• Nenhum resultado encontrado

3. O TRABALHO E O ESTRESSE OCUPACIONAL

3.4 Modelos explicativos do estresse ocupacional

Muitos estudos foram e ainda estão sendo desenvolvidos para explicar o estresse ocupacional. Alguns deles originaram modelos teóricos que contribuem para a explicação da origem dos quadros de estresse. Para Couto (1987), o modelo básico de origem do estresse é formado pelo contexto do indivíduo, os agentes estressantes no trabalho e sua vulnerabilidade. A superposição dos dois primeiros elementos, juntos ou separados, associados à vulnerabilidade do indivíduo, pode resultar em quadros de estresse (FIG. 5).

FIGURA 5 – Modelo básico de origem de estresse Fonte: COUTO, 1987, p. 35 Stress Agentes Estressantes no Trabalho Contexto Vulnerabilidade

Segundo Zille (2005) outra visão sobre o estresse pode ser encontrada no modelo proposto por Karasek (1998) (FIG. 6), em que o autor considera que dois elementos-chave têm se evidenciado como importantes estressores, oferecendo riscos à saúde mental e à saúde física do indivíduo. Karasek descreveu-os como sendo as altas demandas psicológicas ou pressões relacionadas à capacidade de usar as habilidades no trabalho e a autoridade de tomada de decisões, combinadas com a baixa abrangência de controle ou decisão ao deparar-se com essas demandas.

Observando esse modelo de explicação do estresse, as altas demandas no trabalho e a baixa abrangência de tomada de decisão geram resultados negativos na saúde física, podendo ter como consequência a hipertensão e outras manifestações cardiovasculares. A adaptação crítica para controles baixos, como situações de demandas baixas, vivenciadas, por exemplo, no trabalho passivo, podem resultar em habilidades reduzidas para solucionar problemas e ou empreender mudanças. Inversamente, quando as altas demandas do trabalho são compatíveis com o grau de autoridade e as habilidades requeridas, tendo estressores controláveis ou trabalhos “ativos”, ocorre mais “aprendizagem ativa” e maior “lócus interno” no desenvolvimento do controle. Essa situação pode capacitar indivíduos a desenvolverem uma escala mais ampla de estratégias de enfrentamentos no ambiente de trabalho.

A FIG. 6, mostra a configuração gráfica do modelo de tensão do trabalho de Karasek (1998).

FIGURA 6 – Modelo de tensão no trabalho Fonte: ZILLE (2005, p. 98).

ALTA TENSÃO PASSIVO

BAIXA TENSÃO ATIVO

BAIXA ALTA ALTA Desenvolvimento Ativo: Motivação para desenvolver novos padrões comportamentais Demandas no trabalho Decisões no trabalho (autoridade + habilidades utilizadas)

Mais recentemente, este modelo foi expandido para incluir um terceiro fator, relacionado aos efeitos benéficos do suporte social no local de trabalho. Dessa forma, o modelo passa a enfatizar a interação entre as demandas e os controles na causa do estresse, evidenciando ações no ambiente do trabalho e as perspectivas individuais ou ajustes no ambiente pessoal.

Segundo Zille (2005, p. 98), um estudo de grande relevância na literatura de estresse e que serviu de referência teórica para o desenvolvimento de seu próprio estudo foi apresentado por Cooper et al. (1988) (FIG.7),

[...] que consideram os agentes estressores como parte integrante de todas as ocupações profissionais, podendo ser classificados de acordo com seis grandes categorias: fatores intrínsecos ao trabalho; papel do indivíduo na organização; relacionamento interpessoal; desenvolvimento na carreira; clima e estrutura organizacional e interface casa/ trabalho.

Neste modelo, a vulnerabilidade individual será determinante em relação ao grau em que os indivíduos serão afetados pelos estressores. A forma passiva ou ativa que o trabalhador se posiciona em seu ambiente de trabalho é orientada pelas estratégias cognitivas e comportamentais planejadas, “de forma que o indivíduo esteja atento às demandas internas e aos conflitos que o estejam atingindo, objetivando ainda, impedir situações ameaçadoras ou conseqüências desagradáveis” (ZILLE, 2005, p. 98).

Este modelo apresentou as bases necessárias para o desenvolvimento de um instrumento capaz de diagnosticar os níveis de estresse ocupacional, denominado Occupational Stress Indicator (OSI). Este instrumento foi revisto por Evers, Frese e Cooper (2000), visando aumentar o grau de confiabilidade em algumas das escalas. Desse modo, o novo modelo revisado e atualizado foi apresentado em duas versões: a primeira, com 28 escalas e 188 indicadores; a segunda, reduzida, com 15 escalas e 94 indicadores.

A seguir, será apresentado na FIG. 7, visando uma melhor compreensão da abordagem teórica referenciada, o Modelo dinâmico do estresse ocupacional, desenvolvido por Cooper et al. (1988).

FIGURA 7 – Modelo dinâmico do estresse ocupacional Fonte: ZILLE (2005, p. 102).

É importante destacar um modelo recente, proposto por Zille (2005) (FIG. 8) para explicar o estresse ocupacional em gerentes (MTEG). Segundo o autor, o modelo está estruturado com base em cinco construtos de primeira ordem: fontes de tensão no trabalho (FTT), fontes de tensão do indivíduo e do papel gerencial (FTIPG), mecanismos de regulação (MECREGUL), sintomas de estresse (SINTOMAS) e impactos na produtividade (IMPACTOS). Esses construtos são explicados pelos respectivos construtos de segunda ordem, que, por sua vez, são explicados pelos indicadores correspondentes. A exceção se faz ao construto impacto na produtividade, que é explicado diretamente pelos seus indicadores

Os Processos de trabalho, relações no trabalho, insegurança nas relações de trabalho e convivência com indivíduos de personalidade difícil explicam o FTT. Responsabilidades acima dos limites, estilo e qualidade de vida, aspectos específicos do trabalho do gerente e desmotivação explicam o FTIPG. Interação e prazos, descanso regular, experiência no trabalho e atividade física explicam o MECREGUL. Sintomas de hiperexitabilidade e senso de humor, sintomas psíquicos, sistema nervoso simpático (SNS), gástricos e sintomas de aumento do tônus, tontura / vertigem, falta / excesso de apetite e relaxamento explicam os SINTOMAS. Finalmente, os indicadores dificuldades em lembrar fatos recentes relacionados

ao trabalho, que anteriormente eram lembrados com naturalidade, dificuldade de concentração no trabalho, desgastes nos relacionamentos interpessoais no trabalho e fora dele, perda em relação aos eventos da vida (trabalho, família, contexto social, entre outros), redução da eficiência no trabalho, dificuldades em relação à tomada de decisões; e fugas das responsabilidades do trabalho contribuem para explicar o construto IMPACTOS.

FIGURA 8 – Modelo teórico para explicar o estresse ocupacional em gerentes – MTEG

1) As indicações dos valores entre parênteses no modelo teórico, como + (0,8); + (-0,1), referem- se aos coeficientes de caminho estimados pelo PLS – Partial Least Squares, como intervalos de confiança a 5%, para explicação dos construtos do modelo teórico.

+ (0,6) + (0,8) - (-0,1) + (0,6) + (-0,1) DESMOTIVAÇÃO (FATOR 16) MECANISMOS DE REGULAÇÃO (MECREGUL) RELAÇÕES NO TRABALHO (FATOR 2) INSEGURANÇA NA RELAÇÃO DE TRABALHO E CONVIVÊNCIA COM INDIVÍDUOS DE PERSONALIDADE DIFÍCIL (FATORES 9, 17) FONTES DE TENSÃO DO INDIVÍDUO E DO PAPEL GERENCIAL (FTIPG) EXPERIÊNCIA NO TRABALHO ATIVIDADE FÍSICA (FATOR 14) INTERAÇÃO E PRAZOS (FATOR 12)

SINTOMAS DE AUMENTO TÔNUS TONTURA/ VERTIGEM FALTA/ EXCESSO DE APETITE

RELAXAMENTO (FATORES 8, 15) SINTOMAS PSÍQUICOS SNS GÁSTRICOS (FATOR 4) SINTOMAS DE HIPEREXCITABILIDADE E SENSO DE HUMOR (FATOR 5) ASPECTOS ESPECÍFICOS DO TRABALHO DO GERENTE FATOR (6) ESTILO E QUALIDADE DE VIDA (FATOR 7) RESPONSABILIDADES

ACIMA DOS LIMITES

(FATOR 13) SINTOMAS DE ESTRESSE (SINTOMAS) IMPACTOS NA PRODUTIVIDAD E (IMPACTOS) (FATOR 3) FONTES DE TENSÃO NO TRABALHO (FTT) PROCESSOS DE TRABALHO DESCANSO REGULAR (FATOR 11)

2) A numeração relativa aos fatores dos construtos de segunda ordem constantes do modelo teórico refere-se aos indicadores dos respectivos fatores extraídos da Matriz Rotacionada de Componentes Final (ZILLE, 2005 , p. 186 e 148-149).

Fonte: Zille (2005, p. 191).

O autor considera que este modelo avança teoricamente em relação a outros modelos anteriormente desenvolvidos no que se refere ao estudo do estresse em gerentes e contribui com um novo construto, ainda não presente na literatura estudada, “que objetiva explicar os impactos na produtividade decorrentes dos sintomas de estresse’ (ZILLE, 2005, p. 241).

Finalmente, o modelo teórico de LIPP, objeto que fundamentou a elaboração do Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL) (ANEXO A), configura-se como o teste psicológico utilizado no presente estudo. Lipp, após quinze anos de estudos, utilizando-se do ISS fundamentado no modelo trifásico proposto por Selye (1956), já descrito, propôs um modelo teórico que se adequasse à realidade observada em suas pesquisas. Seu modelo quadrifásico propõe a inserção de uma quarta fase do estresse, a “quase-exaustão”, entre a fase de resistência e de exaustão (FIG.9). O ISSL permite um diagnóstico da presença de estresse no indivíduo, a fase do estresse em que se encontra e se, tipicamente para ele, o estresse se manifesta com maior incidência por meio de sintomatologia na área física ou psicológica (somático ou psicológico). O ISSL foi validado e publicado em 2000 nos mesmos padrões atuais. A versão utilizada na presente pesquisa é da edição de 2005, revisada após aplicação em outros estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará, Pernambuco, Piauí e Bahia, corroborando a validação anterior.

A seguir, será apresentado na FIG. 9, visando proporcionar uma melhor compreensão da abordagem teórica referenciada, o modelo quadrifásico do stress’, de Lipp (2005). Vale ressaltar que, conforme descrito na literatura, o sujeito avança nas fases do estresse conforme o modelo, mas também pode retroceder caso os agentes estressores sejam controlados.

A autora aponta que “os efeitos do estresse podem se manifestar tanto na área somática como na cognitiva e aparecem em sequência e gradação de seriedade à medida que as fases do stress de agravam” (LIPP, 2005, p. 13). O avanço de suas pesquisas em relação à introdução da quarta fase foi comprovado tanto clínica como estatisticamente e refere-se ao momento em que o sujeito não mais consegue adaptar-se ou resistir ao agente estressor, iniciando um quadro em que sua saúde passa a ser lesada. Mesmo diante do desgaste constante e do

aparecimento de doenças, o indivíduo ainda mostra-se capaz de produzir. O mesmo não acontece quando o estresse alcança a fase de exaustão, “quando a pessoa pára de ‘funcionar’ adequadamente, não conseguindo, na maioria das vezes, trabalhar ou concentrar-se” (p. 13). Os dados de pesquisa demonstraram, segundo Lipp (2005, p. 13), que a fase de exaustão era bastante extensa e que apresentava sintomatologia manifestada em dois momentos distintos, “caracterizados não por sintomas diferenciados, mas sim pela quantidade e intensidade dos sintomas”.

FASE DE ALARME

FASE DE RESISTÊNCIA

FASE DE QUASE-EXAUSTÃO

FASE DE EXAUSTÃO

FIGURA 9 – Modelo teórico de Lipp para explicar o estresse Fonte: elaborado pela autora, a partir da teoria de Lipp (2005).

Finalizando esta parte do trabalho, o referencial teórico foi apresentado em duas partes. O primeiro capítulo teórico, dividido em dois temas centrais: a) buscou contextualizar a história do trânsito e dos acidentes com motociclistas na cidade de Belo Horizonte, destacando o crescimento acentuado da frota de motocicletas, das CNH e dos óbitos decorrentes destes acidentes. A história das motos e o perfil geral do motociclista também foram descritos, até chegar ao motociclista profissional; e b) apresentou as novas configurações do trabalho, a partir da Revolução Industrial, e as atuais relações com o tempo e a velocidade, originárias no sistema Taylor e intensificadas pela globalização. Finalmente, abordou-se o estresse a partir de uma revisão da literatura sobre o tema, desde os estudos iniciais de Hans Selye (1936) até o modelo de Lipp (2005), que constituiu-se na base para o desenvolvimento deste estudo, propondo uma nova fase de manifestação sintomática do estresse. Assim como as fases do estresse, também foram apresentadas as correntes que estudam o tema, com destaque para a

Psicossomática, vertente da corrente psicológica do estresse, bem como suas manifestações e tipologia. Também foram apresentados alguns dos modelos teóricos descritos na literatura, desenvolvidos para explicar o estresse ocupacional nas suas diversas facetas.

Dando sequência ao presente estudo, apresenta-se o capítulo metodológico, definindo os tipos de pesquisa utilizados, delineando a população e amostra estudadas, descrevendo a estratégia de coleta de dados e, finalmente, explicando como os dados foram analisados.