de Pernambuco, principalmente a participação da sua elite política, econômica e eclesiástica nas lutas pela libertação da pátria, principalmente no episódio da luta pela expulsão dos holandeses, como indica Evaldo Cabral de Mello em seu estudo. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

199

Sessão Solene de Abertura. Anais do Congresso Católico de Pernambuco, 1902. Op. Cit. p. 7.

200

Conferência A obra dos Congressos Católicos – sua organização na Diocese e sua ação permanente, proferida pelo bacharel Luiz Cavalcanti Lacerda de Almeida. In: Anais do Congresso Católico de Pernambuco, 1902, p. 60. Op. Cit. Grifo nosso.

Além de Leão XIII, outro destacado defensor da expansão da Obra dos Congressos Católicos citado pelo palestrante era o padre Dehon. Referindo-se ao difícil momento vivido pela Igreja, principalmente após o início da “Questão Romana” que, do ponto de vista da Igreja, significava um verdadeiro aprisionamento do pontífice, o bacharel acentuou o apoio do padre Dehon à expansão dos Congressos, pois, segundo o religioso, somente eles poderiam fornecer a unidade necessária para o combate aos inimigos da Igreja:

É preciso que nos entendamos para uma ação tão vasta e tão difícil. E como fazê-lo senão por meio dos Congressos? Qual seria o resultado se empreendêssemos um trabalho todo isolado, se nos empenhássemos em combates individuais? Reforma-se uma sociedade sem um plano de acordo, sem uma completa harmonia de vistas para a ação? Como determinar por si só aquilo que se tem de pedir à iniciativa privada, as corporações e a ação do Estado? Que largueza de vistas poderia ter um homem que nunca houvesse saído de sua casa, que jamais tivesse tido contato com homens de outras províncias ou mesmo de outros países? Quem não reconhece a necessidade de, antes de agir, entrar em relação com a elite dos homens de estudo e dos homens de ação, junto aos quais se encontram luzes e animação?.201

Fica evidente que a obra dos Congressos constituía uma estratégia com o objetivo de reunir e organizar os católicos em uma unidade de direção que pudesse expandir a doutrina da Igreja e planejar os meios de dar combate efetivo àqueles considerados seus inimigos. Em curso na Europa desde o pontificado de Pio IX, tornara-se um dos mais importantes instrumentos da Reforma Católica. Países como Itália, França, Alemanha, Portugal e México, já tinham promovido seus Congressos.202

Em relação à organização do Congresso Católico de Pernambuco, vale salientar a presença, em sua Comissão Organizadora, de dois importantes personagens relacionados à Fábrica de Camaragibe: Carlos Alberto de Menezes e Pierre Collier (no total eram três os integrantes da Comissão, sendo o terceiro membro o representante do clero católico, o Monsenhor Augusto F. Moreira da Silva). Terminada a etapa preparatória, Menezes foi designado para o cargo de Presidente Executivo do Congresso, além de Presidente da sua 2ª seção dedicada às “Obras Sociais” (as outras duas seções eram as das “Obras de Ação Religiosa” e

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A Obra dos Congressos Católicos – sua organização na Diocese e sua ação permanente. Op. Cit. p. 63. O empenho do padre Dehon na propagação dos Congressos Católicos resultou, inclusive, na publicação do livro “Os Nossos Congressos”, em 1897.

202

as de “Educação, Instrução e Imprensa”).203 O papel desempenhado pelos dirigentes do projeto de Camaragibe na organização do Congresso Católico de Pernambuco demonstra tanto uma condição de proeminência, e mesmo de liderança entre os leigos da Diocese, quanto sua estreita colaboração com as autoridades da Igreja.

Estavam aptos a participarem do Congresso, conforme expresso no artigo 3º dos seus estatutos: a) delegados de associações católicas e instituições oficiais eclesiásticas; b) católicos conhecidos por sua fé e práticas religiosas; c) católicos seculares e regulares; d) pessoas convidadas pela Comissão Diretora.204

Em seu discurso de abertura, Dom Luiz de Brito discorreu sobre as linhas gerais que orientariam os trabalhos do Congresso. Em primeiro lugar, apelou à consciência dos católicos “chamando-os ao campo do combate pacífico, em que a arma é a caridade e a conquista é a vida eterna”.205 O bispo lembrava aos presentes que cada pessoa possuía duas Pátrias, uma terrestre, outra celestial, que, longe de serem antagônicas, na verdade seriam harmônicas, “pois as qualidades que nos tornam dignos da Pátria Celeste tornam-nos mais dignos da Pátria Terrestre” 206. E conclamava a todos os católicos a serem soldados na causa da defesa da Igreja ferida.

Referindo-se à liderança do papa Leão XIII, o bispo abordou a crise enfrentada pela Igreja cuja principal causa seria o individualismo que afastava o homem da autoridade de Deus, representada pela instituição. Traçando um paralelo entre o martírio do Cristo e as misérias que acometiam a humanidade, Dom Luiz evocou a figura do “Povo”, que estaria representada pela totalidade dos membros que compunham a sociedade, portanto, desde o rico ao proletário, do grande ao humilde, constituindo, assim, uma “grande família, em que todos são irmãos, tendo um só Pai que é Deus”.207 No entanto, essa família estaria enferma, sendo objetivo da Obra do Congresso estudar os meios práticos para a sua cura. Caberia, então, a todos os católicos, o clero e os fiéis, se unirem no atendimento aos males sociais e no combate aos inimigos do catolicismo como o Protestantismo e o Socialismo,

203

Circular de Convocação do Congresso de Pernambuco In: Anais do Congresso católico de Pernambuco. Op. Cit. p. 4.

204

Circular de Convocação do Congresso de Pernambuco In: Anais do Congresso católico de Pernambuco. Op. Cit. p. 5.

205

Discurso de Abertura do Congresso Católico. In: Anais do Congresso Católico de Pernambuco. Op. Cit. p. 15.

206

Discurso de Abertura do Congresso Católico. Op. Cit. p. 15.

207

sendo a propagação dos Congressos Católicos e das Conferências Vicentinas elementos fundamentais dessa luta:

Não são só os padres que têm o dever de vir em socorro das necessidades sociais; cada um de vós tendes igual dever, e é essa união maravilhosa dos fieis com seu clero que constitui a admirável estrutura do corpo místico de Jesus Cristo. Vamos, pois, a obra!

Organizemos definitivamente nossos Congressos Católicos; desenvolvamos e propaguemos os meios de piedade cristã; generalizemos a grande obra das Conferências de São Vicente de Paulo, e façamos que todos a procurem como posto de honra neste grande combate.208