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CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.8 Abordagens da pesquisa em crenças

2.8.3 Abordagem Contextual

(...) o valor (da pesquisa sobre crenças dos aprendizes) está em entender as crenças como recursos de que os alunos lançam mão para dar sentido e lidar com contextos específicos de aprendizagem. (BARCELOS, 2004a, p. 143)

Na abordagem contextual, a mais recente, as crenças são entendidas como dependentes do contexto, isto é, considera-se o contexto específico em que elas estão inseridas, levando-se em conta as experiências e o ponto de vista do aprendiz nas investigações. Há uma diversidade maior de instrumentos utilizados nessa metodologia como diários, narrativas escritas, visuais (desenhos) e metáforas, entre outros. A abordagem contextual tem sido vista como uma proposta mais completa para a investigação de CEAL (BARCELOS, 2000; KALAJA, 1995), por compreender o fenômeno como uma entidade socialmente construída, dinâmica e contextual. Sob o ponto de vista da abordagem contextual, os estudos anteriores eram incompletos porque investigavam somente afirmações e não as aliava com ações, através da observação de comportamento. Além disso, os estudos sob essa perspectiva consideram a influência da experiência anterior de aprendizagem dos alunos em suas crenças e em suas ações, dentro do seu contexto específico.

No entanto, a abordagem contextual também possui limitações. Segundo Barcelos (op. cit.), esse viés de investigação é indicado para estudos com um pequeno número de informantes e, em geral, demanda muito tempo. A autora ressalta que os estudos dentro dessa abordagem ainda apresentam uma lacuna, uma vez que não analisam a evolução das crenças e a interação dessas crenças com as ações dos aprendizes. Mas, nos últimos anos, as pesquisas têm buscado suprir essa necessidade, como é o caso do trabalho de Arruda (2008), que investigou a ressignificação de crenças de um professor e as mudanças produzidas na sua prática pedagógica; e Oliveira, A. (2009), que investigou a relação entre contexto, crenças e ações de uma professora de inglês de uma escola pública.

O quadro a seguir, retirado de Barcelos (2001, p. 82), de forma objetiva, contrapõe as características das três abordagens de investigação das CEAL, apresenta as metodologias usuais e a definição de crenças sobre aprendizagem considerada em cada uma, a

forma como é vista a relação entre crenças e ações, além das vantagens e desvantagens de cada abordagem.

Quadro 2.3: Características, vantagens e desvantagens das três abordagens

NORMATIVA METACOGNITIVA CONTEXTUAL

Metodologia Questionários tipo

Likert-scale

Entrevistas Observações, entrevistas, diários, e estudos de caso.

Definição de crenças sobre aprendizagem

Crenças são vistas como sinônimos de idéias pré- concebidas, concepções errôneas e opiniões.

Crenças são descritas como conhecimento metacognitivo: estável e às vezes falível que os aprendizes possuem sobre aprendizagem de línguas.

Crenças são vistas como parte da cultura de aprender e como representações de aprendizagem de uma determinada sociedade. Relação entre crenças e ações

Crenças são vistas como bons indicadores do comportamento futuro dos alunos, sua disposição para ensino autônomo e sucesso como aprendizes de língua.

Crenças vistas como bons indicadores do

comportamento futuro dos alunos, sua disposição para ensino autônomo e sucesso como aprendizes de língua, embora se admitam outros fatores como objetivos, por exemplo.

Crenças são vistas como específicas do contexto, ou seja, as crenças devem ser investigadas dentro do contexto de suas ações.

Vantagens Permite que as crenças sejam investigadas com amostras grandes, em épocas diferentes e em vários contextos ao mesmo tempo.

Permite que os alunos usem suas próprias palavras, elaborem e reflitam sobre suas experiências de aprender.

Permite que as crenças sejam investigadas levando em consideração não só as próprias palavras dos alunos, mas também o contexto de suas ações.

Desvantagens Restringe a escolha dos participantes com um conjunto de informações predeterminadas pelo pesquisador. Os alunos podem ter interpretações diferentes sobre esses itens.

As crenças são investigadas somente através das afirmações dos alunos (não há preocupação com a ação dos alunos).

É mais adequada com pequeno número de participantes. Consome muito tempo.

Fonte: Barcelos (2001, p.82)

Apesar das classificações apresentadas, Barcelos (2001, p.84) declara que, na prática, as três abordagens podem não ser tão distintas, e que a escolha entre elas vai depender do tipo de pergunta de pesquisa em questão, que implica no número de participantes e no contexto de realização da pesquisa, podendo mesmo haver uma combinação de metodologias

de diferentes abordagens. O uso de questionários fechados, por exemplo, pode não condizer com a tendência atual da pesquisa em crenças, que tem se preocupado em estabelecer suas relações com o comportamento, mas em se tratando de um estudo que tem como objetivo levantar as crenças de um número grande de participantes, esse instrumento pode ser tomado como ponto de partida, talvez ampliado conforme o contexto de ação dos participantes, e depois associado a outros instrumentos como uma entrevista. Já numa pesquisa em que se deseja analisar a relação entre crenças e identidade, por exemplo; o contexto, as experiências de vida, não só de aprendizagem, e a influência de terceiros, muito provavelmente serão abordados, o que sugere a utilização de instrumentos mais específicos que tocam na questão de forma mais aprofundada e mais individualizada, como narrativas escritas e metáforas.

A interpretação de metáforas como forma de desvelar as CEAL de professores e aprendizes figura entre os vários procedimentos de investigação que atualmente têm se guiado pela abordagem contextual de pesquisa na LA (GUERRERO & VILLAMIL, 2001; KRAMSCH, 2003; SAKUI & GAIES, 2002, 2003; BARATA, 2006 inter alia). A pesquisa com metáforas reforça a mudança do foco nas crenças como representações mentais estáveis na mente de professores e alunos sobre o processo de aprender e ensinar línguas, para o foco nos portadores das crenças e na forma que eles constroem representações deles mesmos e de suas experiências através de metáforas. A metáfora torna-se uma ponte entre experiências subjetivas, conflituosas, contextualmente localizadas e em mudança, e a sua expressão, comunicação e encenação através da linguagem.

Os estudos realizados até o momento na investigação das CEAL, independente de quais perspectivas metodológicas tenham sido adotadas, contribuíram sobremaneira para a compreensão de aspectos importantes para o ensino e aprendizagem de línguas. As falhas ou lacunas que hoje detectamos em uma ou outra metodologia de investigação utilizada em estudos realizados anteriormente serviram como pontos de reflexão para o aperfeiçoamento de pesquisas futuras de forma que considerar outros aspectos mais relevantes para a investigação, como os fatores contextuais e a relação crenças/ações e os mecanismos de mudança e evolução das crenças.

Na seção 2.9, que se segue, discorrerei sobre as crenças de professores e, em seguida, apresento amostras da produção científica acerca desse tema no contexto brasileiro, nos últimos anos. Na sequência, seção 2.10, abordo as crenças de aprendizes e também apresento os estudos mais recentes realizados no Brasil.

É importante frisar que essa breve resenha bibliográfica está longe de esgotar toda a produção já concluída, pois escolhi enfatizar apenas alguns trabalhos realizados nos últimos dez anos, com exceção de Barcelos (1995), cuja apresentação julgo imprescindível na seção que contempla as pesquisas realizadas com foco no aprendiz, dada a sua importância como impulso para as pesquisas subsequentes e consolidação desse campo no cenário brasileiro. Para uma visão completa do panorama da pesquisa em crenças no contexto brasileiro desde a fase inicial, passando pelo momento de desenvolvimento e consolidação até o atual momento de expansão da pesquisas em crenças, recomendo a leitura de Silva, K. (2010).