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Parte II Construindo a autonomia

2 DA CANA-DE-ACÚCAR AO TURISMO: o processo histórico de formação socioespacial e seus nexos explicativos no município de Maragogi/AL

2.5 ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, TRABALHO E CIDADANIA EM MARAGOGI/AL

Na última década do século XIX, a agroindústria canavieira entrou na moderna era fabril, superando a produção dos banguês a partir da safra de 1922-1923 (Carvalho, 2015). A partir desta conjuntura, houve reação dos banguezeiros à chegada da modernização, os quais criaram, em 1875, no Norte de Alagoas (no qual se insere o município de Maragogi), sua primeira associação, o Comício Agrícola do Quitunde e Jetituba, com o objetivo de defender os interesses da classe e apoiar a modernização dos engenhos. Tratava-se de um espaço político que foi ampliado, em 1901, com a criação da Sociedade Alagoana de Agricultura, que, apesar do nome, representava tão somente os interesses do setor açucareiro. (Sant’ana, 2011, p. 124 -128).

Entretanto, a usina, que se instala no estado a partir de 1892, em lugar de ser a “verdadeira revolução industrial” assinalada por Fernando Azevedo (1948), capaz de introduzir, junto com a indústria têxtil em expansão, relações de trabalho de natureza plenamente capitalista, vai chegar ao início da primeira década do século XX em Alagoas como engenhos apenas transformados, como os mesmos vícios destes, agora em escala ampliada (Sant’ana, 2011 [1970], p. 337), trazendo, de quebra, maior concentração fundiária e controle sobre as mais amplas camadas da população. Ao deter a posse das melhores terras e o pouco crédito disponível, ela representa a continuação da tarefa secular que a cana-de-açúcar vem realizando na sociedade alagoana, “devorando tudo em torno de si, engolindo terras e mais terras, dissolvendo o húmus do solo, aniquilando as pequenas culturas indefesas e o próprio capital humano, do qual sua cultura tira toda a seiva” (Castro, 1984, p. 109).

Percebe-se, portanto, a capacidade de organização e readaptação daqueles que detém o poder econômico em função das novas demandas, inclusive, de intervir na política a eles relacionada. O mesmo não se dá com a classe trabalhadora que, na investigação realizada, se mantém à margem de todo processo de lutas e relações de poder. Assim, enquanto os usineiros lutavam para monopolizar o setor açucareiro utilizando o máximo de cana própria, em vez de buscar fornecimento junto aos banguês, resistindo ao Estatuto da Lavoura Canavieira de 1941 que limitava em 50% o máximo de cana própria utilizado na usina (Heredia, 1988), os trabalhadores do mundo canavieiro permaneciam sob rígida

estratificação social com relações de trabalho que continuaram determinadas pelo monopólio da terra, exercido pelos engenhos e, depois, pelas usinas, os quais realizaram a integração dos ex-escravos e dos trabalhadores livres e pobres, transformados em assalariados, os “moradores” na área canavieira sem autonomia real (Carvalho, 2015, p. 65).

Assim, “assalariados pobres que não tinham terra ou viviam precariamente na propriedade do engenho” constituíram o processo conhecido como “modernização sem mudanças” (Einsenberg, 1977). Dessa maneira, a oferta de mão de obra servil era abundante, assegurando a reprodução da economia açucareira sem ser obrigada a pagar salários dignos a seus trabalhadores. Portanto, o setor canavieiro contava com duas fontes de mão de obra: os lavradores e os moradores, duas categorias sociais existentes desde os séculos iniciais da colonização. “Os primeiros, eram brancos ou mestiços que recebiam permissão para plantar cana, que era moída, obrigatoriamente, no engenho do proprietário das terras, recebendo 50% do açúcar produzido. Os lavradores possuíam escravos, que, alforriados, foram se transformando em moradores”. (Carvalho, 2015, p. 65-66, grifo nosso) Apesar de passado um século desde então, atualmente ainda existem na zona rural de Maragogi e demais municípios com cultura canavieira, trabalhadores que moram nas terras de seus empregadores, alguns dos quais tiveram que lutar para não perder a permissão de ali morar ao aposentar-se.

Em 1936, Brandão (p. 25) descrevia assim o movimento errante dos camponeses na zona da mata (deixando o litoral) em busca de trabalho:

[...] ali entrou ele em andrajos, analfabeto, pouco superior a animalidade crassa. Dali sai em andrajos, sem ter adquirido o menor vislumbre de cultura, sem ter poupado um pouco do salário exíguo que percebe e do qual, vezes sem conta, é infamemente roubado, por artimanhas prepotentes do senhor de engenho.

Carvalho (2015) relata que em um Congresso que se limitava ao diagnóstico, prefeitos e governo do estado “reconheciam o cenário de miséria extrema da população rural e, ao mesmo tempo, confirmavam a ausência de compromisso político com mudanças reais” (p. 67). Em 1937, propunham a “divulgação de noções de higiene, da necessidade de banhos, de usar roupas limpas, de alimentar-se com alimentos nutritivos” (IAA, 1949, p. 247 – 248). Sugeriram, ainda, a criação de escolas rurais, alfabetização, cessão de terrenos e sítios para moradores plantarem alimentos, construções de “casas higiênicas” etc. Uma agenda que nunca foi implantada e desapareceu junto com os banguês.

Dé Carli (1948, p. 24) ao pesquisar tais condições de vida constatou que “o aumento da produção e da lucratividade nas usinas servia, paradoxalmente, para manter as condições de vida miserável de seus assalariados rurais e industriais”. Compreende-se, portanto, quando Bastos (2010, p. 73-4) afirma: “a grande propriedade é um mal para Alagoas”. Em síntese:

“Sem acesso efetivo à terra, condenado ao trabalho gratuito, o morador pouco se diferenciava do escravo” (Carvalho, 2015, p. 68).

Lindoso (2000) se refere à geração pós-abolição como “neo-escravos”: “era neo- escrava a maioria dos escravos que na pars borealis foi alcançada pela abolição determinada por ato imperial” (p. 174). Estes migraram para a vida semiurbana e urbana dos povoados, das vilas e cidades interioranas. Nesse contexto, “surgiram no povoado do Gamela da Barra Grande30 duas ruas de ex-escravos chamadas de Carvão de Dentro e Carvão de Fora [...] Eram ex-escravos vindos dos engenhos, a maioria que trabalhavam no eito e escravos artesãos” (p. 174). Nas cidades e vilas do litoral os negros rurais mudaram de ofícios:

Em vez da enxada, do machado e do machete de cortar cana, a vara de pescar, os covos, os remos das jangadas ou o timão do barco [...] No Gamela da Barra Grande, que se chamou depois vila Isabel, surgiu toda uma geração de pescadores negros ex-escravos, que até hoje perdura como verdadeiros senhores dos trabalhos do mar [...] Na praia do São Bento, célebre à época pela igreja beneditina situada no alto do oiteiro, com seu cemitério adjunto, existiu toda uma família de marujos e mestres- de-barcaça brancos, descendentes do antigo sesmeiro Joaquim Rodrigues Vieira.

Foi a abolição que trouxe os negros ex-escravos para a costaneira do mar, tirando-os da vida de mucambos nas matas. Tornou-os coletores de peixes e caranguejos nos manguezais em vez de coletores de frutos silvestres nas matas. Em vez de cavouco e dos leirões dos mandiocais, as pescarias do mar e dos esteiros dos mangues (idem, p. 175).

E permanecem mudando. Atualmente, a pesca em Maragogi tem sido suplantada pelas atividades ligadas à cadeia produtiva do turismo, transformando pescadores em jangadeiros de embarcações turísticas quando em suas próprias embarcações (situação menos comum), marinheiros de lanchas e/ou catamarãs de outrem; o ofício da pesca do mar passada de pai a filho, e de avô a neto, assim como a habilidade do nado, também os levou à prática do mergulho com visitantes. Uma minoria permanece na lida da pesca e/ou na coleta de caranguejos nos manguezais, além dos mariscos, esta última atividade mais comum entre as mulheres. Alguns buscam conciliar as atividades, mas há restrições ao uso da embarcação da pesca para condução de pessoas e, por isso, muitos tem optado pela atividade turística que, mesmo sendo sazonal, tem permitido acesso a rendimentos os quais não se obtém por meio da pesca, além do menor risco de morte durante a labuta.

O fim do sistema de moradia dos trabalhadores rurais nas terras de seus empregadores foi impulsionado por meio do reconhecimento, pela Constituição Federal de 1988, dos direitos sociais urbanos aos trabalhadores rurais, no entanto, tais empregadores se recusaram a incorporar os direitos trabalhistas e, por conseguinte, os “moradores” foram sendo expulsos das fazendas e engenhos para as periferias das cidades, “completando assim

sua proletarização” (Dabat, 2007, p. 131). No auge desse movimento, nos anos 1990, em paralelo ao advento da atividade turística, mais de 40 mil famílias perderam suas casas, derrubadas pelos tratores das usinas e dos fornecedores de cana (Carvalho, 2009).

Ainda sobre o território rural de Maragogi, cabe mencionar que, atualmente, o município detém o maior número de assentamentos rurais do estado de Alagoas, no entanto

Nem mesmo no começo do século XXI, com a incorporação de mais de cem mil hectares pela reforma agrária e o apoio de programa de financiamento da agricultura familiar, a produção realizada em pequenas propriedades (menores que 10 hectares) conseguiu alterar sua condição de agricultura complementar e, mesmo constituindo a maioria dos estabelecimentos agrícolas, em torno de 80% das propriedades, nunca alcançou mais que 10% da área agrícola. (Carvalho, 2015, p. 140-1)

Na mesma região na qual se realizou o marco histórico da criação do Comício Agrícola do Quitunde e Jetituba, em 1875, atualmente, os empreendedores ligados à cadeia produtiva do turismo – mais especificamente meios de hospedagem, agências de receptivo e restaurantes, se reúnem sob a designação do Costa de Corais Convention & Visitors Bureau31, “entidade de direito privado, sem fins lucrativos, com um importante papel de consolidar e representar o trade turístico da Costa dos Corais”, cuja missão é “Desenvolver ações que garantam o turismo sustentável na região da Costa dos Corais32 (Litoral Norte do Estado de Alagoas), representando seus associados na geração de negócios e a promoção do destino no mercado nacional e internacional” 33. Contudo, não há semelhante organização por parte dos trabalhadores do trade turístico, indicando a permanência dos níveis altos de autonomia e participação junto às classes com amplo acesso a recursos econômicos, tornando-os capazes de influenciar politicamente conforme interesses da classe, em detrimento da coletividade da população residente e/ou trabalhadora local.

Tal realidade se aproxima da fala de Lindoso (2000, p. 177), quando este afirma que Na nobreza rural era pacífica a concordância sore o poder: ele devia exclusivamente ser compartilhado pelos senhores de terras e escravos, e desse poder deviam ser excluídos os escravos, os índios de servidão de aldeia, os moradores, os lavradores e os bandos de brancos criminais. Aos senhores deviam ser concedidos os privilégios: possuir terras e escravos, ser donos de engenhos de açúcar, possuir uma milícia rural e aplicar justiça sesmeira aprovada pelas Ordenações do Reino e outros de códigos de justiça.

À disputa do poder entre grupos hegemônicos, e à busca exclusivista do governo das coisas, denomina-se oligarquia. E em Alagoas, tais grupos estão ligados até a atualidade ao setor açucareiro, incluindo-se aí àqueles ligados à emancipação de Alagoas da, então

31 Cf. em http://www.costadoscoraisalagoas.com.br/cccvb. 32 Região Turística Costa de Corais (ver Mapa 2).

província, de Pernambuco após iniciativa da comarca de Alagoas para sufocar a revolução pernambucana de 1817, facilitando, assim, a hegemonia local, com o controle municipal e provincial, passando tais oligarquias a comporem os partidos políticos (Carvalho, 2015).

Vale salientar que durante os grandes momentos da história do país, principalmente naqueles em que se buscava uma mudança do paradigma conservador e dominante para um progressista, Alagoas esteve preponderantemente ao lado do poder hegemônico, principalmente os grupos oligárquicos originários da região norte do estado, na qual se insere Maragogi. Diegues Júnior (2006, p. 201) assim explica:

A política que partia dos centros rurais, os engenhos de açúcar, era baseada no prestígio que os senhores davam à coroa [...] e mantinham-se como esteio da situação política nacional. De tal modo que movimentos com preocupações de mudança de regime tal o caso de 1817 ou o de 1824, não poderiam receber maior apoio e amparo da parte dos senhores rurais; dos donos da terra que reuniam nas mãos todos os poderes políticos da época, inclusive os colégios eleitorais.

Em 1824, militares e políticos da região Norte ocuparam a capital e derrubaram a Junta formada exclusivamente por brasileiros na luta contra o movimento nacionalista defensor da independência; no mesmo ano, a Confederação do Equador teve o mesmo desfecho que a revolução pernambucana de 1817, com auxílio do governo contrarrevolucionário alagoano, partidário dos portugueses e da monarquia. Em 1848, assim que se deu início à Revolução Praieira na qual os pernambucanos lutavam por mudanças sociais, uma tropa especial formada por quinhentos homens partiu do norte de Alagoas contra o movimento. Já, em 1889, quando da proclamação da República, mudança de regime realizada em forma de golpe militar no Rio de Janeiro, apesar de desconectados dos acontecimentos políticos da capital do Império, “os militares e a representação política local apoiaram o novo governo comandado por dois marechais alagoanos” (Carvalho, 2015. p. 239). Os monarquistas começaram a aderir ao novo governo no dia seguinte à proclamação:

O frágil núcleo republicano local, que vegetava na maior indiferença por parte da maioria da classe dominante, viu-se abrir à sua frente uma torrente de novos adeptos que surgiram eufóricos ou reservados de todos os lados, como se fossem republicanos desde o nascimento, oferecendo apoio incondicional ao novo regime (Tenório, 2018a, p. 57).

E, assim, a derrubada da monarquia representou avanços na política nacional e local, mas não mudou significativamente a estrutura de poder. Apenas algumas mudanças nos sobrenomes, como a posse do irmão do Marechal Deodoro como governador de Alagoas, “o primeiro caso de nepotismo em primeiro escalão em uma das unidades da República recém- instalada” (Nêumanne, 1992, p. 20). Em síntese: “os governadores na Primeira República

tinham traços comuns: a origem social nos estamentos dominantes, o apoio nas oligarquias municipais [representantes do açúcar, principalmente da tradicional região norte de Alagoas] e seus compromissos com o mundo político conservador” (Carvalho, 2015, p. 240).

A força econômica e social dos proprietários de terra, traduzida em efetivo poder oligárquico, impôs uma ampla teia de submissão e dependência que envolvia o eleitor, o coronel, o partido e o estado, incluindo-se aí a manutenção de títulos nobiliárquicos obtidos na época imperial, denotando a capacidade adaptativa dos senhores de engenho, barões, agora coronéis, chefes do executivo municipal e estadual, de manutenção do status quo, bem como da dinâmica hierarquizada e dominante de poder. Nesse contexto, o povo se mostrava apenas como mais um eleitor agregado ao coronel de mando local, a ele subserviente, não sendo possível entrever o conceito, menos ainda a prática da cidadania.

Cabe ressaltar que, Maragogi, neste mesmo período foi elevada à categoria de cidade, emancipando-se de Porto Calvo. Em sua história, foi freguesia criada em 1717, distrito criado com a denominação de Isabel, em 1796. Elevado à categoria de vila, com denominação de Isabel, pela lei provincial nº 681, de 24-04-1875, desmembrado de Porto Calvo. Instalado em 02-12-1875. Pela lei provincial nº 733, de 03-07-1876, a vila de Isabel Passou a denominar-se Maragogi. E, por fim, elevada à condição de cidade e sede municipal com a denominação de Maragogi, pela lei estadual nº 15, de 16-05-1892.

Em divisão administrativa do Brasil referente ao ano de 1911, o município aparece constituído de 3 distritos: Maragogi, Barra Grande e Japaratuba. Pelo decreto-lei estadual nº 2909, de 30-12-1943, o distrito de Japaratuba passou a denominar-se Japaratinga. Em divisão territorial datada de 1-VII-1950, o município é constituído de 3 distritos: Maragogi, Barra Grande e Japaratinga, ex-Japaratuba. Pela lei estadual nº 2264, de 23-07-1960, se desmembra do município de Maragogi, o distrito de Japaratinga, elevado à categoria de município. Em divisão territorial datada de 1-I-1979, o município de Maragogi se apresenta constituído de 2 distritos: Maragogi e Barra Grande. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007.

O domínio da política pela classe açucareira possibilitou o favorecimento dos setores rurais, como a abertura de crédito, em 1922, para os banguezeiros e a redução dos impostos de exportação do açúcar e do algodão. Entre 1928-30, a isenção de impostos estaduais para a exportação de açúcar. Contudo, as relações sociais e políticas desenvolvidas ao longo de quatro séculos pela oligarquia açucareira continuavam [e continuam] travando o desenvolvimento de Alagoas (Carvalho, 2015). “O açúcar criou uma elite exclusivista que

deixou em esquecimento a província e seu povo. O açúcar deu a casa-grande, mas também deu a senzala. A casa-grande parece que ficou mais em Pernambuco.” (Bastos, 2010, p. 54).

Mapa 4 – Carta cartográfica do estado de Alagoas indicando Maragogi já elevada à condição de cidade

Fonte: Comissão de propaganda de imigração e colonização (1983).

Em 1889, ano da proclamação da República, Alagoas, com uma população de quinhentos mil habitantes, possuía apenas 184 escolas das primeiras letras com 6.500 alunos. Em 1900, 81% da população era analfabeta. Em 1930, para uma população de 200 mil crianças, a rede de ensino tinha 19.737 alunos matriculados em 434 escolas (Carvalho, 2015).

Tal fato impactava diretamente na vida política, visto que, além da ausência de acesso à uma formação cidadã, à época, as mulheres e os analfabetos não podiam votar, apesar do voto ainda não ser secreto, possibilitando fraudes generalizadas em todas as fases do processo, legitimando o controle do poder político pelas oligarquias locais. A variação relevante a esta manutenção quase ininterrupta do poderio açucareiro, se deu a partir da industrialização que possibilitou o surgimento do movimento operário e da imprensa socialista em Alagoas. Criação de partidos de esquerda, associações, federações de trabalhadores, sindicatos, greves, tendo como resposta a repressão do governo estadual [açucareiro] de Fernandes Lima.

Face à ausência de voz, direitos humanos e participação social, muitos encontraram no banditismo sua forma de resistência, tal como o cangaceiro: um tipo de “bandido social” que se distingue do “bandido comum” pela maneira como é visto pela população, tendo em vista ter sido, em sua história, vítima de alguma injustiça ou perseguição, angariando apoio e empatia da população local como “justiceiro” e “vingador”. Os cangaceiros não representavam uma ameaça ao latifúndio, nem lutavam por mudanças sociais: “eram rebeldes que buscavam no crime uma sobrevivência mais fácil, impossível por meio do trabalho. Não tinham reinvindicações políticas ou sociais. Sequer contestavam o sistema, a não ser através do seu comportamento criminoso” (Chiavenato, 1990, p. 17). Apesar destes indivíduos terem construído sua história social sem nunca ter chegado à zona da mata, mas sim no agreste e sertão, os desdobramentos da luta do cangaceiro mais conhecido repercutiram na capital alagoana, Maceió e, por conseguinte, em Maragogi.

Lampião tem sua história vinculada a Alagoas por fortes laços: seus primeiros e últimos conflitos foram com as “volantes”34 da polícia alagoana. Virgulino Ferreira da Silva teve seu pai assassinado, em 1921, por uma “volante” sob o comando do então sargento José Lucena Maranhão, o mesmo que, quase duas décadas após, liderou “volante” que derrotou o bando de Lampião, protagonizando “um momento de alta tradição de violência em Alagoas” (Tenório, 2018a, p. 93) com a exposição de pedaços dos corpos mortos como troféus; o mesmo foi nomeado prefeito do município de Santana do Ipanema e eleito prefeito de Maceió em 1955, refletindo o atraso social e político de Alagoas que permitiu a assunção do símbolo do passado de violência ao mando político e administrativo da capital do estado.

No entanto, nem o advento de partidos de oposição, nem o cangaceirismo transformaram Alagoas [e Maragogi] em uma sociedade democrática. Conforme Carvalho (2015, p. 253), “a pobreza econômica e social persistia determinada, por um lado, pela continuidade do modelo agroexportador e do sistema produtivo baseado no binômio cana e pecuária, engenho e fazenda de gado e, por outro, pela incapacidade de o estado ter uma arrecadação própria suficiente para cumprir suas obrigações”, tal como segue ainda na atualidade, mantendo o estado sob dependência econômica da União, como também dos novos intermediários, não mais para exportação da cana de açúcar, mas para a venda dos pacotes turísticos que mantem a nova monocultura alagoana, principalmente no norte de Alagoas: o turismo.

34 Forças auxiliares da polícia constituídas de tropas assalariadas, mobilizadas no mesmo meio social dos

A Revolução de 1930, assim como as demais mudanças de rumo em nível nacional, foi recebida pelos alagoanos sem reação, os quais novamente se adaptaram às novidades sem expressão de resistência. Desse modo, mesmo com as novas determinações que restringiram o poder dos senhores de terra, não significou, entretanto, um movimento de ruptura total com as