• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I. FISCALIZACION Articulo

ARTÍCULO 6. PROMOCIÓN DE LA SALUD Y PREVENCIÓN DEL CONSUMO.

4.3 Abjeção e estigmatização

No contexto da discussão sobre a Lei 1566 de 2012, no Congresso da República na Colômbia, o congressista Elias Raad considerou a importância do atendimento integral à população usuária de drogas, recuperando a ideia de que o viciado é um “sujeito de especial atenção estatal”:

Comparto con el doctor Teleforo Pedraza la importancia de este proyecto de ley y de que Colombia avance en una atención integral al paciente o al enfermo, adicto a sustancias psicoactivas o estupefacientes. La Corte Constitucional en su sentencia 814 del 2008, señalaba que quien sufre de farmacodependencia es un sujeto de especial atención estatal, pues a la luz de la carta política y de la jurisprudencia constitucional, se trata de una persona que padece una enfermedad que afecta su autonomía y autodeterminación, pone en riesgo su integridad personal y perturba su convivencia familiar, laboral y social, así, la atención en salud que se requiera para tratar un problema de drogadicción crónica debe ser atendida por el sistema integral de seguridad social en salud, bien a través de las EPS, de los regímenes contributivo y subsidiado, o mediante instituciones públicas o privadas que tengan convenio con el Estado. (COLOMBIA, 2012, Video 1, Minuto 106:40).

Na fala do congressista se identificam dois elementos importantes. O primeiro remente ao fato de a pessoa “viciada” precisar de um atendimento integral – ainda que ele não dê mais detalhes sobre o que significa esse “atendimento integral”, quando se inicia, quando deve finalizar e quais deveriam ser as suas realizações. O segundo elemento importante é que em sua fala ele considera o viciado em drogas como um “doente” que carece de “autonomia e autodeterminação”. Essa situação influencia de forma negativa os diversos âmbitos em que se desenvolve a pessoa (familiar, laboral, social), portanto, precisa de tratamento para superar seu problema, para conseguir se governar novamente.

O viciado é, portanto, alguém que não tem o juízo para tomar boas decisões e que, de maneira geral, está em constante conflito nas diversas esferas da sua vida. Isso justificaria criar uma série de mecanismos e instâncias para ajudar essa pessoa a colocar em “ordem” sua vida e atuar conforme um sujeito “normal” – ou seja autônomo, dono de si e das suas ações (um indivíduo, no sentido ocidental do termo).

Pode-se observar que, ao se identificar como operam as ideias de poder e mecanismos de classificação das pessoas (como normais/anormais, abjetos ou desviantes), surgem diferentes órgãos, especialistas e instituições envolvidas. Destaco, assim, que as leis são instrumentos que constroem as ações “certas” e as “erradas” nas sociedades. A partir daí, fica definido que a pessoa que infringe essas regras se torna marginal legal e, provavelmente, moral. Nesse sentido, Becker (2009) considera que o desenvolvimento “normal” das pessoas nas sociedades atuais pode ser olhado como uma série de compromissos progressivamente crescentes com normas e instituições convencionais.

Outro congressista, Jorge Enrique Rozo, representante do Partido Cambio Radical, considera que o tema da atenção integral à população consumidora de substâncias psicoativas passa pela saúde mental. É ali que se deve atender ao sofrimento pessoal que viveu a pessoa (em sua família, em seu local de origem) e que o levou à decisão de consumir drogas:

[…] a estas personas a que las atiendan en unos centros especiales, aquí tenemos que hablar de la familia de esa persona, porque esas personas que llegan a caer en ese tema del consumo de SPA, pues son personas que tienen o han tenido problemas en sus hogares en sus familias, temas afectivos, situaciones de maltrato intrafamiliar, en fin todos estos temas, que hacen que las personas lleguen a caer en esta situación, por eso cuando se habla de una atención integral, eso va mucho más allá de llevarlos a unos centros de rehabilitación, entonces por eso es importante tener en cuenta aquí de donde va a salir los recursos para la atención, de hecho me parece que es un proyecto bueno, pero tengo esas dudas grandes y yo invitaría al congreso y al gobierno nacional para que miremos a ver si hacemos una reforma integral del sistema de salud. (COLOMBIA, 2012, Video 1, Minuto 115:18).

Interessante notar que a fala do congressista não propõe apenas um indivíduo autônomo como desejável, mas também uma noção de família como exemplar – enquanto outras formações familiares produzem traumas (pelos conflitos e maus tratos). Essas famílias, ele identifica como foco do problema que leva ao consumo de drogas, considerando todas as possibilidades de utilização de substâncias psicoativas a partir de uma perspectiva negativa. Ignora, portanto, outras possíveis razões de uso, como a diversão, o questionamento e a transgressão de normas, ou o enfrentamento de dificuldades vivenciadas na relação com a sociedade de forma mais ampla.

Percebe-se que o usuário de drogas – especialmente aquele que vai além do uso de uma dose individual – independentemente da motivação, termina como um abjeto, aquele que está fora do mundo da “normalidade”, aquele que sobra diante da classificação, como o diz Butler:

O abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas "inóspitas" e "inabitáveis" da vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do "inabitável" é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito. Essa zona de inabitabilidade constitui o limite definidor do domínio do sujeito; ela constitui aquele local de temida identificação contra o qual — e em virtude do qual — o domínio do sujeito circunscreverá sua própria reinvindicação de direito à autonomia e à vida (BUTLER, 2000, p. 153).

Esta análise de Butler (2000) ajuda na compreensão de que o abjeto é aquele que não goza do status de sujeito; percebe-se como alguém que perdeu parte de seus direitos. Nesse sentido, pode-se considerar que o viciado em substâncias psicoativas é parte da sociedade, mas fica à sua margem, porque, ao ter comportamentos que não se encaixam dentro da normatividade social, fica excluído da mesma. Essa pessoa, então, tem reduzidos seus direitos e, além disso, deve se submeter a uma intervenção de ordem médica para se ressocializar e conseguir ser reconhecido como uma pessoa “normal”, um cidadão exemplar. Becker (2009) afirma que o desviante é aquele que infringe a norma e que questiona uma forma ideal de definição das coisas.

O status de desviante (dependendo do tipo de desvio) é esse tipo de status principal. Uma pessoa recebe o status como resultado da violação de uma regra, e a identificação prova-se mais importante que a maior parte das outras. Ela será identificada primeiro como desviante, antes que outras identificações sejam feitas. Formula-se a pergunta: “Que tipo de pessoa infringiria uma regra tão importante? ” E a resposta é dada: “Alguém que é diferente de nós, que não pode ou não quer agir como um ser humano moral, sendo, portanto capaz de infringir outras regras importantes” (Becker, 2009, p. 44).

Becker (2009) ainda nos ajuda a pensar que a configuração de desviante não é estável, mas pode variar de acordo com o momento histórico ou a sociedade em questão – pois as normas e comportamentos a serem desviados são variáveis. Nesse sentido, remeto ao quadro da Lei 17 de 1973 (apresentado no segundo capítulo), com intuito de destacar uma mudança em relação a legislação atual, pois ela criminalizava o produtor, o comerciante e o usuário de drogas de maneira muito similar:

Quadro 11 – Lei 17 de 1973

LEI 17 de 1973 Por meio do qual são emitidas normas que reprimem comportamentos relacionados