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A biogeoquímica estuarina adota uma série de métodos e abordagens desde as mais simples às mais complexas. Tais abordagens permitem inferir sobre aspectos estruturais e funcionais do sistema, incluindo potencial de eutrofização, estado trófico, balanço de entrada, retenção e exportação dos nutrientes que variam no espaço e no tempo. Soma-se a estes a quantificação de fluxos, das taxas de respiração e produção ao longo da mistura estuarina, do balanço de massa e a quantificação da exportação perante medições in situ, a compreensão dos ciclos de maré e acumulação no sedimento, utilizando-se de marcadores de taxas de sedimentação. Estes conhecimentos têm-se mostrado de grande valia na caracterização ambiental dos sistemas estuarinos.

2.3.1 Ganhos e perdas de matéria no estuário

Materiais provenientes do aporte fluvial são transportados e transformados durante a sua passagem ao longo da área de mistura estuarina (BURTON; LISS, 1976; HEAD, 1985; MORRIS, 1985). Uma das maneiras clássicas de identificar os ganhos e perdas, bem como os sítios de transformação de partículas e substâncias em estuários, consiste em comparar a concentração da espécie química de interesse em função da salinidade. O resultado representa a propriedade conservativa do processo de diluição de água doce à marinha (LISS, 1976; HEAD, 1985) (Figura 2).

Os materiais, ao percorrerem o sistema estuarino, podem demonstrar um comportamento não conservativo. Suas concentrações podem ser alteradas por processos físico-químicos durante o seu transporte do rio ao mar, apresentando padrões de dispersão desproporcional à linha teórica de diluição, que no diagrama representa uma linha reta entre as concentrações das fontes fluvial à marinha. Estes desvios observados indicam a ocorrência de processos físico-químicos e biogeoquímicos, que resultam na adição e/ou remoção dos constituintes da coluna d’água. A distribuição das concentrações em relação à linha teórica de diluição pode ser côncava, que indica uma perda ou remoção do material durante a diluição, ou convexa, que sugere a presença de adição, ganho ou fonte no sistema (LISS, 1976; HEAD, 1985).

Os processos que regulam as fontes (ganhos) ou sumidouros (perdas) dos elementos no estuário são: i) os fluxos advectivos e difusivos; ii) reações químicas, (precipitação, adsorção, desorção e floculação); iii) assimilação biológica e denitrificação; iv) degradação da matéria orgânica e excreção (PRITCHARD; SCHUBEL, 1981). Aos processos naturais, somam-se os aportes antrópicos, tais como o aporte de efluentes domésticos e industriais.

Salinidade S al in id ad e C on ce nt ra çã o Material Ga nhos Perdas Diluiçã o te órica Distância do estuário — Conservativo …. Não-conservativo água doce zona de mistura mar

0% 100%

Figura 2: Diagrama de mistura demonstrando os processos em relação ao comportamento conservativo e não conservativo dos constituintes em estuários. A linha pontilhada indica ganhos ou perdas em relação à linha cheia (diluição teórica) da água doce à marinha. [Modificado de Liss (1976)].

2.3.2 Balanço de massa

Os ciclos biogeoquímicos dos nutrientes relacionam um conjunto de processos que regulam a sua presença, concentração e especiação dentro de um ecossistema. Estes processos são avaliados através de estudo do balanço entre os processos de produção e decomposição de matéria orgânica e também da alteração antropogênica destes balanços. Estas informações fornecem dados sobre a base da estrutura da cadeia trófica e implicações sobre os ciclos biogeoquímicos.

Um dos modelos utilizados pelo programa LOICZ (Land-Ocean Interactions in the

Coastal Zone) é o de balanço através de modelo de caixas (Budget Model), que tem como base a determinação matemática do balanço de massa de uma determinada substância (água e

nutrientes) em uma área geográfica, num tempo específico (dia, mês, ano, dentre outros). Neste caso, o modelo pode ser considerado como a representação simplificada de alguns aspectos do mundo real através de um modelo matemático representado na simplificação de uma série de equações matemáticas (GORDON et al., 1996).

O modelo proposto por Gordon et al. (1996) considera o sistema de estudo como uma “caixa preta” cujo volume constante, é definido pelo conceito de estado estacionário ou

“steady state”, e baseia-se na conservação de massa, onde o balanço desta corresponde à igualdade entre a entrada e a saída. A diferença entre os materiais exportados do sistema (∑ saídas) e dos materiais importados do sistema (∑ aportes) é explicada pelos processos que ocorrem dentro do sistema (∑ [regeneração – consumo]) (Figura 3).

Sistema

∑ saída

∑∑∑∑ entrada

consumo

Interno líquido

regeneração

Sistema

∑ saída

∑∑∑∑ entrada

consumo

Interno líquido

regeneração

Figura 3: Esquema de um modelo de balanço de massa utilizado pelo programa LOICZ

(Land-Ocean Interactions in the Coastal Zone). [Fonte: Gordon et al. (1996)].

Este modelo, em termos gerais, segue quatro passos: a) confecção de um balanço de água; b) balanço de sal (material conservativo); d) balanço de materiais não conservativos (C, N e P); e) avaliação do metabolismo do sistema inferido através de ligações estequiométricas de C:N:P. Os principais processos biogeoquímicos envolvidos na modelagem são as entradas a partir de ecossistemas adjacentes (rio, mar, manguezais, entre outros) e antropogênicos tais como efluentes domésticos e industriais, além dos processos metabólicos nestes ecossistemas (GORDON et al., 1996; CROSSLAND et al., 2005).

Além da avaliação do comportamento dos constituintes ao longo do gradiente salino e do balanço de massa, outra maneira de averiguar o metabolismo líquido do ecossistema é através da quantificação das taxas dos processos de produção e respiração. Tais processos autotróficos de produção de matéria orgânica (produção primária) é principalmente a fotossíntese e, em menor escala, a quimiossíntese. A autotrofia líquida ocorre quando um estuário apresenta uma produção (P) maior que a mineralização/decomposição (D) ao longo de um determinado período de tempo (P>D). Por outro lado, os processos heterotróficos de decomposição de matéria orgânica são constituídos pela respiração e fermentação. Ou seja, quando os processos de mineralização superam os de produção (P<D) tem-se a heterotrofia liquida (CARMOUZE, 1994).

Uma das maneiras de se estimar a produtividade em sistemas estuarinos é através da calibração de um modelo empírico de Cole e Cloern (1987), utilizando dados de produção primária in situ, contra parâmetro compostos tais como a clorofila-a, a profundidade da zona fótica, e a radiação fotossinteticamente ativa, permitindo assim a estimativa da produtividade para o sistema. O uso de modelos na simulação da produtividade é altamente utilizado como importante ferramenta para estudos de gerenciamento em ecossistemas marinhos costeiros. Estes modelos têm sido amplamente utilizados em sistemas estuarinos tais como Baía de Narragansett (KREMER; NIXON 1978), Baía de Chesapeake (CERCO; COLE 1994), Delaware (CERCO et al.,1994), lagoa de Venice (BERGAMASCO et al., 1998) e estuários sul africanos (ANANDRAJ et al., 2007).

2.3.4 Origem e acumulação de matéria orgânica sedimentar

A acumulação da matéria orgânica nos sedimentos de estuários, baías e lagoas é composta por uma mistura de material particulado e dissolvido proveniente de várias fontes autóctones e alóctones (ALONGI, 1998). Considerando-se a sua origem, a maior fonte de matéria orgânica autóctone para os sedimentos estuarinos são os detritos de organismos unicelulares do fitoplâncton. Os detritos de plantas terrestres correspondem a uma importante fonte de matéria orgânica alóctone, incluindo os efluentes domésticos e industriais, além do escoamento superficial (MEYERS, 1997; MIDDELBURG; NIEUWENHUIZE, 1998).

A degradação da matéria orgânica é acelerada na zona fótica, onde uma proporção superior a 95 % é mineralizada por processos biológicos, e intensificada na superfície bioturbada dos sedimentos (HAAS et al., 2002). Uma pequena proporção da matéria orgânica primária e secundária é preservada nos sedimentos, e, portanto, este material constitui o

registro orgânico geoquímico do ambiente estudado. As condições ambientais e as circunstâncias de sua deposição determinam o quanto a matéria orgânica original resiste para passar a fazer parte do registro sedimentar (CANFIELD, 1994; GOÑI et al., 1997; MEYERS, 1997; GOÑI et al., 2003).

Apesar das perdas na diagênese, e de alguns de seus componentes biomarcadores, vários parâmetros são indicadores relativamente seguros de fonte da matéria orgânica (KILLOPS; KILLOPS, 2003). As composições elementares e isotópicas fornecem um registro da origem biológica da matéria orgânica depositada em sedimentos de lagos, estuários e oceanos ao longo do tempo. A identificação da origem e da qualidade e/ou natureza da matéria orgânica no sedimento pode ser realizada utilizando diversos marcadores orgânicos geoquímicos que se caracterizam pela natureza específica, resistência aos processos de degradação e estabilidade química temporal (ALONGI, 1998; MARTINS, 2005). Estes marcadores orgânicos são representados pela relação entre Carbono, Nitrogênio, P-fósforo, isótopos estáveis de carbono (δ13C) e nitrogênio (δ15N), a composição dos fenóis das ligninas (HEDGES e ERTEL 1982; GONI et al., 1990; 1995), bem como a quantificação microscópica da origem da matéria orgânica (EGLINTON; MURPHY, 1969; LIBES, 1992; KILLOPS; KILLOPS, 2003).

A utilização de testemunhos para a obtenção da distribuição vertical das fácies sedimentares pode fornecer informações sobre as concentrações dos marcadores analisados associados às estimativas de taxas de sedimentação, obtidas através do radioisótopo de 210Pb. Estes testemunhos permitem estimar a taxa de acumulação do composto, como também, a reconstrução histórica da origem do material depositado. As mudanças dos sinais isotópicos da origem da matéria orgânica dado pelos δ13C e δ15N, das concentrações e das taxas de sedimentação fornecem informações sobre eventuais impactos naturais ou antrópicos oriundos da bacia de drenagem ou do próprio estuário, que por sua vez podem ou não estar relacionadas às atividades humanas (LIBES, 1992; ALONGI, 1997; MEYERS, 1997).

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