• Nenhum resultado encontrado

Abordagem do tema

No documento Camila Fernanda Saraiva.pdf (páginas 122-125)

3. Algumas anotações sobre as formações e o seu contexto

1.6 Abordagem do tema

Nesta categoria, analisaremos como a abordagem do tema foi apresentada durante as entrevistas.

No inicio da entrevista com Antonieta, ela aponta que as formações foram pensadas em horário de trabalho para garantir a participação de pelo menos um representante de cada unidade escolar, visto que, se fosse em outro momento, corria-se o risco de não haver adesão, pois estavam “fazendo uma discussão que talvez não fosse do interesse de todos”.

Um pouco adiante ela cita que na formação Gênero e Raça houve certa resistência, apesar de não enunciá-las, por parte das professoras, mas “que a guarda foi baixando ao longo do processo”. Em suas palavras, “as pessoas que vinham com um jeito um pouco mais reticente, eles foram baixando a guarda para ajudar a gente a fazer a discussão”.

As avaliações que eram realizadas ao final de cada formação também apontavam que abordar a temática das relações étnico-raciais não era uma coisa tão fácil.

Algumas pessoas se abriam naquele espaço, contavam para a gente do quanto era doloroso tocar naquela questão, muitas vezes por serem negras ou porque fizeram coisas com essas

pessoas ao longo de suas vidas. Então tinha o algoz e a vítima na conotação deles ali e esses relatos traziam muitas essas informações.

Outra passagem importante na entrevista com Antonieta, que ilustra mais uma vez como a abordagem do tema não ocorreu de forma tão natural, trata-se de quando ela relata o momento em que a índia Pankararu falou com as professoras de “maneira muito agressiva”. Segundo ela, foi necessário

desconstruir depois a idéia de que o índio que ainda mantém contato com a sua etnia ele é pacífico e o índio urbano ficou hostil. Não! Eles podem ser hostis ou pacíficos, depende da história de vida que tiveram.

A abordagem da temática das relações étnico-raciais, segundo a entrevista com as professoras, teve conotações diferentes.

Para Carolina, essa temática não é uma coisa visível. Evidencia a sua pouca importância nas falas a seguir:

embora eu acho, assim..., que todo mundo tem um pouco de racismo, por uma questão ou por outra você acaba, faz parte da cultura da gente, infelizmente, né? Mas, assim..., eu tenho essa questão bem resolvida, consigo tratar, assim..., de uma forma legal essa questão na sala de aula. Então, não havia necessidade, achava que eu não fazia parte deste problema. na hora você discute, você fica todo empolgado, aí depois quando a questão do preconceito não é tão visível você esquece, né? Porque a gente costuma pensar naquelas coisas que incomodam (...) mas, se ele está camuflado, você acaba não pensando, né?

A partir dessas falas, Carolina demonstra que o trabalho com essa temática só acontece se houver conflito. Caso contrário, deixa-se do jeito que está, pois não é muito aparente. Sobre esta questão, Gonçalves e Soligo (1998) apontam que a maior parte dos professores não reconheceu a diversidade e a diferença, posto que ainda não conseguiram refletir sobre estas questões para transformarem suas práticas pedagógicas.

Lélia tem uma outra concepção, ao abordar o tema das relações étnico- raciais. Para ela,

esse assunto incomoda, esse assunto mexe. E eu acho que o mais importante é esse conflito que a gente fica mesmo com relação a esse assunto. Ele tem que mexer mesmo. É só mexendo que você vai tirar de baixo do tapete, você vai conseguir que as coisas mudem realmente.

Assim como defende que é necessário “tirar debaixo do tapete”, Lélia diz que estamos em um momento de transição da sociedade, no qual deixaria “de ser questão de raça, pra ser questão de ser humano”. Para isso, pondera que o respeito é fundamental:

nem é o respeito da questão de raça, é a questão do respeito ao ser humano, porque quando a gente puder falar só do ser humano, sem pensar em cor, se o cabelo é assim ou assado, se a pele é dessa cor ou daquela, a gente chegou no que tinha que chegar, a gente tá falando do ser humano.

Concordamos com a professora Lélia e reiteramos com o que expõe Gomes e Silva, mas devemos anotar que não podemos deixar de discutir a questão étnico-racial porque o que se deve discutir é o ser humano, visto ser esta uma falácia dominante. Segundo Gomes e Silva, quando o campo da educação compreender que “o uno e o múltiplo, as semelhanças e as diferenças” são a própria condição dos seres humanos, será mais fácil aos professores “reconhecer o outro como humano e como cidadão e tratá-lo com dignidade” (2006: 29).

Faz-se importante, como assinala Gomes o contato mais próximo com a comunidade negra e com os grupos religiosos e culturais

pois uma coisa é dizer, de longe, que se respeita o outro, e outra coisa e mostrar esse respeito na convivência humana, é estar cara a cara com os limites que o outro me impõe, é saber relacionar, negociar, resolver conflitos, mudar valores. (GOMES, 2005: 149)

Ao apresentar as falas das três entrevistadas, podemos perceber que a abordagem do tema sobre as relações étnico-raciais é uma discussão complexa, pois envolve conceitos que há muito tempo foram difundidos na

sociedade e que marcaram de forma significativa a concepção das pessoas. No entanto, a complexidade da discussão não pode significar que devamos condená-la ao ostracismo ou que devamos fazê-la apenas em “ambientes leves”, como é o caso quando folclorizamos alguns temas que são, na verdade, exigentes de discussões mais profundas: libertação dos escravos, dia do índio, dia de Zumbi dos Palmares etc.

Descrevermos no Capítulo I deste trabalho a pesquisa realizada por Schützer (2003) sobre a formação de professores para as questões raciais promovida pelo Neab, da UFSCar. A autora apontou que tal experiência possibilitou a discussão de uma temática que estava, por tempos, silenciada. É neste sentido que também consideramos evidente que as duas formações ocorridas em Santo André trouxeram a questão das relações étnico-raciais para mais próximo das práticas pedagógicas e das escolas.

No documento Camila Fernanda Saraiva.pdf (páginas 122-125)