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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA DISCUTIR UMA

2.1 ABORDAGENS TEÓRICAS E AS CIÊNCIAS DO ESPORTE

2.1.1 Abordagem sociológica do esporte

As primeiras obras que tratam expressamente da abordagem sociológica do esporte apareceram na Alemanha nas primeiras décadas do século XX. Em 1910, H. Steinitzer publica Sport Und Kultur focalizando relações entre esporte e cultura. O debate provocado pelo livro foi divulgado pela revista polonesa Ruch (Movimento). Outra obra que se destacou no âmbito sociológico foi publicada em 1921 por Heinz Reisse com o título Soziologie des

Sports. Ambas as obras constituem uma reflexão sobre o fenômeno esportivo mais do que

uma análise ou descrição de dados factuais ou históricos (THOMAS, HAUMONT, LEVET, 1988).

O verdadeiro surgimento da Sociologia do Esporte ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir de 1950. Naquele ano, Joffre Dumazedier e colaboradores publicaram uma obra intitulada Regards Neufs Sur le Sport de caráter pedagógico, na qual apresentaram alguns elementos essenciais de sociologia. Estruturam os

autores uma crítica às idéias preconcebidas sobre o tema expressando a necessidade de um estudo do fenômeno esportivo, seguido de uma descrição metodológica de investigação.

Para Lüschen e Weis (1979), a Sociologia do Esporte como uma subdisciplina da Sociologia foi construída à medida que foram criadas condições para seu surgimento. Os autores destacam cinco condições que favoreceram a sua constituição como disciplina acadêmica: primeiro, a ampliação geral da sociologia e de seus legítimos campos de trabalho, acompanhada de uma expansão de recursos materiais e pessoais. Segundo, a reivindicação do esporte como legítimo objeto de investigação. Terceiro, a ampliação da instituição esportiva e a necessidade de uma investigação científica promovida tanto pela sociologia e a ciência do esporte como por entidades oficiais e as federações esportivas. Quarto, a promoção desse campo e de jovens pesquisadores com interesse por uma série de entidades representativas da sociologia geral, entre eles René Koenig, Helmut Plessner, Helmut Schelsky, Erik Allardt, Norbert Elias, Max Gluckman, Roger Girod, David Riesman e Kyuzu Takenoshita. Quinto, a constituição de um comitê de pesquisa dentro da própria Associação Internacional de Sociologia.

O desenvolvimento da Sociologia do Esporte a partir dos anos 50 geralmente é dividido em três períodos. O primeiro se estende até 1963, o segundo de 1964 a 1972 e o terceiro até os dias atuais.

O primeiro período da Sociologia do Esporte (1950-1963) é caracterizado por estudos essencialmente de caráter descritivo e outros históricos. No início desse período, além do trabalho de Joffre Dumazedier na França, destacam-se na Alemanha U. Popplow em 1951 e Helmut Plessner em 1952, ambos dedicados a aspectos da Sociologia do Esporte. Em 1953, Andrezj Wohl publicou estudo dedicado aos problemas do desenvolvimento da cultura física no contexto do sistema socialista. Um pouco mais tarde, surgiram estudos que podem ser caracterizados como delineamentos de uma verdadeira Sociologia do Esporte. R. Helanko publicou a obra intitulada Sports et Socialisation, em 1957, na qual analisa o papel do esporte nas relações de grupo. Michel Clousard, em 1963, publicou o estudo Les Fonctions Sociales

du Sport, em que apresenta seis distintas funções sociais do esporte: educativa; competitiva;

profissional; de espetáculo; de diversão; industrial. Outra obra importante nesse primeiro período foi o livro de Peter McIntosh Sport and Society, essencialmente histórico, embora contendo diversos aspectos sociológicos (McINTOSH, 1975).

O segundo período da Sociologia do Esporte (1964-1972) consagra a sua institucionalização como campo específico de conhecimento. O ano de 1964 é um marco para

a Sociologia do Esporte por dois fatos importantes que se interrelacionam. Primeiro, foi o movimento de estudiosos da área para a criação do International Comitee for the Sociology of

Sport (ICSS), vinculado ao Conseil International du Sport et de L’Education Physyque

(ICSPE). Seus membros fundadores foram Joffre Dumazedier (França), Gunter Erbach (RDA), Kaveli Heinila (Finlândia), Peter McIntosh (Inglaterra), Gunter Luschen (RFA), Alexander Novikov (URSS), Gregory Stone (USA) e Andrezj Wohl (Polônia), seu primeiro presidente. Posteriormente, o ICSS passou a integrar a International Sociology Association (ISA).

O ano de 1964 foi marcado pela discussão em torno da publicação de Georges Magnane intitulada Sociologie du Sport. O referido estudo foi desenvolvido durante três anos no Conseil National de la Recherche Scientifique – CNRS – da França sob a direção de Joffre Dumazedier. A obra foi estruturada em quatro partes, focalizando as seguintes temáticas: (a) o esporte na vida cotidiana; (b) o esporte como atividade de lazer; (c) a popularidade do esporte; (d) o esporte como meio de cultura. Magnane (1969, P. 9), na introdução de sua obra, é enfático ao afirmar:

O esporte apresenta-se atualmente com um fato social em estado bruto. É tão difícil ter uma visão de conjunto dele, como estudá-lo em detalhe; o que não tem nada de inesperado, já que estas duas perspectivas, longe de se excluírem, não podem ter eficácia uma sem a outra. Um conhecimento sociológico autêntico se impõe pela originalidade de fatos significativos examinados de perto e de diversos pontos de vista subjetivos; mas essa originalidade mesma só pode ser notada após um estudo completo das estruturas objetivas.

Ao analisar o esporte na vida cotidiana, Magnane (1969, P. 15) argumenta que é necessário ao pesquisador se manter presente no mundo investigado, uma vez que “o observador de um fato social é simultaneamente sujeito e objeto no processo de observação”. Comentando sobre a tarefa sociológica, ressalta o autor: “os verdadeiros significados do esporte ainda estão por descobrir, talvez por criar” (MAGNANE, 1969, P. 17).

A partir de 1965, multiplicaram-se as pesquisas e os encontros científicos sobre a abordagem sociológica do esporte. Deve-se destacar um artigo de Gerald Kenyon e John Loy intitulado Towards a Sociology of Sport, no qual se constatam que frente à amplitude do fenômeno esportivo até então os estudos sociológicos eram de pouca profundidade. Preconizava o uso de teorias sociológicas estabelecidas para dinamizar o estudo do fenômeno

esportivo, dando destaque ao importante papel da psicologia social (KENYON & LOY, 1981).

O ano de 1966 foi particularmente decisivo para o impulso da Sociologia do Esporte. A Organização ICSS realizou o primeiro seminário internacional em Colônia, Alemanha, sobre um tema psicossociológico: Recherche sociologique sur les petis groupes

dans le domaine du sport. A realização do encontro motivou também a criação da International Review of Sport Sociology – IRSS, vinculado ao Comitê Internacional de

Sociologia do Esporte – ICSS, da Associação Internacional de Sociologia – ISA.

Ainda em 1966, Jean Meynaud publicou o livro Sport et Politique. Sua obra foi estruturada em seis temáticas, assim denominadas: (a) dimensões do universo esportivo; (b) panorama dos grupos esportivos; (c) intervenção dos poderes públicos; (d) incidências dos conflitos internacionais; (e) prática esportiva e atitudes políticas; (f) o apolitismo esportivo e os seus limites. Ao apresentar a sua obra, Meynaud (1972) ressaltava que, ao consultar uma Bibliografia Internacional de Ciência Política iniciada em 1952, o termo esporte não aparecia uma só vez. Destacava também a lacuna apontada por Gorges Magnane em toda Sociologia com relação ao esporte. Fazia uma crítica severa às Ciências Sociais ao afirmar que “a repercussão social do esporte só tem comparação com a ignorância deste fenômeno por parte das disciplinas acadêmicas”. Em tais condições sua obra não podia alimentar outra ambição que somente realizar “um inventário sistemático dos problemas, formular diversas hipóteses de trabalho e apontar algumas orientações para investigação” (MEYNAUD, 1972, P. 11).

Em 1968, na França, foi publicada a obra de Michel Bouet intitulada Signification

du Sport. Sua obra estrutura-se em quatro partes: (a) os grandes temas de atividades vividas

no esporte moderno; (b) a variedade de esquemas vividos nas especialidades esportivas; (c) a formação e expansão do esporte moderno; (d) elementos de análise sociológica do esporte moderno (BOUET, 1968).

Ainda no ano de 1968, surgiram os primeiros textos críticos publicados na revista

Partisans, na França. Entre os autores, destaca-se Jean-Marie Brohm que defendia ser

impossível considerar o esporte elemento de realização pessoal, uma vez que como instituição social funciona como aparelho ideológico do estado, sendo, portanto, um agente alienante.

Nos Estados Unidos, em 1969, foi publicado o primeiro livro de sociologia do esporte. Sob a direção de Gerald Kenyon e John Loy surge então Sport, Culture and Society. A obra está estruturada em quatro partes assim distribuídas: (a) o surgimento da sociologia do esporte; (b) a elaboração de marcos de referência e definição de conceitos; (c) as relações

entre o esporte e a organização social; (d) o esporte e os pequenos grupos. Após a publicação de Kenyon e Loy, surgiram muitos outros estudos, destacando-se o livro de George Sage intitulado Sport and American Society, em 1970. A obra de Sage procura descrever e compreender o lugar do esporte na vida americana e explicar as relações do esporte com as forças sociais naquele país.

Em 1971, o Comitê Internacional de Sociologia do Esporte realizou no Canadá o III Congresso Internacional da área, promovendo a expansão de estudos com a informatização de um banco de dados sobre Sociologia do Esporte.

O terceiro período da Sociologia do Esporte surge em 1972 sob o impacto dos Jogos Olímpicos de Munique e se prolonga até os dias atuais. Uma obra acadêmica também marca o início dessa nova fase na abordagem sociológica do esporte. O livro intitulado The

Scientific View of Sport foi publicado pelo comitê organizador da XX Olimpíada.

A partir de 1973, a publicação International Review of Sport Sociology, iniciada em 1966, tornou-se quadrimestral, recebendo um volume maior de artigos científicos da área como também expandindo os novos desenvolvimentos da Sociologia do Esporte.

Em recente estudo, Vaz (2006) discute o surgimento da teoria crítica do esporte a partir dos anos 60, apresentando alguns pontos polêmicos e refletindo sobre sua atualidade. Com relação a semelhança estrutural entre esporte e trabalho, Vaz (2006) analisa as teses de Bero Rigaver e Jean-Marie Brohm, mostrando diferentes formas em que se dá essa relação, ressaltando que uma das mais importantes se refere à mecanização do movimento humano, em que até mesmo a linguagem esportiva estaria dominada pela tecnologia e pela maquinaria. Assim, rendimento, método, burocratização e racionalização determinariam as duas esferas que se manteriam em permanente conexão. Desse modo, todo esse processo limitaria a

espontaneidade, afastando do esporte a essência do jogo, uma vez que passaria a predominar

no mundo esportivo as características de “rolo compressor ideológico”.

Apoiando-se em Rigaver, o autor vai destacar que o caráter ideológico do esporte estaria ainda no fato de contribuir para consolidar o rendimento como critério central da sociedade contemporânea, embora também reconheça “uma unidade dualista entre corpo e espírito”. Também no contexto escolar, o esporte manteria o seu caráter ideológico ao estimular o nacionalismo a serviço do Estado.

A função ideológica do esporte foi sintetizada por Brohm em quatro aspectos principais. Tal preocupação foi também apontada por Cavalcanti (1984) para o Esporte para

1. O esporte é um aparelho ideológico do Estado que cumpre um triplo papel: reproduz ideologicamente as relações sociais burguesas, tais como hierarquia, subserviência, obediência etc.; em segundo lugar, ele propaga uma ideologia organizacional específica para a instituição esportiva, envolvendo competição, recordes e outputs; em terceiro lugar, ele transmite, em larga escala, os temas universais da ideologia burguesa, como o mito do super-homem, individualismo, ascensão social, sucesso, eficiência;

2. O esporte é uma cristalização ideológica da competição permanente, que é representada como “preparação para as asperezas da vida”;

3. O esporte é uma ideologia baseada no mito do progresso infinito e linear, como se expressa na curva dos recordes;

4. Finalmente, o esporte é a ideologia do corpo-máquina – o corpo torna-se um robô, alienado pelo trabalho capitalista. O esporte baseia-se na fantasia do ser

‘fit’, do corpo produtivo.

Trazendo Richard Gruneau para a discussão sobre as assertivas de Rigaver, Vinnai e Brohm, Vaz mostra que essas abordagens podem ser politicamente engajadas, mas são teoricamente frágeis. Gruneau vai argumentar que os teóricos da Nova Esquerda não reconheceram aspectos importantes apontados pela Escola de Frankfurt, principalmente as reflexões de Adorno no campo da Estética, em especial sua relação com a Vanguarda. Sobretudo, essas críticas não estariam dirigidas diretamente ao capitalismo, como se imaginava, mas no contexto da contracultura, à modernidade, uma vez que “a fonte de sua revolta nunca foi de fato o capitalismo, ou mesmo o establishment autoritário e tecnocrático – foi a modernidade em si mesma [...]. O esporte moderno, como as sociedades modernas, eram intrinsecamente totalitários” (Gruneau, citado por VAZ, 2006, p. 10).

Embora não seja freqüente o debate entre a Teoria Crítica do Esporte e a Sociologia das Configurações, Vaz (2006) destaca algumas considerações de Nobert Elias e Eric Dunning sobre Rigaver, Brohm e outros. Tais críticas estão concentradas em três pontos principais:

1. Seria uma simplificação colocar a Revolução Industrial e esporte em uma relação causal, uma vez que os aspectos econômicos do fenômeno estariam por demais acentuados;

2. Aceitando que, de modo geral e apesar das escassas pesquisas empíricas, o esporte é dominado pela forma mercadoria no contexto do Capital e que haveria uma semelhança estrutural com o trabalho, não estariam comprovados, no entanto, por que e como a profissionalização e mercadorização dominam o esporte;

3. As observações de Rigaver e Brohm quanto à semelhança estrutural entre esporte e trabalho estariam alicerçadas em uma tautologia, já que o esporte de alto rendimento não seria semelhante ao trabalho, mas de fato o próprio trabalho.

Nos estudos de Bracht (2005, p. 92) sobre Sociologia Crítica do Esporte, destaca o autor que é possível captar a transformação que vem ocorrendo no plano da cultura corporal de movimento, incluindo o esporte, principalmente nas três últimas décadas com o conceito de comercialização/mercantilização ou mercadorização do esporte. Argumenta o autor:

Não estamos nos referindo aqui somente ao processo de mercadorização no âmbito do esporte de alto rendimento ou espetáculo, o que é bem evidente. Referimo-nos à penetração da lógica do mercado no âmbito das atividades físico-esportivas de lazer, realizadas (consumidas) por camadas cada vez mais amplas da população.

Para o autor, as conseqüências são muitas e visíveis. Em vez de produzirem seu próprio esporte no clube, na sua associação, as pessoas simplesmente compram. Assim, abdicam de sua competência de criar, concedendo a outros a tarefa de construir o seu esporte. Então, para o autor,

[...] Falar em prática do esporte e outras formas da cultura corporal de movimento, significa então, basicamente, falar de oferta de atividades esportivas e de consumo. As pessoas passam a ser consumidoras dos produtos (e subprodutos) oferecidos pela indústria esportiva de lazer. Aqui é dispensado qualquer tipo de envolvimento na organização, administração das condições da prática, e, por extensão, abdica-se da tarefa ou da possibilidade de definir o ‘conteúdo’ dessas práticas; elas lhe são oferecidas pela “lei da oferta e da procura”. Esse processo dificulta sobremaneira a possibilidade de identificação de classe com uma cultura corporal de movimento específica (BRACHT, 2005, pp. 93-94).