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Capítulo I Enquadramento Teórico

1.8. Abordagem Conceptual do Jogo Patológico

Desde os tempos mais remotos, que a prática do jogo foi considerada um passatempo popular, no qual o Homem tinha um papel activo, ainda que se desconhecessem as suas potencialidades viciantes. Por outro lado, nas últimas décadas, o jogo tornou-se numa actividade de entretenimento extremamente participada, porém apesar da evolução da sociedade e da clara mudança de atitudes face a este, ainda persiste um clima de ambivalência moral (Clímaco, 2004).

As dependências, à semelhança de outros problemas de saúde mental eram vistas como consequências ou causas de degenerências da espécie humana que de forma gradual e progressiva sofria um processo de decadência dos costumes (Pereira, 2008). Entende-se porquanto que inicialmente os sujeitos com problemas adictivos eram tidos como viciados, sem capacidades para resistir quer ao jogo, ao álcool ou a qualquer outras substâncias ou actos, não tendo por isso controlo mental sobre o seu comportamento. A própria génese do termo adicto, proveniente do direito romano

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adictu, significativa de escravidão corroborava tal ideologia, na qual o sujeito adicto ficaria servo dela. Contudo, actualmente, e de acordo com Castro (2004) o sentido da palavra adicto invoca a dependência para além da substância psicoactiva, fazendo menção às noções de perda de controlo e compulsão.

Com a mudança dos tempos, a visão sobre esta problemática deixou de ser vista como um vício e passou a ser encarada como uma doença mental e até social, deixando de se colocar a ênfase na substância ou comportamento adictivo, como inicialmente se verificava, para que a mesma fosse colocada no estado ou situação do sujeito sem controlo na sua adição, conduzindo-o a situações problemáticas a nível individual, familiar, social e laboral. Assim, a partir da década de 80, a problemática do jogo patológico ganha estatuo psiquiátrico e passa a ser reconhecido como um distúrbio mental incorporado nos distúrbios do controlo dos impulsos, integrando o Diagnostic and Stastistical Manual (DSM-III) da American Psychiatric Association (APA), onde era definido como «o indivíduo que se vai tornando crónica e progressivamente incapaz de resistir aos impulsos de jogar» (Clímaco, 2004). Actualmente, a DSM-V, estabelece dez critérios de diagnóstico entre os quais: os sintomas de tolerância (montante crescente de dinheiro apostado para atingir o «pico») e o síndrome de privação (inquietação ou irritação quando tenta parar de jogar), sendo que para a realização de um diagnóstico, apenas são necessários evidenciarem-se cinco dos dez critérios. Também a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10) considera o jogo um transtorno de hábitos e e impulsos, mediante o código F63.0, que por sua vez consiste em frequentes e repetidos episódios de jogo, os quais dominam a vida do indivíduo em detrimento de valores e compromissos sociais, ocupacionais, materiais e familiares.

Mais, estudos efectuados pela Organização Mundial de Saúde (2006), com sujeitos adictos, dão conta de que os comportamentos aditivos estão associados aos mecanismos de recompensa e são partes responsáveis pelas sensações de prazer e satisfação, demonstrando ainda que as zonas cerebrais activadas são as mesmas para as dependências com ou sem substância, sendo os mecanismos psicológicos subjacentes bastante idênticos.

Entre a literatura, o jogo patológico é bastante confundido com actos compulsivos, mas para os psiquiatras, a compulsão assenta num comportamento involuntário, enquanto que tal comportamento não ocorre no jogo. É por essa razão que tal acto seria egosintônico, pois no momento da execução, existe um desejo consciente e

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imediato da pessoa, podendo ou não haver culpa e/ou remorso após a sua consumação. Assim, ao contrário dos actos egodistônicos, típicos da compulsão, o jogo patológico seria um tipo de compulsão não obsessiva já que apesar da pessoa ter consciência das consequências negativas, consegue planear, desejar e cometer o acto, inclusive quando já não existe mais experiência subjectiva do prazer (Tavares, et al., 1999)

O jogo para além das suas consequências nefastas inerentes à adição, é primordialmente uma actividade de lazer, que não prediz linearmente a patologia, pelo contrário, detém benefícios na sua prática. Exemplo disso é a teoria desenvolvimentista de Piaget (2003) que considera o jogo como um meio privilegiado de interacção entre o sujeito e o mundo exterior, mediante a estimulação da interacção social, da interiorização de regas, da definição de limites e do desenvolvimento de funções motoras e cognitivas. Torna-se assim necessário delimitar a barreira existente entre o jogo considerado benéfico e o jogo denominado de patológico, a partir de características como o carácter de frequência e de intensidade.

Dada a extrema diversidade de jogos existentes hoje em dia, destacaram-se dois grandes grupos, os jogos de fortuna e azar e os jogos de perícia e habilidade. O presente estudo, centra-se no primeiro supra mencionado e caracteriza-se por envolver na sua prática apostas em quantias monetárias e/ou bens, em que o resultado final depende meramente da sorte ou do azar, isto é, do acaso (Ladouceur, 2002). Deste modo, a relação que o sujeito pode fundar com o jogo, varia num continuum de gravidade, levando alguns autores a criar classificações específicas de tipologias de jogadores (Custer & Milt, 1985; González, 1989; Kusyszin, 1978; McCormick & Taber, 1987; Moody, 1990; Morán, 1970). De acordo com Ochoa e Labrador (1994) a classificação proposta incorpora quatro categorias numa escalada de gravidade, designadamente o jogador social, que ocasional recorre a esta actividade de entretenimento e tem controlo sobre a situação; o jogador profissional, que detém algum controlo sobre o acto uma vez a sua actuação ser bem fundamentada, qual seja a profissão; o jogador problemático que apresenta alguns sinais de jogador patológico contudo ainda não suficientes para ser considerado como tal e por fim, o jogador patológico, sendo este último o alvo do presente estudo.

Em suma, actualmente o jogo é uma perturbação, que ainda sem substância, em tudo se assemelha a uma dependência com perda progressiva do controlo dos impulsos inerentes ao jogo, em que as consequências advindes desta problemática espelham-se

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numa deterioração no âmbitos individual, familiar, social e laboral (Martínez, Navarro & Romero, 1993).

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