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3 A CORPORAÇÃO OPERÁRIA DE CAMARAGIBE: limites e

3.2 O Conselho Profissional de Camaragibe

Como dissemos acima, os Conselhos Profissionais foram criados com o objetivo de tratar das questões diretamente ligadas ao funcionamento dos diversos setores de produção da fábrica. Representavam, portanto, sete seções: 1. Fio e Fiação; 2. Tecelagem, Urdideiras e Engomadeiras; 3. Enfardamento e Acabamento em Cru; 4. Tinturaria e Acabamento em Branco; 5. Motor e Oficinas; 6. Fábrica de Tijolos, Serviço Externo e Empregados da Corporação; 7. Serviços não Classificados.

No quinto relatório da Corporação Operária obtemos mais informações sobre suas características:

Uma notícia que não pode deixar de ser grata a todos nós, operários, é a da criação dos Conselhos Profissionais para homens e senhoras em sessão plena de 13 de setembro. Estes Conselhos ‘são uma

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instituição que tem por fim pôr os simples operários em contato mais direto com seus chefes, de forma a dar-lhes não somente uma certa co-participação na Direção da Fábrica, mas também a permitir-lhes exprimir suas idéias e seus desejos em tudo o que se refere a vida do trabalho.307

A descrição sobre os objetivos dos Conselhos Profissionais parece bastante reveladora, pois ela sugere a existência de uma distinção entre o simples operário, que estaria representado nos Conselhos Profissionais, e os operários eleitos e nomeados para ocupar os cargos do Conselho Central da Corporação, o que reforça a sugestão de uma diferenciação entre eles. Segundo o mesmo relatório eram atribuições do Conselho Profissional: 1. velar sobre os acidentes de trabalho, estudando as causas que poderão determiná-los e os meios de impedi-los; 2. notar as questões de comodidade e bem estar da fábrica, tais como o calor, a ventilação, a limpeza, a água potável, os lavatórios, as latrinas, transmitindo os desejos dos camaradas a respeito; 3. ocupar-se da aprendizagem, que tem de ser levada a altura de verdadeira formação profissional completa, séria, rigorosa, segundo as regras que iriam ser estabelecidas, conferindo-se diplomas aos habilitados; 4. estabelecer o concurso de cada ofício para se apurar e premiar a proficiência dos melhores operários; 5. ocupar-se do trabalho sob o duplo ponto de vista da produção e da perfeição, assinalando as causas que estiverem perturbando uma e outra; 6. representar os desejos dos camaradas a respeito de salários, preços de mão de obra, modo de contar sobre o trabalho feito etc; 7. comunicar os mesmos desejos e aspirações quanto à disciplina, praxes, regras estabelecidas etc; 8. prestar aos associados toda a sorte de serviços diretos, ou servindo-se de intermediários, entre eles e os chefes.308

Portanto, o Conselho Profissional teria sido criado com o objetivo de possibilitar a abertura de um canal de comunicação direta entre o simples operário e a direção da fábrica, a fim de tanto encontrar meios de aumentar a sua eficiência na produção quanto melhorar suas condições de trabalho. Contudo, sua criação, pelo menos no primeiro momento, parece ter provocado a desconfiança dos operários, pois informa o relatório que “os Conselhos Profissionais já vão sendo compreendidos pelos nossos companheiros que, a princípio, os receberam com

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Corporação Operária de Camaragibe, 5º Relatório 1903. Op. Cit. p. 4. Grifos nossos.

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desconfiança, por isso que os operários desconfiam sempre das inovações que se fazem a seu respeito, principalmente se essas inovações partem de seus chefes”.309

No entanto, consideramos importante destacar que tal possibilidade de comunicação com os chefes sobre os problemas relacionados tanto à produção quanto com a melhoria das condições de trabalho era, possivelmente, estranha à realidade das demais fábricas brasileiras, como indicam os numerosos periódicos operários que, assim como a Aurora Social, denunciavam as condições insalubres a que estavam sujeitos os operários.310

A leitura dessas atas indica que os assuntos discutidos, na maioria das vezes, relacionavam-se à melhoria das condições de trabalho e aperfeiçoamento da produção, como por exemplo: a abertura de uma janela ou a instalação de um ventilador; a reposição de uma peça ou conserto de uma máquina; a pintura de uma sala ou reforma das latrinas; a queixa contra um mestre ou a reivindicação de um aumento de ordenado por parte de um operário; e até pedidos considerados impertinentes como a permissão para fumar no espaço da Tinturaria.311

Os pedidos eram apreciados e resolvidos diretamente pelo gerente, não tendo, portanto, a maioria das decisões o caráter do respaldo dos votos dos conselheiros, ao contrário do que geralmente ocorria nas resoluções do Conselho Central. Contudo, havia também espaço para tais discussões, como foi o caso, por exemplo, da sessão de 04 de agosto de 1904, na qual foi apreciado um projeto encaminhado por Menezes com relação às multas impostas aos operários da fábrica. Após o debate do projeto, ficou estabelecido que “o operário não pode livrar- se das multas sem a justificação dada pelo gerente ou pessoa que esteja exercendo seu cargo e sendo justificada dentro da mesma semana”. A resolução era acompanhada por um artigo único que discriminava as multas previstas: “Aquele que perder ¼ do trabalho pagará 5 00 rs, ¾, 10 00 rs...”.312

Em relação à análise dos limites e possibilidades de participação dos operários através do Conselho Profissional, as sessões de 20 de setembro e 04 de

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Corporação Operária de Camaragibe, 6º Relatório 1903. Op. Cit. p. 8.

310

Para mais informações ver RIBEIRO, Maria Alice Rosado. Condições de trabalho na indústria

têxtil paulista (1870 - 1930). São Paulo: Hucitec, 1998.

311

Sessão de 05 de novembro de 1902. Ata do Conselho Profissional (1902 – 1906). Coleção Fábrica de Camaragibe, Série Miscelânea. Acervo Fundaj. O pedido foi rejeitado na sessão de 19 de novembro e o comissário admoestado que “não achava este pedido justo, e que nenhum conselheiro levasse em sessão pedidos que não fossem com uma idéia de melhoras, quer do trabalho, quer do operariado”.

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outubro de 1905 tornam-se significativas313. Na primeira, após uma série de reivindicações apresentadas pelos conselheiros, Collier afirma que

o interesse que tinha em fazer tal sessão não era somente para saber o movimento dos trabalhos como também pedir-nos um auxílio com relação aos trabalhos. Disse que tínhamos o cuidado de levar ao seu conhecimento qualquer reclamação ou combinação ficando ele responsável para resolver tudo isso, mas que não devia assim fazer sem termos mais cuidado de não só fazer as reclamações como também procurar os meios para se modificar aquele defeito... Deveríamos estudar e combinar com nossos companheiros os meios de modificar os trabalhos de dar melhor produção que sobre isso já tinha falado com o Dr. Brito para serem gratificados não só os conselheiros profissionais como também qualquer operário que apresentar uma boa idéia em benefício da Companhia, ou mesmo dos operários...314

Na sessão seguinte, essa passagem da ata foi reprovada pelo presidente, o qual alegou “que não tinha retirado o direito de fazermos nossas reclamações e sim tinha pedido que quando fizessem uma reclamação procurassem também um meio para modificá-la”.315

Independente de ter havido, ou não, uma má interpretação, o importante é registrar que o presidente garantiu aos conselheiros que podiam continuar apresentando suas reivindicações e reclamações no espaço do Conselho, desde que dentro dos limites permitidos pelos Estatutos da Corporação, o que, sem dúvida, constituía uma prática incomum nas fábricas brasileiras, como indica o estudo de Rago316 pois permitia uma certa co-participação na Direção da Fábrica.317 Contudo, a análise das atas das assembleias do Conselho Profissional nos permite afirmar que, em comparação ao Conselho Central, esta seção do Conselho Corporativo possuía um menor grau de poder decisório, pois ficava reservado ao Conselho Central a administração das associações destinadas ao benefício dos operários.

É importante também destacar que havia uma separação entre o Conselho Profissional dos homens e o das mulheres, embora infelizmente somente tenhamos localizado as atas das reuniões do Conselho Profissional masculino. Entretanto, salientamos que não deixa de ser significativa a criação de um espaço específico

313

Sessão de 04 de agosto de 1904. Op. Cit.

314

Sessão de 20 de setembro de 1905. Ata do Conselho Profissional. Op. Cit.

315

Sessão de 04 de outubro de 1905. Ata do Conselho Profissional. Op. Cit.

316

RAGO, 1985. Op. Cit.

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para as discussões e reivindicações femininas, em um ambiente fabril, na Primeira República brasileira, mesmo que tal separação tenha sido motivada pela concepção moralizadora que orientava o plano industrial da fábrica.