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A abordagem dos problemas urbanos

Capitulo II A construção dos factores situacionais do crime, em espaço urbano

2.1 A criminologia ambiental – uma breve história

2.1.1 A abordagem dos problemas urbanos

O livro “The Death and Life of Great American Cities” (Jacobs, 1961) tem subjacente a ideia de que o crime não está associado às características pessoais de quem o comete, tal como defendem teorias anteriormente apresentadas. Contém, no entanto, uma ideia inovadora uma vez que coloca a tónica no enquadramento urbano da vítima e no papel do meio urbano como mecanismo de controlo da criminalidade.

Jane Jacobs (1961) parte do pressuposto de que a cidade, enquanto aglomerado de pessoas que não se conhecem, apresenta duas características fundamentais: a insegurança e o crime. Contudo, a autora defende que a problemática do crime não se deve à densidade populacional dos bairros habitacionais nem às camadas sociais das populações, mas antes à inoperância dos mecanismos de auto-protecção da cidade.

Segundo Jacobs (1961), a segurança do espaço público depende mais da vigilância e protecção involuntária dos seus utentes, do que da presença da polícia, sendo para isto necessárias cinco condições: (i) uma clara demarcação entre espaço privado e espaço público; (ii) uma utilização contínua e permanente do espaço público pela população; (iii) uma tendência de vigilância natural do espaço público pelos utentes dos edifícios que o envolvem; (iv) um sentimento de posse do espaço público por parte da população; e (v) uma consciência comunitária que permita a formação desse sentimento de posse e transmita uma sensação de confiança, assegurando a existência de um apoio em caso de perigo.

Com estes desenvolvimentos, a área de investigação sofreu um desvio para as questões do urbanismo. A “imaginabilidade” (Lynch, 1960) da cidade foi também uma importante área de investigação que transformaria a forma como os urbanistas e investigadores sociais abordariam o desenho urbano.

Lynch (1960), Jacobs (1961), Angel (1968) e Cullen (1971) providenciaram as bases desta teoria, mas foi com duas abordagens distintas da investigação nesta área disciplinar que elementos específicos do desenho urbano foram associados a uma redução da criminalidade: “Crime Prevention Through Environmental Design” (Jeffery, 1971) e “Defensible Space: Crime Prevention

Through Urban design” (Newman, 1972), Apesar de terem escalas de abordagem

diferentes (escala do desenho urbano, em Jeffery, e do edifício, em Newman), ambas representam a continuidade desta nova visão do objecto da criminologia ambiental, que transporta a atenção do criminoso para o evento criminal.

Estas novas abordagens não se interrogam sobre a causa das motivações criminosas, mas encaram que, apesar de alguns indivíduos serem portadores de uma certa motivação para a ofensa, o facto de cometerem ou não um crime pode resultar de outros factores, tais como as características físicas do meio urbano. Assumindo como objectivo de estudo a maneira como estas características podem ou não facilitar a ocorrência de uma ofensa, estes autores contribuem para uma nova abordagem das questões do controlo do crime.

Jeffery (1971) partiu do pressuposto de que o homem é um produto do meio onde se insere e, para tal, estudou as características físicas desse meio que proporcionavam a actividade delinquente. Argumentou que os sociólogos tinham exagerado consideravelmente as causas sociais do crime, tais como a pobreza relativa e as influências subculturais, e tinham negligenciado determinantes biológicos e ambientais, e que a prevenção deveria ser focalizada em factores relacionados à biologia do crime.

Apesar de se poder considerar como seguidor da mesma linha de investigação, o estudo de Newman (1972) foi uma resposta aos números elevados em termos de criminalidade urbana nos Estados Unidos da América.

Newman (1972, p.2) reivindica que o “Defensible Space” é «um meio para reconstruir o espaço habitacional das nossas cidades, para que este espaço volte a ser seguro, e controlado não apenas pela polícia, mas também pela própria comunidade que partilha um espaço comum». Esta alternativa implica que o desenho urbano seja um importante factor causal em termos de criminalidade, e que seja responsável por impedir ou facilitar ao ofensor a possibilidade para o crime. “Defensible Space” para Newman (1972) «…é um termo alternativo para a utilização de mecanismos – barreiras simbólicas e reais, definição de áreas de influência e melhoramento das oportunidades para a vigilância – que associados resultam num espaço controlado pelos residentes» (p.3).

Há quatro elementos do “espaço defensável” que actuam individualmente ou em conjunto na criação de um espaço seguro. Primeiramente, o espaço físico que pode determinar zonas de influência territorial, que transmitem uma noção de posse e, por isso, uma preocupação de propriedade entre os residentes. Seguidamente, o desenho urbano que pode ser utilizado para desenvolver oportunidades de vigilância para os residentes e os seus agentes (Figura 2). Em terceiro lugar, o Design que pode influenciar a percepção de um projecto, melhorando a imagem global em termos de isolamento e estigma. E, finalmente, o espaço envolvente que pode ser severamente influente e afectar a segurança das iniciativas locais (Newman, 1972).

Figura 2 – Territorialidade reforçada pela visibilidade

Estes quatro elementos traduzem a territorialidade latente e o sentido de comunidade dos habitantes, numa responsabilidade para assegurar e manter uma comunidade segura, produtiva e bem gerida. Esta teoria representa, também, uma mudança de escala de análise, a primeira “micro-abordagem” dos problemas da relação entre o crime e o meio urbano. Newman (1972) estuda as características arquitectónicas dos edifícios como catalisadores do sentimento de posse e da apropriação dos seus espaços pelos seus moradores.

Desde os trabalhos de Jeffery (1971) e Newman (1972) que as abordagens do crime em espaço urbano evoluíram para uma subdivisão dentro da criminalidade. Os anos setenta e oitenta foram testemunhas de uma emergente “geografia do crime”, que provou uma ecologia social do crime e enalteceu a localização, o espaço e a territorialidade como o seu foco (Pyle, 1974; Harries, 1974; Davidson, 1981).

É dado um novo impulso às relações entre o homem e o espaço urbano, a partir do desenvolvimento da Psicologia Ecológica e da Psicologia Ambiental (Gonçalves, 2000), patente no livro “Environmental criminology” (Brantingham & Brantingham, 1981) que contribuiu de forma fundamental para o nascimento da perspectiva que é hoje vulgarmente referida de “Criminologia Ambiental”.

Partindo de uma confiança na fiabilidade das estatísticas criminais13, Brantingham e Brantingham (1981) iniciam uma nova abordagem da problemática da criminologia ambiental, procurando novos processos explicativos dos padrões de incidência criminal encontrados. Concluindo que o crime não é um resultado directo da motivação dos criminosos e que, para além de ser influenciado pela forma urbana (como defendiam Jeffery e Newman), também o é por outros mecanismos de percepção de oportunidades, tais como a mobilidade do criminoso e os seus mapas cognitivos de distribuição de vítimas atractivas. Salientando a necessidade de compreender as diferenças entre os diversos tipos de crime, defendem que os criminosos não escolhem o local onde o praticam de forma

13 «Na ausência de dados que provem o contrário, os criminologistas podem e devem encarar as estatísticas oficiais como uma amostragem valida e fiável da real incidência de actos criminosos» (Brantingham & Brantingham, 1981, p. 23).

aleatória, e que é possível prever a distribuição espacial do crime e explicar as suas variações no meio urbano, através do estudo da estrutura espacial desse meio e da forma como os seus habitantes interagem com ele.

Para a criminologia ambiental, o evento criminal é definido como tendo cinco dimensões: espaço, tempo, lei, ofensor, alvo ou vítima. Sendo estas cinco componentes uma condição necessária e suficiente, a existência de apenas quatro componentes não constitui um incidente criminoso (Brantingham & Brantingham, 1981). Para tal, os criminologistas ambientais examinam o lugar e o tempo em que o crime aconteceu, estão interessados no uso do espaço, padrões de tráfego, no urbanismo, e nas actividades e movimentos diários das vítimas e dos ofensores. Neste âmbito, a criminologia ambiental, é o estudo do crime, da criminalidade e da vitimação porque estes três factores se relacionam, primeiro, a lugares particulares e, seguidamente, à forma como os indivíduos e as organizações alteram as suas actividades.

Com isto, os defensores da criminologia ambiental enalteciam o facto de que o crime não é distribuído de forma uniforme por toda a cidade, existindo locais de maior incidência do crime e outros com total ausência de tais actos (Herbert & Hyde, 1985).

Poderemos dizer que o autóctone local usa este conhecimento na sua rotina diária, evitando algumas zonas da cidade em detrimento de outras. As suas escolhas em termos de aglomerados habitacionais, escolas, lojas, ruas e espaços recreativos, são orientados parcialmente pelo entendimento de uma maior ou menor possibilidade de virem a ser vítimas.

Segundo Eck e Weisburd (1995), apesar de podermos analisar este comportamento à luz de um maior receio de certos indivíduos, face a determinadas áreas da cidade, podemos também concluir que esse receio não se distribui por todas as áreas da cidade do mesmo modo, reflectindo que o entendimento da incidência do crime não é geograficamente constante.

Estas áreas de maior incidência do crime são comummente chamadas de

“Hot spots”. Apesar de não existir uma definição precisa de “hot spots”, Sherman

frequente que os tornam previsíveis. Estudos sobre “hot spots” têm recebido uma crescente atenção nos últimos anos (e.g., Nasar & Fisher, 1993), e segundo Sherman (1995), o crime concentra-se aproximadamente seis vezes mais em locais do que em indivíduos, daí a importância da questão “onde aconteceu?” como da questão “quem cometeu?”.

Neste âmbito, tem emergido recentemente uma nova abordagem à prevenção criminal em espaço urbano, através das renovadas teorias do “Crime Prevention Through Environmental Design” (CPTED) (Cisneros, 1995).

2.1.2 CPTED – uma revisão do pensamento moderno

De todas as mudanças que se efectuaram até ao nascimento da criminologia ambiental, a teoria que ainda permanece nos dias de hoje é a do

“Crime Prevention Through Environmental Design” – CPTED. Apesar de totalmente

diferente das premissas iniciais defendidas por Jeffrey, o CPTED emergiu como uma perspectiva sócio-ecológica dentro da criminologia e do urbanismo. Neste âmbito,focaliza-se na «identificação das circunstâncias do ambiente físico e social que fornecem oportunidades para actos criminais (…) e na alteração dessas circunstâncias de modo a que nenhum crime ocorra» (Brantingham & Faust, 1976, p.289), bem como em locais onde os crimes ocorrem e em técnicas para reduzir a vulnerabilidade desses locais (Taylor & Harrell, 1996), porque a sua premissa central é que o crime pode ser facilitado ou bloqueado por características do ambiente físico (Clarke, 1995).

Tendo como objectivo impedir ocorrências criminais, o CPTED é conceptualmente diferente das estratégias reactivas utilizadas por polícias, tribunais e sistemas prisionais (Wallis, 1980).

Apesar do CPTED envolver geralmente a alteração do espaço urbano para reduzir as oportunidades para o crime, focaliza-se também noutros campos, incluindo a redução do medo do crime, o aumento da qualidade estética de um ambiente, e o aumento da qualidade de vida para o cidadão, especialmente por

reduzir a propensão do ambiente físico para suportar o comportamento criminal (Clarke, 1995;Crowe, 2000).

Figura 3 – Principais estratégias do CPTED

Fonte: Moffat (1983)

Nos dias de hoje, as principais estratégias do CPTED assentam em seis pilares (Moffat, 1983):

(i) a territorialidade, que é baseada na suposição de que os indivíduos protegem os locais que consideram seus e possuem e desenvolvem respeito pelo território de outros, é um conceito dirigido ao reforço de noções de propriedade e de um "sentido de posse" nos legítimos utilizadores do espaço. Deste modo, reduzem-se as possibilidades para cometer um crime, desencorajando utilizadores ilegítimos. Esta estratégia inclui o uso de barreiras simbólicas (e.g., símbolos) e barreiras reais (e.g., cercas ou projectos que claramente definem e delineiam espaços privados dos espaços públicos) (Crowe, 2000);

(ii) a vigilância natural, que limita a possibilidade da ocorrência de um crime, através de iniciativas que incrementam a percepção de que um indivíduo pode ser visto. Se os ofensores se apercebem que podem ser observados, a ofensa poderá ser menos provável, dado o aumento potencial de uma intervenção ou apreensão (Painter & Tilley, 1999). A vigilância ocorre através da colocação de

características físicas e de indivíduos, de forma a maximizar a visibilidade e a interacção social entre os habitantes de um espaço privado ou público;

(iii) o controlo de acesso, que limita a ocorrência de um crime, através de um acesso bloqueado a potenciais alvos, e criando uma percepção de risco elevado para os ofensores;

(iv) a manutenção, e uma imagem positiva do ambiente construído, assegura que este ambiente continue a funcionar eficazmente e a transmitir sinais positivos a todos os cidadãos (Eck, 1997). O significado da manutenção e imagem do ambiente construído e do efeito que isto pode ter no crime e nos sentimentos de insegurança têm sido reconhecidos (Lynch, 1960) e alcançaram novos contornos através da teoria “Broken Windows” de Wilson e Kelling (1982). Esta tese sugere que se pode esperar uma determinada sequência de eventos, na deterioração de uma zona: a evidência de deterioração (e.g., janelas quebradas, lixo acumulado, exteriores de edifícios deteriorados) em certas zonas, que permaneçam durante um longo período de tempo, causa uma maior vulnerabilidade nos indivíduos que aí vivem ou trabalham. Estes indivíduos tornam-se menos interventivos na manutenção da ordem pública e na reabilitação do espaço deteriorado. Como resposta, intensificam-se actividades de vandalismo e o local transforma-se num espaço vulnerável, colocando os residentes numa situação de medo. Segundo Crowe (2000), o espaço urbano pode afectar a criminalidade, mas é também a gestão e a manutenção desse espaço que pode influenciar o crime e os sentimentos de insegurança. Deste modo, a manutenção é uma expressão de propriedade. A deterioração indica menos controlo e uma maior tolerância à desordem;

(v) suporte de actividades, envolve o incentivar de padrões de actividades no uso do espaço público. Crowe (2000) nota que esta geração de actividades procura colocar inerentes actividades “inseguras” (e.g., levantamentos de dinheiro) em locais “seguros” (e.g., locais com elevado índice de actividades e de oportunidades de vigilância). Similarmente, actividades “seguras” servem de atracção para que os cidadãos possam agir para bloquear a presença de criminosos;

(vi) reforço do alvo, que aumenta o esforço do ofensor para cometer um crime. O reforço do alvo é a abordagem mais tradicional à prevenção do crime. Focaliza-se em negar ou limitar o acesso a um alvo pelo uso de barreiras físicas, tais como cercas, portas, fechaduras, alarmes electrónicos, etc. Crucialmente, o uso excessivo desta estratégia pode criar uma “sociedade fortaleza”, por meio de que os cidadãos se coloquem por trás destas barreiras físicas, e a capacidade de auto-patrulhamento do ambiente construído é prejudicada, indo contra às estratégias do CPTED que se baseiam sobretudo na vigilância natural, na territorialidade, na manutenção e controlo de acesso (Cozens, 2002).