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2 DESCENTRALIZAÇÃO E CRIAÇÃO DOS COMITÊS DE BACIAS NO

3.1 Abordagens do termo gestão

As transformações ocorridas desde a década de 1970, em relação as inovações tecnológicas de grande escala, suas influências nos problemas ecológicos e sociais atreladas a concentração espacial das funções decisórias e o papel político desempenhado pelos movimentos sociais, demonstraram a incapacidade do planejamento permanecer sustentado em bases centralizadoras. Diante dessas particularidades, surge a necessidade, destacada por Becker (1989), de “transposição do planejamento para o nível da consciência política através de sua distribuição territorial”. Nesse contexto de transformação no perfil econômico, social e político da sociedade, o conceito de gestão ressurge com a perspectiva de ampliação e superação do escopo da administração pela relação que se instaura entre o público e o privado (BECKER, 1991).

Durante muitas décadas o termo gestão foi associado à administração da gestão empresarial e da sociologia, no sentido da gestão de pessoas. Segundo Souza (2006), as raízes etimológicas do termo gestão é bastante antigo no Brasil, originado do latim gestions, que significa (gerir, administrar), porém a popularização do termo é considerado recente:

[...] começou a tornar-se uma palavra da moda na segunda metade de década de 80, quando, a partir do ambiente profissional ligada à administração de empresas (no qual a gestão empresarial se desdobra em gestão de projetos, de tesouraria, de recursos humanos, de contratos...), se foi acasalando com os mais diversos adjetivos e substantivos e se desdobrando em expressões como gestão do conhecimento, gestão urbana, gestão municipal, gestão territorial, gestão ambiental, gestão tributária, gestão educacional, gestão de C & T (ciência e tecnologia) e outras mais. Apesar de a palavra gestão estar, hoje, solidamente incorporada ao vocabulário das mais diferentes áreas, restam ainda dúvidas e sobram confusões quanto ao seu preciso significado e ao seu alcance, a julgar pelo que se passa no campo da pesquisa humana. (SOUZA, 2006, p. 150)

Percebe-se que o termo gestão se popularizou desde a década de 1980, estando associado a diversas ciências e mantendo íntima relação com a ideia de planejamento. Para alguns teóricos, o planejamento está relacionado à preparação para que ocorra uma gestão futura, que se possa evitar ou minimizar problemas. Esse argumento justifica-se visto existir por parte de geógrafos e sociólogos grande

resistência no uso do termo planejamento, pois muitas vezes está associado à intervenção do Estado a fim de privilegiar os interesses capitalistas, desta forma, o termo gestão foi utilizado com o objetivo de trazer um caráter menos intervencionista do Estado pautado nos interesses da minoria (SOUZA, 2006).

Diante da polissemia do termo gestão e da associação intrínseca a áreas específicas do conhecimento, como é o caso da administração e da sociologia, Reed (1997), indica que é possível identificar três perspectivas de análise fundamentais da abordagem sociológica da gestão: perspectiva técnica; política e crítica. Segundo o autor, na perspectiva técnica a gestão é encarada como instrumento racionalmente concebido e acionado para a realização de valores predominantemente instrumentais, dessa forma, diz respeito aos meios e não aos fins, nesse sentido, o grau de centralização na tomada de decisões ou a extensão de procedimentos e regulamentos estão fortemente presentes.

Na perspectiva política, gestão é considerada como um processo social direcionado para a regulação do conflito entre grupos de interesse, num ambiente caracterizado por incertezas relacionadas aos critérios de avaliação do desempenho organizacional. Essa abordagem propõe uma ruptura no racionalismo da perspectiva técnica e a existência de uma ordem negociada que favoreceria a mediação dos conflitos, porém destaca, assim como na abordagem anterior, a ideia de poder e controle.

Para Reed (1997, p.15), na abordagem crítica, gestão é “um mecanismo de controle que funciona para satisfazer os imperativos econômicos impostos pelo modo de produção capitalista e para difundir o quadro ideológico que permite obscurecer estas realidades estruturais”. Segundo o autor, essa estrutura de gestão está relacionada a abordagem marxista da análise das organizações que procura estabelecer relação entre o trabalho organizacional da rotina dos gestores e o estabelecimento da estrutura de relações de produção. O quadro a seguir sintetiza as concepções do autor, em relação às perspectivas de gestão associadas à dinâmica organizacional de uma empresa (Quadro 6).

Quadro 6: Perspectivas sociológicas sobre a gestão – 1997

Perspectiva Temática Modelo de

Explicação Estratégia de ação Técnica Instrumentos racionalmente concebidos para a realização de objetivos instrumentais.

Teoria Sistemática Valorização da eficácia da configuração organizacional.

Política Processo social de

negação para

regulação do conflito

de grupos de

interesse.

Teoria da ação Aperfeiçoamento das capacidades de negociação dos que exercem funções de gestão.

Crítica Mecanismo de controle

destinado à extração máxima de mais-valia.

Teoria marxista Evitar aos profissionais de gestão visões distorcidas da realidade social. Fonte: REED, 1997.

Elaboração: ALMEIDA, 2014.

A partir dessas abordagens o autor propõe a análise de uma nova perspectiva de gestão denominada de praxeológica, que permite a associação das concepções de gestão, enquanto estrutura administrativa, processo sociopolítico ou mecanismo de controle, nesse caso, a gestão está associada a prática social como:

[...] um processo ou atividade que visa a contínua articulação ou pacificação de práticas complexas e diversificadas, sempre propensas à desarticulação e fragmentação, baseando-se na capacidade, normalmente contestada, de controlar mecanismos institucionais que, de certo modo, asseguram a coordenação e integração da interação social. (REED, 1997, p. 26)

Essa análise permite uma concepção mais realista e flexível, diferentes das abordagens técnica, política e social, que concebem as organizações como unidades sociais, com estruturas rígidas, subordinadas à realização de funções essenciais que surgem como imposição das facetas técnicas, econômicas, administrativas e políticas de um dado sistema. É importante salientar que as concepções de gestão destacadas por Reed (1997) estão relacionadas à postura dos gestores num determinado sistema organizacional, como por exemplo, uma empresa, com o intuito de estabelecer uma disciplina organizacional e cooperação dos seus membros. Apesar de o contexto histórico do uso do termo gestão, bem como sua própria etimologia direcionarem para a associação com aspectos

administrativos de gestão empresarial, atualmente, conforme Souza (2006), o termo “foi acasalando com os mais diversos adjetivos e substantivos”.

3.2 A inserção da gestão das águas na gestão ambiental

A década de 1970 foi marcante em relação à ampliação dos debates sobre as questões relacionadas ao meio ambiente. Em 1972, o Clube de Roma, fórum composto por cientistas, industriais e políticos, lançou o Relatório intitulado Os Limites do Crescimento, destacou a preocupação com o crescimento populacional. A Conferência de Estocolmo sobre o meio ambiente, realizada também em 1972, impulsionada pelo debate promovido pelo Clube de Roma, intensificou o debate na incorporação da consciência ecológica global. Em 1983, foi criada a Comissão da ONU para debater os principais problemas ambientais do planeta e como resultado foi elaborado o Relatório Brundtland que apontou para o desenvolvimento econômico em consonância com a justiça social e preservação do planeta.

O debate internacional trouxe impactos nas discussões promovidas no Brasil. Em 1983, foi realizado em Brasília, o Seminário Internacional de Gestão de Recursos Hídricos, já em 1986 o Ministério de Minas e Energia (MME) criou um grupo de trabalho cujo relatório incentivou a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), que serviram como subsídios para a criação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a transição do Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH) e dos respectivos comitês de bacias hidrográficas.

O marco na discussão global sobre a gestão de recursos hídricos foi a Conferência de Dublin10, realizada em 1992, que deu ênfase a existência de sérios problemas relacionados à disponibilidade hídrica e estabeleceu os princípios para a gestão sustentável da água, a saber:

1- A água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para a manutenção da vida, para o desenvolvimento e para o meio ambiente. 2- O gerenciamento da água deve ser baseado na participação dos usuários, dos planejadores e dos formuladores de políticas, de todos os níveis.

10

Conferência Internacional sobre a Água e Meio ambiente, realizada em Dublin, 1992. Um dos destaques dessa conferência está no caráter econômico estabelecido para as águas, que passou a ser encarada como um recurso econômico.