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3. O TRABALHO E O ESTRESSE OCUPACIONAL

3.3 O estresse na perspectiva das correntes teóricas: biológica, psicológica e sociológica

3.3.2 Abordagem psicológica

A segunda abordagem conceitual do estresse é a psicológica, cuja ênfase, segundo Zille (2005), recai na compreensão da influência que a percepção e o comportamento do indivíduo são manifestados no processo de formação de quadros de estresse. Esta abordagem está subdividida em cinco vertentes: psicossomática, interacionista, behaviorista, psicopatologia do trabalho e psicologia social, detalhadas a seguir.

a) A vertente psicossomática

É aquela em que se enquadra o presente estudo. Busca compreender o adoecimento como reação de somatizações, ou seja, a relação entre as tensões e o aparecimento de doenças. Para Pelletier (1984 apud ROSSI, 2005, p. 9) “50% a 80% de todas as doenças têm fundo

psicossomático ou estão relacionadas ao nível de stress”. Zille (2005, p. 71) aponta para importantes contribuições dos estudos do pesquisador William Osler (final do século XIX), que “direcionou suas pesquisas no sentido de compreender a relação entre a tensão e o aparecimento das doenças”, e de estudos posteriores, como o do psiquiatra Adolf Meyer (final do século XIX e início do Século XX), que avançou em termos de compreensão da possibilidade de exaustão completa do organismo humano pela sobrecarga de seu sistema adaptativo. Outra importante contribuição mais recente para os estudos desta vertente deve-se ao trabalho de Holmes e Rahe (1978)10, que originou a denominada “Escala de Classificação do Reajustamento Social de Holmes e Rahe”, concluindo-se que o acúmulo de mais de duzentas unidades de variação por ano na vida de uma pessoa aumenta de forma significativa o aparecimento de doenças psicossomáticas. Para Zille (2005), os estudos destes autores são muito utilizados por pesquisadores na área de estresse e sua base não é o estado emocional para explicar a somatização, mas sim fatos concretos acontecidos na vida dos indivíduos que levam aos impactos na saúde.

Em estudos recentes, Limongi-França (2008, p. 8) aponta que a psicossomática11 é uma terminologia da medicina que considera a “total integração entre os processos biológicos, mentais e físicos, admitindo que qualquer vivência do indivíduo [...] envolve a mobilização e as reações simultâneas no corpo como um todo”. Ou seja, os processos psíquicos influenciam diretamente a dinâmica do corpo. A autora explica que a atual configuração das relações de trabalho e as regras que permeiam cada grupamento social criam atributos e estereótipos. Desse modo, é esperada determinada conduta ou comportamento dos indivíduos, que, muitas vezes, é imposta pelas relações de poder. O que acontece com os sujeitos que manifestam sintomas destoantes daqueles do grupo é visto como um desvio que provoca a “individualização”, “que é o mascaramento da percepção de fatos da realidade em função de crenças sociais. [...] A percepção de desvio decorre da fragmentação de fatos, que são percebidos apenas individualmente, mesmo que eles tenham presença coletivamente” (LIMONGI-FRANÇA, 2005, p. 11).

A autora ainda aponta que o funcionário não pode manifestar uma alta frequência de sintomas porque “rompe com a norma social dos atributos do ‘bom funcionário’” (LIMONGI-

10

Esta escala sofreu a sua última revisão em 2000. Foi apresentada no VII Congresso de Stress e IX Fórum Internacional de QVT da ISMA-BR (2007).

FRANÇA, 2008, p. 11), que é aquele presente no trabalho assíduo, constante e sem doenças ou queixas. Desse modo, a individualização acaba por se tornar um processo de estigmatização, que “atua como mecanismo de controle do comportamento desviante em defesa dos valores organizacionais e das crenças sobre a obrigação de controle sobre as manifestações nas quais o sintoma não é visível”. Segundo Limongi-França (2008, p. 12), as respostas psicossomáticas ocorrem nesta relação e são definidas como

[...] manifestações humanas decorrentes de impactos na dinâmica biopsicossocial, com prevalência na dimensão psíquica acompanhada de sintomas não específicos. As respostas psicossomáticas mobilizam processos simultâneos e interdependentes, em busca de adaptação e equilíbrio interno e externo. [...] A terminologia mais recente as designa como somatizações [...e] correspondem a indisposições, dores generalizadas, disfunções orgânicas e lesões de órgão ou sistemas do corpo, acompanhadas da presença de conteúdos emocionais relativos a prazer e desprazer e situações de vida estressantes.

Pode-se pensar nesta vertente de forma inter-relacionada com a interacionista, segundo Zille (2005, p. 74), em que a “primeira estabelece uma relação entre corpo e mente e a segunda relaciona mente e ambiente permeado pelo mecanismo psíquico”.

b) A vertente interacionista

Tem sua base na psicologia experimental e relaciona-se à compreensão das relações que os indivíduos estabelecem com seu meio, aos mecanismos de interação e às interpretações dos elementos à sua volta. Para Zille (2005, p. 72), tendo como referência Lazarus (1974), “nessa concepção, a reação do indivíduo ao estresse depende de como ele percebe, de forma consciente ou não, o significado de uma ameaça ou desafio advindo do ambiente”. Nesse sentido, pode-se dizer que a estrutura psíquica dos indivíduos determina sua maior ou menor propensão a desenvolver quadros de estresse.

Segundo Bowditch e Buono (2002, p. 62), os principais fatores que irão determinar como e por que o indivíduo assume e mantém formas de comportamento estão baseadas nos conceitos de percepção e de sensação. Para estes autores, a sensação se refere ao estímulo físico dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Embora o conhecimento dessas diversas sensações ajude a explicar alguns dos comportamentos dos indivíduos, também é preciso compreender como um indivíduo reage a essas sensações e como as organiza internamente. Este processo é denominado “percepção” e se refere, segundo os autores, ao “modo como

interpretamos as mensagens de nossos órgãos dos sentidos para dar alguma ordem e significado ao nosso meio ambiente”. Pode-se dizer, portanto, que o potencial de estresse não está na condição objetiva, e sim na interpretação que o trabalhador faz desta condição. Para Zille (2005, p. 74), esta vertente busca compreender o estresse como decorrente de uma relação estabelecida entre o indivíduo e ambiente, permeado pelo mecanismo psíquico.

c) A vertente behaviorista

Revelam-se como principal destaque os trabalhos de Friedman e Rosenman (1974), que, segundo Rosch (2005), investigaram a relação de alguns comportamentos específicos como causa de ataques cardíacos e sua contribuição para o desenvolvimento de doenças coronarianas. Com base em seus estudos eles cunharam a terminologia “Comportamento Tipo A” e seu oposto, “Comportamento Tipo B”, que passaram a incorporar a literatura da medicina e da psicologia. Couto (1983, p. 63-65) aponta as principais características de indivíduos caracterizados como Tipo A: impetuosidade verbal, movimentação constante, impaciência, tendência a dominar a conversa, tentar fazer ou pensar duas ou mais coisas ao mesmo tempo, programar cada vez mais coisas em cada vez menos tempo, sentir-se culpado quando descansa, alta competitividade, preocupar-se com o ter, tiques e gestos nervosos, fixação nos números e medo de diminuir o ímpeto.

Para o autor, o “estilo de vida A” também pode ser denominado “a doença da pressa” e se opõe ao tipo B, cujos indivíduos apresentam responsabilidades e aspirações profissionais equilibradas, sem o desejo de participar e de possuir cada vez mais, principalmente em relação às questões materiais. Para Rosch (2005, p. 30) os indivíduos tipo A são dependentes de sua própria adrenalina e, quando privados de tais estímulos, “podem se tornar irritáveis e deprimidos”.

d) A vertente da psicopatologia do trabalho

Observam-se a especial contribuição dos trabalhos de Dejours (1991, 2007) e sua compreensão do sofrimento e do prazer proporcionados pelo trabalho, a partir da subjetividade do trabalhador. Apesar do seu foco inicial não ser os estudos de estresse, Zille (2005, p. 78) aponta que estes “são tangenciados pela psicopatologia sendo apontados como uma alternativa ao adoecimento psíquico”.

A obra de Dejours (1991) muito contribuiu para a compreensão do adoecimento psíquico do trabalhador operacional, na medida em que defende que a vivência depressiva deste trabalhador condensa em si os sentimentos de indignidade, inutilidade e desqualificação, originados do trabalho desprovido de sentido e autonomia. A vivência depressiva é alimentada pela sensação de adormecimento intelectual, com certa presença nos trabalhadores “taylorizados”, denominados por Dejours (1991) de “operário-massa”. Para este autor, o foco do adoecimento está no trabalho e nas relações mentalmente opressoras por ele estabelecidas.

e) A vertente da psicologia social

Refere-se à influência das pessoas sobre as outras e às relações que os indivíduos estabelecem entre si. O foco desta vertente está no comportamento e nos estudos de grupo, e não nas manifestações isoladas de estresse nos indivíduos (DAVIDOFF, 1983)

De acordo com Lhuilier, Mignèe e Raix (1991), a psicologia social leva em consideração aquilo que ocorre dentro dos grupos, constituindo num vasto campo de pesquisa, essencial para entender as relações do homem com o trabalho e a organização. Dentre as correntes apresentadas para análise do estresse, as contribuições da psicologia social podem ser consideradas entre as mais incipientes no Brasil. O mesmo não ocorre na França e outros países da Europa, onde existe um forte desenvolvimento, principalmente, em relação às questões do trabalho e aos impactos na vida e saúde dos trabalhadores.

Na visão de Leontiev (1978), os estudos sobre estresse na vertente da psicologia social exploram as fronteiras organizacionais, buscando entender as opções de desenvolvimento social e os impactos nas relações entre os indivíduos e o seu trabalho. Essa corrente aprofunda-se nas questões culturais em relação à forma como a sociedade constrói as concepções de mundo em termos grupais. O mesmo não ocorre na vertente interacionista, em que o foco se dá nas relações individuais com o meio organizacional.