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2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.5 Abordagens da TRS

Denise Jodelet, da Abordagem Culturalista, considerada a sistematizadora da teoria aqui discutida, mantém o seu trabalho com um enfoque histórico e cultural para compreender os aspectos simbólicos. Sua abordagem é caracterizada como culturalista, pois considera que através das Representações Sociais pode-se chegar a uma visão mais global do homem em seu mundo de objetos (ALMEIDA, 2001). Sá (1996) refere-se às ideias de Jodelet como uma forma socialmente elaborada e partilhada de conhecimento, com o objetivo prático da construção de uma realidade comum, em um contexto social. As representações estudam, portanto, o processo e os produtos que os indivíduos lançam como meio de construção e interpretação do seu mundo e da sua vida, integrando as dimensões que estão diretamente envolvidas nesse processo, tais como as sociais, culturais e históricas.

Em uma das suas mais importantes obras, As representações sociais da loucura (JODELET, 2005), a autora apresenta um extenso estudo realizado por quatro anos em uma comunidade de uma pequena cidade da França que acolhe doentes mentais, no qual adotou uma pluralidade de técnicas metodológicas a fim de destacar os aspectos culturais, históricos e sociais do fenômeno estudado.

Em outra perspectiva, a Abordagem Societal de Willem Doise parte da visão de uma psicologia societal, referida como processos sociais subjacentes a uma sociedade. O autor iniciou seus estudos em Genebra sobre a influência social, intergrupal e de desenvolvimento social que objetiva:

[...] articular explicações de ordem individual com explicações de ordem societal; de mostrar como um indivíduo dispõe de processos que lhe permitem funcionar em sociedade e, de maneira complementar, com dinâmicas sociais, puramente interacionais, posicionais ou de valores de crenças gerais, orientam o funcionamento desses processos (DOISE, 2002, p.02).

Outra referência é a Abordagem Estrutural de Jean-Claude Abric que será vista com mais detalhes por ser utilizada como aporte teórico-metodológico desta pesquisa. Sua teoria é chamada de Teoria do Núcleo Central, que consiste em dizer que toda representação é organizada em torno de um núcleo, elemento fundamental da representação que determina a sua significação, como também a sua organização interna. Abric (1994) considera que as representações têm características estáveis, instáveis e consensuais, são marcadas por diferenças interindividuais e compostas por dois sistemas: estável (sistema central) e flexível (sistema periférico) e por isso, respondem por uma das suas funções principais: a adaptação sociocognitiva (ABRIC, 1994).

O sistema central está diretamente relacionado às condições históricas, sociológicas e ideológicas e é marcado pela memória coletiva do grupo e suas normas. Sua função consensual permite a homogeneidade e a estabilidade do grupo, dando continuidade e permanência à representação: “o sistema central é, portanto, estável, coerente, consensual e historicamente definido” (ABRIC, 1994, p.04). O autor salienta que o núcleo central possui duas funções principais: a função geradora – em que o núcleo central é o elemento através do qual se cria e se transforma a significação de outros elementos que constituem a representação; e a função organizadora – a qual determina a natureza das relações que unem os elementos de uma representação. Dessa forma, o núcleo central representa o elemento unificador que estabiliza a representação, que é a base comum, coletivamente compartilhada e consensual do grupo. Além de ser estável e coerente, o núcleo central resiste mais a mudanças e, de certa forma, é independente do contexto social e material imediato da representação. O sistema periférico, por sua vez, complementa o sistema central, sendo

[...] mais permeável e mais flexível do que os elementos centrais, assegurando, assim, uma segunda função: aquela de regulação e de

adaptação do sistema central, às ações coercitivas e as características das

situações concretas a qual o grupo é confrontado (ABRIC, 1994, p.04, grifo do autor).

Os elementos periféricos estão diretamente relacionados com o núcleo central, por serem menos estáveis e mais permeáveis, caracterizando-se por uma modulação individualista da representação. Esses elementos permitem: as variações pessoais, sem alterar a questão central e a apropriação individualizada da representação. Além disso, servem como prescritores de comportamento, sendo a parte operacional da representação, intervindo no processo de defesa ou de transformação da representação. De forma geral, eles têm a função de permitir a adaptação da realidade concreta, fazendo a diferenciação do conteúdo e a

proteção do sistema central, sem serem permeáveis, sensíveis ao contexto imediato evolutivo e suportarem a heterogeneidade do grupo e as contradições (ABRIC, 1994).

O autor avalia que de um lado, os elementos periféricos mantêm a representação (núcleo central); e por outro lado, integram novas informações na representação, o que possibilita a transformação. Dessa forma, é possível integrar variações individuais, referentes às experiências e histórias de vida. O estudo de uma Representação Social para o autor “é, antes de tudo, procurar os elementos constituintes do seu núcleo central. De fato, o conhecimento do conteúdo não é suficiente, é a organização deste conteúdo que dá o sentido” (ABRIC, 2003, p. 01).

Uma das formas de coleta de dados sugeridas por Abric (2003), inspiradas em Vergès, é o método da associação livre, em que, através da enunciação livre, ideias e palavras, estas últimas são associadas, sendo consideradas mais importantes as primeiras a serem faladas. Abric, no entanto, propôs uma mudança neste método, por constatar que a ordem de evocação interpretada como de maior importância do tema evocado pelo sujeito, não é essencial, pois o conteúdo mais importante só aparecia após ser estabelecida uma relação de confiança, com a redução dos mecanismos de defesa.

Por este motivo, ao invés da “ordem de evocação”, Abric adotou o critério da “ordem de importância”, em que a hierarquia das palavras é dada pelo próprio sujeito. Dessa forma, o questionário de associação livre que permite a “atualização dos elementos implícitos ou latentes que seriam diluídos ou mascarados nas produções discursivas” (ABRIC, 2003, p. 04) é composto por duas fases: 1) na primeira, pede-se ao sujeito que produza as primeiras palavras ou expressões que lhe venham à mente, caracteres mais espontâneos; 2) em seguida é feita a hierarquização, quando é solicitada a classificação das palavras evocadas em função da sua importância referente ao objeto.

3 O MÉTODO

Propor uma pesquisa significa, dentre outros aspectos: estabelecer passos de planejamento; uma hipótese que se queira investigar; uma pergunta que mova a curiosidade do pesquisador e estratégias para alcançá-la. Além disso, enfatizamos que em uma pesquisa não há como dissociar o embasamento teórico da proposta metodológica, pois

[...] a pesquisa em seu procedimento metodológico deve apresentar a indicação e justificação do paradigma que orienta o estudo, as etapas do desenvolvimento da pesquisa, a descrição do contexto, o processo de seleção dos participantes, os procedimentos e o instrumental de coleta e análise dos

dados [...](MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p.159).

Deste modo, este trabalho, que visa a produção do conhecimento científico, tem como referencial teórico-metodológico a TRS, que investigou um objeto social, a família, considerado polimorfo, ou seja, que pode assumir diferentes formas de acordo com o contexto social (SANTOS, 2005). A teoria ofereceu subsídios para identificar as RS de família por crianças, a sua estruturação do núcleo central e dos elementos periféricos.

Para tanto, foi proposta uma pesquisa qualitativa e plurimetodológica (CRUZ, F., 2006, 2008) que favoreceu uma ampla possibilidade de investigação do fenômeno. Em uma pesquisa qualitativa, Chizzotti (2006, p.78) afirma que os pesquisadores se dedicam “à análise dos significados que os indivíduos dão às suas ações, no meio ecológico em que constroem suas vidas e suas relações [...]”. Segundo o autor, a abordagem qualitativa parte do pressuposto de que há uma relação dinâmica entre o sujeito e o mundo real, uma interdependência entre o sujeito e o objeto e entre o mundo objetivo e a subjetividade.

Para análise dos dados qualitativos, referenciamos a análise de conteúdo em Bardin (1977), buscando a interpretação dos sentidos diante das falas das crianças. A análise de conteúdo, nas palavras da autora, é definida como

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimento relativo às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, p. 42)