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de retomá-los para revelar como o baiano escreve sua história da escravidão; demonstrando como ele também compreendeu a Escravidão como totalidade, bem como explicitando como e quais eram as expectativas republicanas ruianos durante a crise final do Império (1888-89).

Com este exercício, pretendemos mostrar como o liberalismo crítico não seguiu exatamente a tendência evolucionista-racialista – em larga medida spenceriana – promovida pelos liberais radicais ou republicanos desde a circulação dos modelos biológicos de análise social. Se nossa hipótese for viável, talvez se atenue o lamento de Wanderley Guilherme dos Santos quanto à crítica predominantemente político-institucional que predominou durante a efervescência social abolicionista. Os liberais doutrinários – ao deixarem de lado os princípios político-sociais do liberalismo de Jonh Stuart Mill – foram envolvidos por ideologias como o positivismo, o spencerianismo e as várias formas de evolucionismo. Nesse sentido, o

influenciar política e ideologicamente pelos abolicionistas internacionais e pelo liberalismo social dos fabianistas ingleses dos anos 1880 para enfrentar a questão social da Escravidão. Ambos reivindicavam a abolição como um conjunto de progressos civilizatórios, calcada em reformas sociais e políticas que visassem emancipar a nação dos perversos efeitos da Escravidão entre nós: um dos últimos lugares do mundo no qual o direito de propriedade do homem pelo homem ainda era um absurdo legal. Ou seja, Nabuco e Rui projetavam no fim da escravidão o projeto de reconstrução de certo tipo de povo e nação ainda em estágio retardatário quando feita a comparação com as nações do “mundo civilizado”; e que, ao mesmo tempo, provocava desigualdades regionais de “estágios civilizatórios” no interior da diversa realidade geográfica do país. É sob este prisma que se buscará qualificar o liberalismo crítico como portador do “humanitarismo óbvio”, no sentido de pensá-lo como grau máximo de consciência possível da Escravidão do liberalismo conservador, anglófilo e racialista professado no Brasil da época, ainda mais porque as “expectativas de futuro” destes abolicionistas, guardadas as devidas proporções de tempo e espaço, parecem ainda ecoar como projetos de futuro nos tempos contemporâneos.

CAPÍTULO III – A esperança abolicionista de Nabuco

Este capítulo se divide em três seções. A seção 3.1 – Os vários Nabucos visa estabelecer um diálogo com a tradição de trabalhos sobre o ideário abolicionista de Nabuco, preparando terreno para a demonstração; a seção 3.2 – O Abolicionismo como forma demonstra a hipótese em tela, qual seja, a de que Nabuco parte de um dado da conjuntura – a Escravidão – para fazer resplandecer a nação incompleta; em 3.3 – A federação monárquica, lança-se luz ao projeto de descentralização política e administrativa levado a cabo por Nabuco em 1887, destacando o papel especial do Poder Pessoal na condução do ensaio federativo. Nosso argumento principal tenciona mostrar que o liberalismo crítico em Nabuco, ao operar deste modo, acaba por “eternizar o transitório” – no mesmo sentido que a forma ensaio assume para Theodor Adorno.

3.1 – Os vários Nabucos

A) O Nabuco de Freyre

Para o antropólogo Gilberto Freyre, Nabuco foi pioneiro em contemplar o “papel civilizador do escravo” na conformação cultural e social do Brasil. Por isso, o abolicionista atacou os maléficos efeitos da Escravidão sem desconsiderar a significativa contribuição da “raça negra” para a formação da “cultura” nacional. Ele compreendeu que, diferentemente do caráter endógeno e racista que marcara a experiência da escravidão nos Estados Unidos, por aqui esta instituição abrira uma possibilidade mais ou menos democrática, positiva e diversa de modernidade. Não por acaso, Gilberto Freyre nos apresenta Joaquim Nabuco como continuador e modernizador desse tipo determinado de “civilização”. Uma civilização que, mesmo escorada na dureza da Escravidão, deixou-se absorver pelo elemento cultural africano, conferindo o caráter doce e amável do nosso povo. Para clarear melhor estas questões, é preciso ter em vista alguns aspectos importantes do Brasil de Gilberto Freyre, principalmente no argumento desenvolvido em Casa Grande e Senzala.

A referida obra resulta da própria experiência acadêmico-intelectual de Freyre, como estudante de pós-graduação em Columbia. Na ocasião, ele deixou-se influenciar pelas ideias do mestre Franz Boas (1858-1942) – lembrando que o professor, de origem judaica, foi responsável por propor um campo de saber alternativo à antropologia hegemônica naquela época, cuja ênfase nas categorias de raça e meio ambiente era determinante no exercício de “pensar cientificamente” a diversidade dos grupos humanos. Logo, o pensamento global de Gilberto Freyre está ancorado na premissa boasiana de que tais fatores não devem ser entendidos de maneira determinista, mas sim em função da natureza específica dos elementos

culturais e sociais a serem analisados. Nesse sentido, o esforço interpretativo de Casa Grande e Senzala consiste em a) recuperar, no estudo do Brasil colonial, os usos e costumes que

constituem as raízes culturais do nosso povo; e em b) captar a relação dessas raízes culturais com os grupos formadores da sociedade brasileira: o europeu-lusitano, o índio e o negro. Para o antropólogo, a mistura destas três “raças” é a característica cultural fundante da nossa complexidade étnico-racial como nação. A miscigenação, portanto, seria a evidência mais imediata do “caráter democrático” assumido pelas relações raciais por aqui (BASTOS, 2001:219-227; RICUPERO, 2007:77-78).

Neste movimento, Freyre supera as explicações sócio-biológicas e aquelas fundadas no determinismo geográfico em voga até então, inaugurando um novo patamar analítico das interpretações sobre a experiência brasileira, ainda mais porque prioriza as interações entre

raça e o meio físico para revelar as características psicológicas definidoras do povo

brasileiro. Nesta medida, o lado positivo da nossa herança escravista se expressa no traço “dionisíaco” que a “raça negra” legara ao caráter nacional. O elemento cultural africano possibilitara, de um lado, que a alegria e a bondade do negro fossem responsáveis pela doçura que marcou a relação senhor/escravo por aqui; de outro, que o próprio escravizado exercesse um “papel colonizador”, servindo de “exemplo” aos índios; e impondo, ao mesmo tempo, sua cultura no processo de formação de alguns sentimentos e valores mais íntimos da Casa

Grande – como a sensibilidade, a imaginação e a religiosidade doméstica. Neste quadro, a brasilidade é pintada como a mais bem-sucedida experiência de “convivência entre

antagonismos”, na qual a miscigenação funcionou como uma espécie de correção da

“distância social e racial” entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala.

Vista como elemento democrático da nossa formação, tal operação possibilitou o surgimento de um país que, mesmo estruturado sob a condição social adversa da Escravidão, emerge como nação a partir do próprio legado cultural africano. Esta convivência singular entre Senzala e Casa-Grande possibilitou que a “raça negra” atuasse na formação de alguns dos nossos sentimentos mais íntimos, expressando-se no coração amável e no espírito democrático do “brasileiro”. Por conseguinte, o essencial é ter em vista o modo como o liberalismo abolicionista é “transmitido” nesta tela gilbertiana de Brasil: quase como se Joaquim Nabuco afirmasse o mito da “democracia racial e social” idealizado anos mais tarde. Afinal, como afirmava o antropólogo, “somos uma democracia social porque somos, antes de tudo, uma democracia racial” (FREYRE apud BASTOS, 2001:231).

B) Os Nabucos da tradição marxista

À contrapelo da visão gilbertiana de Brasil, a temática da inserção desigual do negro na sociedade de classes tornou-se curso ministrado por Florestan na USP em 1966, servindo como bagagem acadêmica para a publicação de A Revolução Burguesa no Brasil, em 1975. Neste contexto acadêmico, desponta a tese de Paula Beiguelman, defendida em 1961, cujo título é Teoria e Ação no pensamento abolicionista, de orientação do Professor Lourival Gomes Machado.127 Sem dúvida, esta obra é indispensável para os marxistas – e não marxistas – que buscaram (e buscam) compreender a evolução social e histórica brasileira, sendo possível ouvir seus ecos nos trabalhos que serão discutidos a seguir. Como vimos no primeiro capítulo (pp.30-31), a perspectiva sociológico-marxista sobre Nabuco, surgiu no processo imediatamente anterior à publicação de A Revolução Burguesa no Brasil (1975), em meio à pesquisa da Unesco, coordenada por Florestan, sobre as relações raciais no Brasil; como também, pelo impacto de A integração do negro na sociedade de classes (1964)

127 O professor Lourival Gomes Machado (1917-1967) se licencia da USP em 1963 para trabalhar na UNESCO, quando Paula Beiguelman assume o seu lugar, como professora substituta. Entre 1964 e 1968, mesmo com o golpe consumado, havia certa aparência de normalidade, o que assegurou, ao menos de imediato, a continuidade da vida acadêmica da USP. Nesses quatro anos, Paula Beiguelman ministrou diversos cursos no antigo prédio das Ciências Sociais e Filosofia da rua Maria Antônia. Nessa época, discutia-se muito Caio Prado Jr, Luckács, Karl Manheimm, Karl Marx, Joaquim Nabuco, Victor Nunes Leal; como também, pela primeira vez no Brasil, debateram-se as ideias de Marcuse e Gramsci. O professor Gomes Machado morre em 1967, e a cátedra de Sociologia entra em vacância. Em concurso posterior, a vaga foi conquistada por Fernando Henrique Cardoso. Paula Beiguelman tirou o segundo lugar (ver mais em: MARINO, Rafael. Lourival de Gomes Machado e a

ciência política uspiana: notas de pesquisa. VIII Seminário Discente de Pós-Graduação em Ciência Política da

na formação de um campo investigativo específico sobre a formação da sociedade de classes no Brasil – contexto no qual se deu o doutoramento de Fernando Henrique Cardoso, em 1962, de orientação do próprio Florestan, resultando na publicação do livro Capitalismo e

Escravidão no Brasil Meridional: o negro da sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul.

Vale lembrar que o jovem FHC foi também colaborador de pesquisa, juntamente com Otávio Inani, das investigações que seu orientador realizou com Roger Bastide. Por outro lado, como veremos a seguir, a perspectiva marxista-gramsciana é configurada pelo impacto diverso que a obra A Revolução Burguesa no Brasil (1975) exerceu na criação de um terreno interpretativo sobre as ideias de Nabuco. A forma diversa como os gramscianos-nabucoanos entenderam a “revolução burguesa brasileira” confere sentido à polarização que as “performances” de Nabuco assumem neste campo, sendo visto ora como intelectual orgânico (Marco Aurélio Nogueira), ora como intelectual tradicional (Luiz Werneck Viana, Maria Alice Rezende de Carvalho, Maria Emília Prado e Ricardo Salles).

Perspectiva gramsciana e a nação incompleta

Em meio à pluralidade interpretativa que circunscreve as análises em torno das ideias de Joaquim Nabuco,128 percebe-se um fato curioso. Na última década surgiram muitas pesquisas que tinham como escopo a trajetória intelectual e política do pernambucano, como, por exemplo, os trabalhos de Antônio Rocha (2009), Izabel Marson (2008), Marco Aurélio Nogueira (2010), Maria Alice Rezende de Carvalho (1998), Ricardo Salles (2002) e Maria Emília Prado (2005). Dentre os trabalhos contemporâneos, ganha destaque problemático – ainda que de forma diversa – o diagnóstico abolicionista de Nabuco sobre a sociedade brasileira de sua época, qual seja, de que a escravidão nos legou uma nação incompleta.129 Tanto Salles (2002) quanto Nogueira (2010) ancoram-se numa perspectiva gramsciana para polemizar a questão. De um lado, Salles (2002) afirma que Nabuco é um intelectual

tradicional, um aristocrata ainda conectado aos grupos políticos e culturais da elite imperial.

Sua análise, ao levar em consideração o processo histórico de emergência dos novos Impérios

129 Este foi tema principal da dissertação de mestrado: BAPTISTA, Lucas. Linguagens do Abolicionismo no

Brasil: A Nação no ideário político de Joaquim Nabuco. Dissertação (Mestrado em Ciência Política).

europeus, busca refletir sobre a construção narrativa da nação brasileira, situando Joaquim Nabuco como um pensador de um segundo Império, qual seja, a nação escravista brasileira.

Na realidade, o impacto que as ideias de Antônio Gramsci tiveram no Brasil pode ser expresso no conjunto de trabalhos sobre o liberalismo em Joaquim Nabuco surgido a partir dos anos 1980. No interior deste campo investigativo, tem destaque problemático o diagnóstico do abolicionista de que a Escravidão nos legou uma nação incompleta. Este diagnóstico ganha sentido à luz da polêmica existente acerca do papel de Nabuco no processo social e histórico da “revolução burguesa” brasileira, sendo visto ora como “intelectual orgânico”, ora como “intelectual tradicional”. Escaldado pelas lições de Florestan Fernandes acerca do caráter profundamente antidemocrático das nossas elites e, por sua vez, do

liberalismo, foi Marco Aurélio Nogueira quem inaugurou este debate. O cientista político foi

o primeiro a tentar desvendar as aventuras (e desventuras) do liberalismo em Joaquim Nabuco, argumentando sobre a singularidade do abolicionista no enfrentamento à questão

social que se colocava no país, ainda mais diante da possibilidade real de se pôr fim à

escravidão. Na contramão do liberalismo conservador e moderado predominante na retórica dos políticos da época, Nabuco entendia que a abolição deveria significar um conjunto de reformas sociais e políticas que atuasse na refundação do povo-nação no Brasil, dando ao próprio povo consciência de si. É neste sentido que o pernambucano estaria na vanguarda da “revolução burguesa” em curso naquele momento.

Nogueira (1984) entende que o liberalismo abolicionista em Nabuco opera um duplo movimento: (1) ele foi pioneiro em mobilizar e colocar temas que dificilmente (ou quase nunca) despontavam na agenda política liberal da época – como a reforma agrária e a questão dos direitos sociais do trabalho –, (2) porque Nabuco possuía certa autonomia relativa em relação à sociedade escravista, o que permitia que ele se colocasse mais próximo aos interesses diversos das camadas urbanas que deixavam entrever sua presença nesse processo, como funcionários públicos, escritores, professores de escola, advogados, homens de negócio, cientistas, farmacêuticos, marinheiros, soldados, operários, artistas. Desse modo, o político tinha chances reais de agir como artífice na tentativa de forjar a articulação entre os interesses

particulares de uma classe social específica (uma espécie de burguesia nacional em

formação (como os direitos sociais do trabalho e a reforma agrária). É por incorporar a luta pelo fim da escravidão à luta de toda a nação que Joaquim Nabuco é traduzido na “performance” de “intelectual orgânico”.

Em contraponto ao argumento de Marco Aurélio Nogueira, outros gramscianos entendem Joaquim Nabuco como “intelectual tradicional”. Esta virada interpretativa guarda forte conexão com a tese de Luiz Werneck Vianna acerca da “forma passiva” que a “revolução burguesa” assumiu no caso brasileiro, ainda mais quando ele destaca o caráter pré- moderno e territorialista que configura o quadro geral da “cultura política” do Império, isto é, do liberalismo. Para Vianna (1997), ainda que a emancipação política nacional tenha se concretizado “passivamente” pelo alto e sem participação popular (uma revolução sem

revolução), tal processo implicou uma ruptura real com o mundo colonial, “pondo todo um

subconsciente diante do imperativo de fazer a História”. Como argumentava Florestan Fernandes, essa combinação particular de fatores não deixou de produzir um certo “elemento revolucionário” no movimento da Independência do Brasil, fazendo com que o liberalismo atuasse, de modo encapuzado, no processo de diferenciação da sociedade civil; ao mesmo tempo, esse mesmo liberalismo foi desgastando, ao longo do tempo, os fundamentos da ordem senhorial-escravocrata (VIANNA, 1997:44-45;154-155).

O caráter ibérico “da cultura política imperial”, detectado por Werneck Vianna, resulta desse movimento ambíguo produzido pela emancipação nacional, em especial no espírito tosco de liberdade que marca a ambivalência quanto ao significado da conservação vindo da

metrópole e o sentido que essa mudança-conservação necessariamente teria no contexto não-

familiar da ex-colônia.130 Com a Independência, o “liberalismo” teve de ser traduzido em

130 A noção de iberismo mobilizada por Werneck Vianna guarda inspiração no latino-americanista estadunidense Richard Morse (1922-2001), especialmente em sua conhecida obra O Espelho de Próspero, publicada em 1988. O contraponto entre iberistas/americanistas proposto por Werneck Vianna ganha sentido na metáfora utilizada por Morse para compreender a cultura política dos países ibéricos – cultura essa que, como os discípulos de Próspero (Ariel e Caliban), emancipa-se de seu senhor, mas está condenada a, além de falar a sua linguagem, ordenar seu próprio mundo. Em meio a esse adverso ambiente, Ariel e Caliban – ou melhor, iberistas e americanistas – estariam diversamente marcados pelas inviabilidades do liberalismo político e do sistema de representação onde não havia cidadãos, num contexto agrário dominado pelas relações de dependência pessoal e pela inexistência de um mercado livre de trabalho. Logo, no processo de Independência dos países latino- americanos, tanto ibéricos quanto americanistas tinham em comum que isso implicava a construção de uma ordem que viesse a prevalecer sobre os localismos e as forças centrífugas que animavam as novas nações depois de expulso o aparelho estatal colonizador. No Brasil, a forma “passiva” do processo de emancipação nacional

instituições que se sobrepunham a uma realidade social adversa, quando não era incompatível com ele – como a Escravidão. Nesta toada, o iberismo nasce sob o estigma da ordem e da

autoridade, colocando-se numa missão política mais geral (e quase milenar?) de “fornecer

sustentação ideal ao estabelecimento de um Estado nacional”. Na prática, esse “liberalismo ibérico” é o reflexo da revolução encapuzada que configura o caráter “passivo” da revolução burguesa entre nós, combinando a continuidade da estrutura econômica colonial, de um lado, com os modelos liberais vindo de fora, de outro. E ninguém fixou melhor que Joaquim Nabuco os traços dessa “cultura política”.

O caráter elitista que caracterizara o processo político pelo fim da Escravidão no Brasil – marcado pela ausência de encontro entre os intelectuais e o povo – faz Nabuco ser o maior representante da continuidade da “forma passiva” que a “revolução burguesa” vinha assumindo desde a Independência, “obedecendo ao lento movimento de transição da ordem senhorial-escravocrata para a ordem social competitiva”. Nesta cadência, o liberalismo abolicionista apresenta-se como a expressão singular da nossa “tradição ibérica”, uma vez que o pernambucano articula – de modo inédito e original – o fim da escravidão a um projeto de refundação da ordem e da autoridade imperial. Por isso, suas propostas de reforma social – como a criação de um mercado livre para a força de trabalho (liberdade individual) – estão condicionadas pelo projeto geral de que a abolição se fizesse sem rupturas no interior das elites e a partir da própria elite (razão nacional). Eis o “espírito” tosco de liberdade que configura o núcleo duro do “liberalismo ibérico”, qual seja: que a liberdade individual só pode existir quando subordinada à razão nacional de continuidade com a autoridade e a

abrandou as tensões entre iberistas e americanistas, sobretudo pela forma monárquica que a Independência assumiu por aqui – modelo político mais favorável à submissão do poder local do que a República. Contudo, há diferenças fundamentais entre eles. De um lado, os ibéricos recusam o utilitarismo individualista em favor da

razão nacional, isto é, eles partem de uma visão vantajosa do atraso – do atraso cultural em especial –, no

sentido de se apropriar da utopia por justiça e integração social solidária para os personagens sociais excluídos e marginalizados pelo processo de modernização ibero-americano, numa justificativa geral da própria existência do Estado nacional autoritário. Como expressão singular desse iberismo está Oliveira Vianna (1883-1951), para quem a autonomização do Estado não derivaria de uma herança do patrimonialismo ibérico, mas da necessidade de se construir uma ordem empenhada nos ideais civilizatórios do Ocidente. Na ponta oposta, os americanistas avaliam esse “atraso” de modo negativo, quase como uma persistência da herança ibérica de nossa formação histórica. Em contraponto aos ibéricos, o vulto americanista Tavares Bastos (1839-1875) considerava que nosso atraso como nação estaria intrinsecamente vinculado a um processo de colonização realizado à margem do processo civilizatório, bem como à natureza corrompida das instituições e da cultura política transplantadas para o solo americano (VIANNA, 1997:151-174). Ver mais em: VIANNA, Luiz Werneck. “Americanistas e Iberistas: a polêmica Oliveira Vianna com Tavares Bastos’. In: A revolução passiva no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997, pp. 151-194).

ordem imperial. Enfim, o mais importante é ter em vista que, sob a perspectiva do iberismo, Joaquim Nabuco é visto como “intelectual tradicional”, sendo ele a expressão mais singular

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