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Fonte: Acervo pessoal, 2018.

8.2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E A ALFABETIZAÇÃO

Tendo mostrado alguns sinais de que a alfabetização como processo homogeneizador está presente no processo de composição da educação infantil com os anos iniciais nas DCNs, vamos problematizar alguns movimentos ainda mais incisivos advindos com a BNCC. Passado o período mais intenso da adequação ao EF de nove anos e ainda entre as suas reverberações, principalmente na forma de conceber a alfabetização na fase transitória da EI para o EF, deslocamos mais um pouco as reflexões para continuar a discutir os processos de aprendizagens trazidos à tona, agora, pela BNCC, peculiarmente na segunda e terceira versões, chegando ao documento final homologado.

A BNCC apresenta-se, por si própria, como um documento normatizador que tem como objetivo definir as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica. Além disso, indica que “[...] é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar

comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental” (BRASIL, 2017, p. 8).

Com evidência para o setor empresarial e manifestando uma forma única de considerar os estudantes, bem como os seus conhecimentos e as suas aprendizagens, a BNCC descaracteriza os alunos e os docentes ao negligenciar a complexidade de uma vida da escola, propondo um projeto unificador e mercadológico, na construção do tripé: uniformização curricular + testagem em larga escala + responsabilização de professores e gestores.

Com a restrição do conceito de currículo trazido pela Base, foi certeira a redução de tudo mais ligado ao cotidiano escolar, inclusive dos processos de aprendizagem das crianças pequenas, que se voltam na BNCC para a aquisição da leitura e da escrita. Primeiramente, é preciso dizer que entre a segunda e a terceira versão houve uma redução de mais de duas páginas do texto introdutório, que antes trazia alguns indicativos, ainda que frágeis, da EI como primeira etapa da educação básica. Esse enxugamento significou ainda mais um descaso com esta etapa e implicou em uma mudança conceitual, especialmente no que diz respeito às discussões sobre desenvolvimento, aprendizagem e linguagem.

A partir dessas considerações, analisamos o campo de experiências “Oralidade e Escrita” da terceira versão (intitulado na versão final como “Escuta, fala, pensamento e imaginação”), que compõe o teor de um dos cinco campos da EI, abrindo diálogo para, em seguida, tratarmos dos anos iniciais do EF. Nesse quarto campo, que na segunda versão era intitulado “Escuta, fala, linguagem e pensamento”, vemos que o ato da experiência está voltado para os processos de aquisição da língua e da linguagem, desenvolvendo-se a partir do acesso da criança ao mundo das letras.

A experiência, protagonizada pelo docente, inicia-se com a leitura de textos literários, proporcionando à criança o espaço da escuta e do início da escrita, e aqui, nos indagamos: o que a criança tem experimentado por leitura e por escrita nadacom a vida escolar? Ao ser nomeado na terceira versão como “Oralidade e Escrita”, esse campo de experiência é reduzido ainda mais a uma simples área de conhecimento,

que despreza o trabalho educativo, concebendo-o apenas como apropriação das linguagens oral e escrita. A língua é tratada como categoria estável, geral e fixa.

O mesmo eixo passou por mudanças que vão desde o nome até suas perspectivas conceituais: foi chamado de “Escuta, fala, linguagem e pensamento", “Oralidade e Escrita” e, na versão final, “Escuta, fala, pensamento e imaginação”. Mas, o que fica claro é que a mudança de nome não desfaz todo o determinismo desse documento desde a primeira versão, seja nesse eixo, seja nas suas demais instruções, já que a Base Nacional tem um forte discurso de adequação e qualidade questionáveis e que se empodera como “[...] um documento valioso tanto para adequar ou construir seus currículos como para reafirmar o compromisso de todos com a redução das desigualdades educacionais no Brasil e a promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes brasileiros (BRASIL, 2017, p. 5).

Esse destaque que fizemos em relação ao campo de experiências que se refere à leitura e à escrita é mais um impulso para discutirmos a respeito do que podemos entender por aprendizagem nas dobras dos documentos oficiais. Passando para as análises do que a BNCC traz para o EF, mais uma questão que nos angustia é ver a alfabetização e os demais processos educativos tratados dessa maneira: “Nesse processo, é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga ‘codificar e decodificar’ sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras) [...]” (BRASIL, 2017, p. 87-88).

Nossa tentativa não é a de eliminar a importância dos processos de alfabetização. Pelo contrário, é mostrá-los em meio às tantas aprendizagens possíveis que não cabem nas formas do currículo régio, de maneira que não se diminua a sua potência a atitudes mecanizadoras, mas que considere as hibridizações culturais que perpassam os processos educativos. Desejamos evidenciar que a alfabetização é um processo valoroso demais para ser reduzido nas Diretrizes Curriculares e na Base Nacional a um método para ligar a EI ao EF e, dessa maneira, tentamos defendê-la como importantíssimo conhecimento ao qual o aluno precisa chegar,

independentemente de ser visto nos documentos curriculares governamentais como característica de vinculação entre EI e RF, obrigatoriamente.

Questionamos, ainda, as reduções feitas em relação às capacidades das professoras e dos alunos, a insistência de impor o que não condiz com as tonalidades cotidianas e a crença de que a aprendizagem só acontece por ações mecânicas, dentro de uma sala de uma escola, sem considerar, por exemplo, que os alunos inserem-se nos conhecimentos dentrofora (ALVES, 2010a) da escola.

8.3 NAS FRESTAS DAS DCNs E DA BNCC: AS LITERATURAS MENORES NOS COTIDIANOS DE UMA EMEIEF

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