• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.7 A natureza complexa das crenças

2.7.4 Mudança e ressignificação de crenças

“(...) as crenças do aprendiz, como muitos outros aspectos da aprendizagem de línguas, estão em um estado de fluxo, constantemente sendo revisados e modificados através da interação de uma grande variedade de influências...”

(MALCOLM, 2004, p. 80)

É fato o crescente interesse pelo estudo das crenças sobre o ensino-aprendizagem de línguas e, consequentemente, do grande número de pesquisas desenvolvidas a esse respeito (BARCELOS, 2006; SILVA, K. 2005, 2007). Entretanto, há ainda muitos pontos a serem investigados, uma vez que esse tema pode ser abordado em todos os contextos e modalidades de ensino de LE, sob diferentes perspectivas. Conforme Barcelos (2001), as pesquisas realizadas no contexto brasileiro, inicialmente, tinham como principal objetivo a descrição das crenças de professores e alunos. Mas a autora considera insuficiente esse tipo de pesquisa e acrescenta que:

É preciso uma investigação contextualizada das crenças. É necessário entender como as crenças interagem com as ações dos alunos e que funções elas exercerem em suas experiências de aprendizagem dentro e fora da sala de aula. (BARCELOS, 2001, p.87)

Em artigo publicado posteriormente, Barcelos (2006a, p.33-36) reforça a necessidade de se explorar outras dimensões desse estudo. Ela sugere, por exemplo, a investigação das crenças de formadores de professores, o impacto que os diferentes métodos de investigação das crenças podem causar na maneira que professores e aluno refletem sobre suas crenças, a estrutura da cognição do sistema de crenças, a relação entre crenças e cultura, crenças sobre outras línguas além do inglês, crenças mais comuns encontradas no contexto brasileiro, a relação entre crenças e diferenças individuais de aprendizagem etc.

Nos últimos anos, as pesquisas têm buscado preencher essas lacunas apontadas pela autora e outras não mencionadas. Observa-se que o interesse pela investigação sobre crenças tem buscado contextos diferenciados e questões mais específicas do processo de ensino-aprendizagem de línguas, como por exemplo, as particularidades do ensino de LE para aprendizes idosos (CONCEIÇÃO, 1999; BONFIM & ALVAREZ, 2008; OLIVEIRA, H. 2010); crenças sobre ensino de gramática (KUDIESS, 2005), ensino de vocabulário (CONCEIÇÃO, 2004; VECHETINI, 2005), crenças de professores de português sobre o papel da gramática no ensino de língua portuguesa (MADEIRA, 2005)20, a tradução no ensino de LE (BOMFIM, R. 2006), avaliação de aprendizagem (BARATA, 2006; SOUZA, J., 2007);

20

Este trabalho investiga crenças sobre ensino-aprendizagem de línguas em contexto de língua materna e, apesar de não ser o nosso foco nesse trabalho, foi mencionado em virtude da contribuição que traz para a compreensão da relação conhecimento-crenças-ação.

crenças sobre a escrita em E/LE (TASET, 2006; MAGALHÃES, 2009); crenças de professores formadores (BOMFIM, B. 2008; CALDAS, 2008), a relação entre crenças e identidade (BARCELOS, 2000; Couto, 2009), professores em formação continuada (CARAZZAI, 2009), entre outros temas21.

A exploração das crenças que permeiam contextos de ensino diversos e o estudo sobre a mudança de crenças também figuram entre as sugestões de Barcelos (2006a, p. 33-36) sobre os aspectos que merecem atenção da investigação na área de crenças no Brasil. Com base em Woods (2003, p.26-27), segundo o qual “as crenças não mudam tão facilmente, mas podem se desestabilizar e mudar sob certas condições”, a autora sugere que estudos futuros investiguem que condições seriam capazes de promover tais mudanças. Poucos pesquisadores brasileiros se concentraram em estudar esta particularidade das crenças (BLATYTA, 1999; VIEIRA-ABRAHÃO, 2002; ARAÚJO, 2004; NEDER NETO, s/d; KUDIESS, 2005; ARRUDA E BAMBIRRA, 2006; PESSOA & SEBBA,2006; PITELI, 2006; ARRUDA, 2008; CARAZZAI, 2009), e a maioria deles teve como foco a mudança nas crenças de professores.

Há autores que se colocam mais reticentes em relação à possibilidade de mudança das crenças, sem, entretanto, descartar essa possibilidade (NESPOR, 1987; PAJARES, 1992). O primeiro acredita que as crenças são menos maleáveis ou dinâmicas do que o conhecimento e o segundo diz que essa resistência a mudanças é mais acentuada na idade adulta. Sakui e Gaies (2002) acrescentam que um sistema de crenças formado geralmente resiste à chegada de novas informações que o contradigam por sua natureza tenaz e avaliadora, e Borg (2003), por seu turno, reforça essa idéia e apresenta evidências de que crenças estabelecidas em estágios iniciais de nossas vidas são dificilmente modificadas. A essa questão, Rockeach (1968) atesta que o sistema de crenças do indivíduo se organiza numa dimensão centro- periférica, de forma que a crenças mais centrais são mais resistentes a mudanças enquanto que as periféricas estariam mais suscetíveis a transformações. Assim, as crenças que os professores adquirem durante sua experiência como aprendizes são mais fortemente enraizadas e mais difíceis de serem mudadas (JOHNSON, 1994, p. 170).

Outros autores são mais receptivos a essa questão. Segundo Barcelos e Kalaja (2003) e Barcelos (2006a), as crenças são dinâmicas e mudam com o tempo, e sendo experienciais, elas resultam de interações entre o indivíduo e o ambiente, e reconstroem suas experiências. Dessa forma, ao vivenciar novas e significativas experiências relacionadas ao ensino-aprendizagem de LE, o aluno pode ressignificar uma crença antiga ampliando seu

21

Vide Silva K. (2005, 2007, 2010) para dados mais completos e detalhados sobre a produção na área de crenças (teses, dissertações, livros, periódicos, eventos).

campo de visão para aquela questão específica. Também Dufva (2003) defende a dinamicidade das crenças e afirma que elas são resultado de processos interativos. Esses processos ocorrem durante toda a vida de uma pessoa e como são contínuos, as crenças não são estáticas, mas, suscetíveis à mudança. Nessa mesma linha, Souza, J. (2007, p. 44) define crença como um saber intuitivo, que se forma a partir das experiências anteriores, que envolvem as ações do indivíduo, e pode ser modificada por influência das interações sociais e teóricas.

Barcelos (2007, passim) tece importantes considerações e reflexões a respeito da mudança de crenças de alunos e de professores sobre ensino-aprendizagem de línguas em Linguística Aplicada. Nesse artigo a autora discute o conceito de mudança, a possibilidade de mudança de crenças e os fatores que a favorecem ou dificultam. Em sua definição de crenças, a autora considera o fato de elas serem “co-construídas em nossas experiências resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação” (p. 113). Blatyta (1999) também trabalha com o conceito de ressignificação, mas referindo-se às “rupturas” entre as fases de produção do processo e a abordagem de ensino do professor, no modelo da Operação Global

do Ensino de Línguas, proposto por Almeida Filho (1993).

Apesar de o foco do texto de Barcelos (op. cit.) estar na mudança de crenças, em alguns momentos ela uso o termo "ressignificação", e parece alterná-los com sentidos bem próximos. Contudo, entendo que mudar seja mais forte e complexo que ressignificar, pois sugere um rompimento, por vezes completo, com algo em que se acredita, e isso dificilmente acontece, especialmente naquelas crenças que têm relação direta com a personalidade ou que foram geradas logo no início da vida do indivíduo. Entretanto, dependendo das circunstâncias, quando uma crença é desafiada ela pode se desestabilizar, o que não é garantia de uma mudança. Isso vem ao encontro do que diz Woods (2003). Segundo o autor, as crenças não mudam facilmente, mas podem se desestabilizar e mudar sob determinadas circunstâncias.

No caso dos aprendizes, eles podem ter esse processo de mudança influenciado pelo professor à medida que lhes proporcionam a explicitação, análise, exame e reflexão das suas crenças; criam oportunidades para novas experiências; explicam-lhes o objetivo de uma determinada atividade de ensino; proporcionam situações que lhes sejam significativas mas que também os faça revisar alguns elementos do seu sistema de crenças (Woods, op. cit., p. 218). No que concerne aos professores, Kudies (2005, p.41) defende que suas crenças passam por um “amadurecimento” a partir do contato com novas experiências, como, reflexões, conflitos, dúvidas, aquisição de novos conhecimentos e aprendizados, além da influência de

antigos professores, palestrantes e dos outros alunos na faculdade, da metodologia usada, pesquisas e informações teóricas.

Por outro lado, a ressignificação sugere um processo mais suave, incluindo a possibilidade de o indivíduo apenas ampliar sua visão sobre aquela crença, atribuindo-lhe um novo significado, mas em geral, mantendo parte de sua estrutura original. Isso é resultado do movimento constante de (re)construção e transformação que o sistema de crenças de um indivíduo passa no decorrer de sua existência, à medida que ele vivencia novas experiências ou reflete criticamente sobre suas crenças e ações. Dessa forma, a mudança dificilmente acontece subitamente, mas, em geral, ela vem como resultado desse processo contínuo de ressignificação. Também Woods (2003, p.226) parece estar de acordo com essa compreensão. O autor asserta que as mudanças nas crenças de um indivíduo seguem uma espécie de caminho de desenvolvimento que pode ser individual e idiossincrático, e outras vezes, partilhado com outros aprendizes.