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2 DESCENTRALIZAÇÃO E CRIAÇÃO DOS COMITÊS DE BACIAS NO

3.3 Gestão das águas: tendências e modelos

A utilização do termo gestão das águas, ou gestão de recursos hídricos, tomando como referência a legislação federal, ganhou destaque por estar atrelada a gestão ambiental, e nesse caso, pelo estabelecimento da bacia hidrográfica como unidade de gestão e planejamento através da Lei Federal nº 9.433/97. Segundo Magalhães Júnior (2007), é possível identificar três paradigmas na gestão ambiental no globo: jurídico-administrativo ou burocrático; econômico-financeiro e integrador- participativo.

Para Lanna (2000), é também possível estabelecer três modelos fundamentais na gestão de recursos hídricos: o burocrático, o econômico-financeiro e o sistêmico de integração participativa. O modelo jurídico-administrativo ou burocrático ganha ênfase no final do século XIX dos anos 70, a partir da expedição de outorgas e licenças com o intuito de manter controle legal e setorial11. Nessa perspectiva, a função do órgão gestor é o de fazer cumprir os dispositivos legais, que muitas das vezes são constituídos pelas leis, decretos, resoluções e normas, os sistemas atuantes funcionam a partir do estabelecimento de negociações políticas representativas e jurídicas. Devido suas limitações, esse modelo pouco se utiliza do processo de negociação direta, além de omisso nos casos de planejamento estratégico e na geração de recursos que favoreçam seu próprio funcionamento, possuem também sérias limitações em casos de expedição de licenciamento ambiental e na resolução de conflitos (SILVA, 2000). Em relação a esse modelo, Lanna (1999) destaca que:

Isto acaba por produzir uma legislação difusa, confusa, muitas vezes conflitante e quase sempre de difícil interpretação, com o consequente agravamento dos problemas da administração pública que de um quadro de atuação ineficiente passa para outro de total inoperância. [...] Neste caso remete-se à culpa do fracasso do modelo à lentidão da justiça e à inoperância, ou mesmo venalidade do poder público, conjugado com atitudes ambientalmente criminosas dos agentes econômicos. (LANNA, 1999, p. 56).

A partir da década de 1970, devido à limitação imposta pela abordagem normativa da gestão ambiental, evidenciou-se o paradigma econômico-financeiro com ênfase nas ideias de custo/benefício oriundas da década de 1930, nos Estados Unidos, fruto da corrente econômica keynesiana onde o Estado exercia o papel empreendedor. Lanna (1999, p.62), esclarece que o modelo viabilizou a

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“intensificação do uso setorial não integrado em certas bacias de importância econômica acarretando quase sempre os mesmos conflitos do modelo burocrático, agora com caráter intersetorial e, até mesmo, intrassetorial”. A principal fragilidade desse modelo é que “adota concepção relativamente abstrata para servir de suporte para a solução de problemas contingências: o ambiente mutável e dinâmico exige grande flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptações frequentes e diversas”.

É importante destacar que apesar de suas limitações, principalmente no sentido de prevalecer uma abordagem setorial, pode ser considerado como um avanço em relação ao modelo burocrático, pois possibilita a realização de planejamento estratégico tomando a bacia hidrográfica como referência, bem como favorece a arrecadação de recursos para a implantação de planos diretores que, de certa forma, viabiliza maior proteção e controle das águas e de seus múltiplos usos.

O paradigma integrador-participativo ou modelo sistêmico de integração participativa iniciou-se com destaque a partir de 1990, com ênfase em uma perspectiva de gestão descentralizada e participativa, características do projeto constitutivo brasileiro estabelecido em 1988. Nessa abordagem são previstas três tipos de negociação:

a) de ordem econômica; b) político-institucional; c) jurídica.

Apesar de constituir-se como um avanço dos modelos burocrático e econômico-financeiro, o modelo integrador participativo surgiu num contexto em que mudanças estruturantes, principalmente em relação a redemocratização culminou com a Carta Magna. Para Lanna (1999) e Freitas (2000), são características desse modelo:

• publicização das águas, pela qual o Estado assume seu domínio, legal ou para efeitos práticos;

• descentralização de seu gerenciamento, através da qual o Estado permite que seja realizado de forma compartilhada com a sociedade, mediante a participação de entidades especialmente implementadas;

• adoção do planejamento estratégico na unidade de intervenção da bacia hidrográfica;

• utilização de instrumentos normativos e econômicos de acordo com diretrizes do planejamento estratégico.

De forma sistematizada, analisam-se os modelos de gestão de recursos hídricos (Quadro 8).

Quadro 8: Modelos de Gestão de Recursos Hídricos – 1999 Modelos de Gestão de

Recursos Hídricos

Contexto Características

Burocrático Final do século XIX.

Grande quantidade de leis e decretos; Gestão fragmentada;

Cumprimento de normas;

Centralização do poder decisório.

Econômico-financeiro A partir de 1940.

Prioridades setoriais do governo;

Desenvolvimento integral da bacia hidrográfica; Planejamento estratégico da bacia;

Estrutura de poder centralizada.

Sistêmico de Integração Participativa

A partir de 1990.

Equidade social; Equilíbrio ambiental; Democratização das ações;

Estrutura de poder descentralizada; Inserção de novos agentes de gestão. Fonte: LANNA, 1999.

Elaboração: ALMEIDA, 2013.

Para Mendonça (2007), a partir da comparação dos diferentes sistemas de gerenciamento de recursos hídricos, implantados em alguns países europeus como Alemanha, França, Holanda, Portugal e Reino Unido, permite-se considerar três modelos: hidrológico, administrativo e coordenado.

O modelo hidrológico tem como principais características, a estrutura organizacional, tendo como base um contorno hidrológico, com extensivos planos de bacias hidrográficas, onde a gestão de recursos hídricos é conduzida por uma autoridade de bacia (sistema francês e britânico); no modelo administrativo existe uma articulação entre a gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, conduzida por províncias e municípios e, diferentemente, do modelo hidrológico, não existe preocupação com a elaboração de planos e com os contornos hidrológicos (sistema português); já o modelo coordenado, constitui-se como um meio termo entre o hidrológico e o administrativo, conta com a existência de comissões de bacias que exercem o papel de coordenação na definição de metas e plano

estratégico para a bacia (o sistema holandês e o português) para grandes bacias representam o modelo).

A partir das contribuições de Lanna (1999) e Mendonça (2007), podem-se inferir que, atualmente, os modelos estabelecidos no Brasil para a gestão de recursos hídricos são o sistêmico de integração participativa, a partir de uma estrutura de poder descentralizada e a inserção de novos agentes de gestão e o modelo coordenado, pois apesar de não ser o que prevalece na França, inspiração para implantação do sistema de gestão de recursos hídricos no Brasil, constitui-se como meio termo entre os dois outros modelos e conta com a participação de coordenação de bacias a partir do estabelecimento de metas para a implementação de planos de bacia. Apesar de caracterizar os modelos de gestão em que o Brasil se enquadra, isso não significa que algumas características de outros modelos não estejam presentes.