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2.1- Abordagens cirúrgicas à mandíbula

A mandíbula apresenta peculiaridades em relação aos outros ossos que devem ser levadas em conta antes da decisão do tratamento adequado. A presença dos dentes e das raízes, a necessidade de manutenção da oclusão e o baixo envolvimento muscular são particularidades importantes a serem consideradas na escolha do método cirúrgico a usar. Por conseguinte, como suporta pouco peso não é necessário uma grande fixação rígida (Harvey et al, 1990; Bennett et al, 1994; Legendre, 2005).

Os estados patológicos que afectam mais frequentemente a mandíbula são: fracturas, neoplasias, infecções, doenças proliferativas (osteopatia craniomandibular), quistos ósseos, luxação da articulação temporo-mandibular e hiperparatiroidismo renal secundário (Eisner, 1989; Fossum, 2007).

Todas as patologias referidas podem incluir como terapêutica a intervenção cirúrgica, mas devido à sua frequência e exclusivo tratamento cirúrgico, incidir-se-á mais nas fracturas mandibulares e maxilares (Hoelzier et al, 2001; Harari, 2004).

As fracturas da mandíbula e maxilar ocorrem com frequência nos cães (Marreta et al, 1990; Goeggerle et al, 1996; Lopes et al, 2005) e representam 3% das fracturas nestes (Umphlet & Jonhson, 1990). A fractura na região pré-molar do corpo mandibular é o local mais frequente no cão. As fracturas maxilares são relativamente raras e comparam-se às mandibulares (Chuong et al, 1983; Piermattei & Flo, 1999).

Os traumas mandibulares ocorrem, geralmente, em consequência de lutas entre animais, acidentes rodoviários e quedas, sendo geralmente lesões abertas e contaminadas (Lopes et al, 2005; Legendre, 2005; Piermattei & Flo, 2006). De realçar também que, tumores malignos incisivos podem originar fracturas maxilares e mandibulares (Ettinger & Feldmam, 1997; Anderson, 2004).

Estas lesões/fracturas mandibulares podem levar a alterações anatómicas nas funções básicas, como mastigação, fonação e deglutição (Raimundo et al, 2008).

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2.1.1- Abordagem cirúrgica ao corpo da mandíbula

Indicação

Redução de fracturas abertas nesta região corporal (Smith et al, 1993; Piermattei, 2004).

Decúbito

O animal deve ser colocado em decúbito dorsal com a cabeça estendida, permitindo uma visão ventral da cabeça (Slatter, 2003; Fossum, 2007).

Abordagem e referências anatómicas

A incisão cutânea deve ser feita ao nível do terço médio do bordo ventral do corpo da mandíbula. Uma vez dissecada e separada a pele, deve proceder-se à identificação do platisma e do músculo esfíncter profundo do pescoço, que conjuntamente com a fáscia da região está a cobrir lateroventralmente o corpo da mandíbula. Os músculos cutâneos (platisma e esfíncter profundo do pescoço) incidem-se na mesma direcção da pele, o que permite uma perfeita visualização da zona ventral do corpo da mandíbula. Numa posição rostral é possível observar-se os ramos mentonianos e os vasos e nervo alveolar inferiores. De referir ainda que, durante a dissecação e abordagem cirúrgica, o platisma, o músculo esfíncter profundo do pescoço e a fáscia superficial se devem incidir e separar em conjunto com a pele. Depois de se rebater dorsalmente os músculos cutâneos é possível visualizar-se grande parte da face lateral do corpo da mandíbula. Se for necessário, a desinserção e posterior separação medial do músculo milohioideu permite abordar a face medial do corpo da mandíbula (Franch 2001; Piermattei, 2004; Fossum, 2007).

Lesão de estruturas

N. milohioideu: é um ramo caudal do n. alveolar inferior. Atinge o bordo ventral da

mandíbula. É um nervo motor para o m. milohioideu e m. digástrico e sensorial para a pele entre as mandíbulas. Por conseguinte, a sua lesão leva à perda da funcionalidade do m. milohioideu e

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m. digástrico, e perda da sensibilidade da pele entre mandíbulas (Ferreira, 2000; Evans & de Lahunta, 2010).

A. e V. facial: a sua lesão origina comprometimento vascular compensado posteriormente

por circulação colateral (Evans & de Lahunta, 2010).

Figura 13 a)

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Figura 13 c)

Figura 13 d)

Figura 13 e)

Figura 13 - Abordagem cirúrgica ao corpo da mandíbula.

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2.1.2- Abordagem cirúrgica ao ramo da mandíbula

Indicação

Redução aberta de fracturas (Smith et al, 1993; Piermattei, 2004).

Decúbito

O animal deve ser colocado em decúbito lateral com pescoço estendido (Franch, 2001; Fossum, 2002).

Abordagem e referências anatómicas

A incisão cutânea descreve uma trajectória curva que atravessa caudalmente o ângulo da mandíbula, desde o arco zigomático até à parte média do corpo mandibular. Uma vez rebatida a pele, identifica-se o platisma, o qual se incidirá na direcção das suas fibras musculares. De referir que este músculo tem que ser dissecado e manuseado de forma cuidadosa, de forma a evitar lesionar-se os ramos bucal dorsal e bucal ventral do nervo facial, o ducto parotídeo e caudalmente a glândula parótida. A retracção do músculo platisma permite identificar claramente a superfície do músculo masséter, o qual será incidido paralelamente ao bordo caudal da mandíbula. A retracção da porção superficial do músculo masséter permite identificar a porção profunda do mesmo músculo e grande parte da apófise angular da mandíbula. A desinserção da porção profunda do músculo masséter do bordo ventral da mandíbula e a sua posterior retracção dorsal possibilitam o acesso à fossa massetérica. A retracção ventral da porção superficial do músculo masséter expõe uma maior superfície da apófise angular (Franch, 2001).

Lesão de estruturas

Nervo marginal da mandíbula: Envia ramos que inervam o m. orbicular da boca e pele da

região labial. Logo, uma lesão deste nervo leva a uma diminuição da função do m. orbicular da boca e à presença do lábio pendente (Couto, 2009; Ferreira, 2010; Robim et al, 2010).

Ducto parotídeo: a sua lesão origina extravasão do líquido formado na glândula parótida e

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Figura 14 a)

Figura 14 b)

Figura 14 c)

Figura 14 - Abordagem cirúrgica ao ramo da mandíbula. 1 M. platisma, 2 M. masséter,  N. marginal da mandíbula

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2.1.3- Abordagem cirúrgica à articulação temporo-mandibular e ao colo da mandíbula

Indicação

Esta abordagem cirúrgica é usada em situações em que há tanto uma fractura como uma luxação desta articulação (quando os côndilos mandibulares se separam das superfícies articulares do osso temporal e fossa mandibular) (Fossum, 2007; Laborda et al, 2009).

Decúbito

O animal é colocado em decúbito lateral. Pode também ser colocado em decúbito ventral aquando da necessidade de abordagens bilaterais (Piermattei; 2004; Fossum, 2007).

Abordagem e referências anatómicas

Os pontos de referência para abordar a articulação temporo-mandibular são o bordo ventral do arco zigomático e a própria articulação temporo-mandibular (facilmente palpada aquando da manipulação da mandíbula) (Fossum, 2007). Posto isto, fazer uma incisão cutânea seguindo o bordo ventral do arco zigomático caudal e centrar sobre a articulação temporo-mandibular. Deve evitar-se a glândula parótida e o seu ducto, bem como o nervo facial. Elevar-se a inserção perióstica caudal do músculo masséter, para desta forma levar a uma melhor exposição da cápsula articular. Uma vez conseguida uma exposição clara da cápsula articular procede-se à sua incisão bem como do ligamento lateral da mandibula, conseguindo-se desta forma uma exposição das superfícies articulares temporo-mandibulares (Slatter, 2003; Fossum, 2007). A visualização do colo da mandíbula pode realizar-se através da dissecação cuidada da zona ventral à cabeça da mandíbula (Slatter, 2003).

Lesão de estruturas

N. transverso da face: A sua lesão leva a uma diminuição da sensibilidade da pele que se

encontra dorsal e ventralmente ao arco zigomático, incluindo os pêlos tácteis da boca (Ferreira, 2000; Varejão et al, 2004).

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Figura 15 a)

Figura 15 b)

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Figura 15 d)

Figura 15 e)

Figura 15 f)

Figura 15 - Abordagem cirúrgica à articulação temporo-mandibular e visualização do colo da mandíbula. 1 M. platisma, 2 M. masséter, 3 cápsula articular,  N. transverso da face

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2.2- Abordagens cirúrgicas às glândulas salivares

2.2.1- Abordagem cirúrgica às glândulas mandibular e sublingual

Indicação

As doenças das glândulas salivares em pequenos animais podem ser classificadas como inflamatórias, neoplásicas ou traumáticas (Gioso, 2003).

Esta abordagem cirúrgica é indicada na presença de mucocélio salivar (um sialocélio contendo saliva com um componente mucoso óbvio). A terapêutica indicada é a remoção da glândula salivar lesionada, para que não origine uma maior acumulação de muco, e a drenagem do mucocélio (Bojrab, 1998). A saliva assume o trajecto de menor resistência, acumulando-se geralmente na área cervical cranial ou intermandibular, na área sublingual. Nestes casos, deve proceder-se à excisão completa da glândula e dos ductos envolvidos (Bojrab, 1998; Gioso, 2003).

Decúbito

Para remoção dos sialocélios (acesso cirúrgico às glândulas mandibular e sublingual) deve inicialmente proceder-se à identificação do lado afectado e depois posicionar-se o animal no decúbito lateral contralateral ao lado afectado (Franch, 2001). Debaixo do pescoço deve colocar- se uma almofada de forma a rodar a zona ventral dorsalmente e fixar em posição estendida (Fossum, 2007).

Abordagem e referências anatómicas

As glândulas mandibulares e sublinguais devem ser retiradas juntas, pois a glândula sublingual está intimamente associada ao ducto da glândula salivar mandibular; a remoção de uma traumatiza a outra, daí a sua remoção conjunta ser indissociável (Bojrab, 1998; Gioso, 2003).

Inicia-se na pele por cima da glândula mandibular, tendo o cuidado de preservar as veias próximas desta. Identifica-se e afasta-se o músculo parotídeoauricular, que se encontra por cima

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da glândula mandibular, e identifica-se a cápsula fibrosa. Incide-se sobre a cápsula fibrosa, e disseca-se a glândula mandibular e as glândulas sublingual monostomática e polistomática, que estão situadas rostralmente entre os músculos digástrico e masséter. Em seguida, deve proceder- se à ligação dos ductos salivares e proceder-se à excisão das glândulas sublingual e mandibular.

Dependendo do tamanho do sialocélio, pode observar-se um grande espaço morto que deve ser fechado, utilizando-se suturas por camadas até se chegar à pele (Gioso, 2003; Riva, 2005).

Lesão de estruturas

Nervo transverso do pescoço: é um ramo do ramo ventral do C2. Este nervo ramifica-se na

pele da parte cranioventral do pescoço e por conseguinte, como consequência da sua lesão há uma perda da sensibilidade desta região (Caywood, 1996; Evans & de Lahunta, 2010).

Veia maxilar: a veia maxilar drena a orelha, a órbita, o palato, a cavidade nasal, a bochecha

e a mandibula, bem como a cavidade craniana. Como tal, a sua lesão leva a uma diminuição da drenagem destas áreas (Barone, 1996; Evans & de Lahunta, 2010).

Ducto salivar maior e menor: a sua lesão leva a uma extravasão do líquido produzido na

glândula, mas uma vez que a glândula irá ser removida, a única complicação é provocar ligeira “sujidade” do campo cirúrgico, facilmente resolúvel (Gioso, 2003; Couto, 2009).

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Figura 16 b)

Figura 16 c)

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Figura 16 e)

Figura 16 f)

Figura 16 g)

Figura 16 - Abordagem cirúrgica às glândulas mandibular e sublingual.

1 M. esfíncter superficial do pescoço, 2 M. parotídeoauricular, 3 cápsula mandibular, 4 ducto salivar maior, 5 ducto salivar menor, 6 M. masséter,  N. transverso do pescoço

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2.2.2- Abordagem cirúrgica à glândula zigomática

Indicação

A excisão da glândula zigomática é fundamental em mucocélios zigomáticos, processos infecciosos e inflamatórios que não respondem à medicação e em neoplasias (Fossum, 2007).

Decúbito

O animal deve ser colocado em decúbito lateral (do lado contralateral ao afectado) ou decúbito ventral (Fossum, 2007).

Abordagem e referências anatómicas

Incidir sobre a pele e tecidos subcutâneos ao longo da margem dorsal do arco zigomático. Incidir sobre a fáscia palpebral, o músculo retractor do ângulo ocular e sobre o ligamento orbital, e elevá-los dorsalmente com a pele e globo ocular. Retrair o globo ocular dorsalmente para expor a gordura periorbital e a glândula zigomática subjacente. Para uma melhor exposição da glândula, deve-se remover parcialmente o arco zigomático que a recobre. Remover a glândula mediante dissecação romba (é uma glândula friável). Evitar o ramo anastomótico localizado ventralmente, entre as veias infraorbitária e facial profunda. Drenar o mucocélio e lavar a área. Fazer a osteossíntese do arco zigomático e suturar a fáscia palpebral ao periósteo zigomático. Encerrar o tecido subcutâneo e a pele (Fossum, 2007).

Lesão de estruturas

Nervo troclear: é o IV nervo craniano e o único que deixa o tronco cerebral dorsalmente.

Abandona a caixa craniana através da fissura orbitária para inervar o m. oblíquo dorsal do globo ocular. A sua lesão leva a uma perda total da funcionalidade do músculo mencionado, e como consequência há uma rotação ocular levemente dorsomedial. As lesões isoladas do nervo troclear (excepcionalmente na cirurgia) são raras no cão (Varejão et al, 2004; Couto, 2009).

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Figura 17 a)

Figura 17 b)

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Figura 17 d)

Figura 17 e)

Figura 17 - Abordagem cirúrgica à glândula zigomática. 1 M. zigomático, 2 M. masséter,  N. marginal da mandíbula

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2.3- Abordagem cirúrgica à bolha timpânica

Indicação

Apesar de não apresentar um interesse especificamente traumatológico, descreve-se a abordagem ventral à bolha timpânica por ser uma estrutura óssea que se intervém com uma relativa assiduidade. Esta abordagem é uma alternativa à abordagem lateral da bolha timpânica, abordagem esta que implica a extracção do conducto auditivo externo. Várias patologias estão associadas como: otites, quistos, processos tumorais e eventualmente traumas (Ameli, 1984; Franch, 2001). A resolução destas situações correspondem às suas indicações cirúrgicas.

Decúbito

O animal é colocado em decúbito dorsal, possibilitando desta forma, uma visão ventral da cabeça (Franch, 2001).

Abordagem e referências anatómicas

Faz-se uma incisão cutânea, centrada medialmente no ângulo da mandíbula do lado afectado e prolonga-se uns 10 cm rostral e caudalmente. Uma vez retraída a pele, identifica-se a fáscia superficial que cobre o músculo platisma (identificável graças à orientação longitudinal das suas fibras) e o músculo esfíncter profundo do pescoço (fibras orientadas transversalmente) (Franch, 2001; Fossum, 2007).

A incisão da fáscia e os músculos cutâneos seguindo-se a mesma trajectória que na pele e a sua posterior separação bilateral permitem visualizar os músculos digástrico e milohioideu, e os nódulos linfáticos mandibulares. A seguir procede-se à retracção lateral do músculo digástrico e medial do músculo milohioideu, possibilitando-se assim o aprofundar desta região e, consequente identificação de estruturas como o nervo hipoglosso e o músculo estiloglosso. (Franch, 2001; Piermattei, 2004).

A retracção caudal do nervo hipoglosso e da artéria e veia linguais facilita a palpação do osso estilohióide, coberto pelo músculo estiloglosso. Recorrendo dorsalmente através do osso estilohióide, mediante palpação, alcança-se a articulação temporohióide, situada caudolateralmente à bolha timpânica. Uma vez localizada por palpação, a bolha timpânica,

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expõe-se esta mediante desinserção das fibras musculares do músculo estiloglosso que a recobre ventralmente (Franch, 2001).

Lesão de estruturas

Nervo hipoglosso: este nervo inerva os músculos extrínsecos da língua (m. estiloglosso,

hioglosso e genioglosso), músculos intrínsecos da língua e músculos geniohioideus (Evans & de Lahunta, 2010).

Sinais clínicos da lesão deste par nervoso (XII) incluem problemas relacionados com a deglutição, preensão, mastigação e vocalização. A língua exibe sinais de fraqueza ou paralisia. A língua pode ser incapaz de se retrair após o seu estiramento e de se apresentar com um desvio lateral, para o lado afectado (numa fase inicial). Então, resumidamente, uma lesão deste nervo origina uma perda da força da língua (Caywood et al, 1996; Varejão et al, 2004; Couto, 2009).

Artérias e veias: o arco hióide é a conexão entre a v. lingual esquerda e direita. Uma lesão

do arco hióide, bem como da artéria lingual são de se evitar, no entanto a sua lesão não origina consequências muito graves. Se acontecer deve proceder-se à compressão manual com compressa, para posterior coagulação (Barone, 1996; Ferreira, 2000).

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Figura 18 b)

Figura 18 c)

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Figura 18 e)

Figura 18 f)

Figura 18 - Abordagem cirúrgica à bolha timpânica.

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