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CAPÍTULO 3 – IMERSÃO EM REALIDADES ALTERNADAS: ANÁLISE DE THE LOST

3.1 DESCRIÇÃO DE THE LOST EXPERIENCE

3.2.1 ABSTRAÇÕES DO MUNDO FICCIONAL

Uma das formas de recentralizar as realidades é conceber que as abstrações do

mundo ficcional do ARG englobem de alguma forma o mundo cotidiano, facilitando assim

um alinhamento diegético entre eles. Uma proposição comum encontrada nos jogos de realidade alternada, é que a “a duração da ação do drama em si, deve relativamente coincidir com a duração com a representação através das mídias”73

Assim, os cinco meses que Rachel Blake levou para revelar os mistérios da

Fundação Hanso foram os mesmos cinco meses que os participantes tiveram até o final de

The Lost Experience. Essa relação temporal acaba aumentando o poder de agência e imersão na experiência, já que as ações e os acontecimentos transcorrem temporalmente como na vida diária, construindo a impressão de um mundo dinâmico e persistente, que acontece 24 horas por dia, sete dias por semana, até o fim da trama (DENA, 2009).

(DENA, 2009, p. 277). Ou seja, a diegese do ARG transcorre de forma sincronizada com eventos no mundo dos jogadores, que detém o referente temporal dos acontecimentos.

Da mesma forma se formulam meios que justifiquem conceitualmente uma ligação diegética entre os mundos, mantendo-os em comunicação. O que mantém a interação entre eles, auxiliando na participação do público. Dena (idem, p. 281) comenta que esse processo se dá início com o conceito, respondendo a perguntas como:

Como será o mundo real ser ligado a um mundo fantástico? Como o mundo real existe no mundo de ficção? Uma vez conexão diegética – uma conexão

73 “duration of the action of the drama itself must fairly coincide with the duration of its representation across media”

entre os dois mundos - é feita, então as ações dos jogadores no mundo real podem impactar diretamente o mundo ficcional.74

Isso também implica na forma como os personagens ficcionais agem entre as realidades, levando em consideração que mídia será empregada, e o tempo e espaço geográfico dos participantes do ARG. Dena (2009) observa que o processo de alinhamento de um mundo ficcional com o mundo cotidiano começa a partir dos conceitos que regem essa aproximação. A abstração do mundo ficcional pode fazer isso de várias maneiras, incluindo a abordagem dos personagens, alocando-se no mundo inteiro ou em um território específico, ou criando ligações diegéticas.

Em The Lost Experience isso acontece quando se estabelece conceitualmente que os meios de comunicação utilizados entre as realidades (televisão, internet, etc.) são os mesmos, e compartilham um canal em comum, permitindo que informações trafeguem e o público interaja por essas mídias. Isso torna possível que a Fundação Hanso publique uma nota oficial nos jornais para se defender das acusações do escritor Gary Troup, ou que seu porta-voz Hugh McIntyre faça uma participação ao vivo da Dinamarca no programa Jimmy Kimmel Live da ABC, no dia 24 de maio.

Da mesma forma isso permite que Rachel Blake crie um canal de comunicação com o público através de seu blog, respondendo alguns comentários e passando instruções sobre os próximos passos a seguir. DJ Dan é outro personagem que serve como intermediário do universo de The Lost Experience, tendo dois programas ao vivo com a participação do público por telefone, e também discutindo temas relacionados a supostas pesquisas da Fundação

Hanso, como armas eletromagnéticas.

Outra consideração a se feita sobre o alinhamento de abstrações, é sobre as regiões geográficas escolhidas como focos da experiência, levando em consideração as redes televisivas parceiras: Estados Unidos, com a ABC; Austrália, com o Channel 7; e Inglaterra, com o Channel 4. Isso acabou trazendo algumas implicações que incidiram na recepção do ARG, e consequente na imersão de uma fatia do público. Pois as propagandas televisivas dos patrocinadores que continham pistas para o ARG eram veiculadas apenas por esses canais, assim como a distribuição do chocolate Apollo ocorreu oficialmente exclusivamente nos países listados.

74 How will the actual world be linked to a fantastical world? How does the actual world exist in the fictional world? Once a diegetic rationale—a connection between the two—is made, then player actions in the actual world can directly impact the fictional world.

Algumas dessas circunstâncias foram compensadas pelas comunidades online que reproduziam os vídeos televisivos posteriormente na internet, discutindo as possíveis pistas existentes, e que também compilavam informações recolhidas em eventos em espaços públicos, como foi na caça aos hieróglifos ou na aparição de Rachel Blake na Comic Com San

Diego de 2006. Porém, é incontestável que os participantes residentes nos Estados Unidos, Austrália e Inglaterra eram privilegiados de informações e possibilidades de participação diante do público globalizado que o seriado Lost possui ao redor do mundo, sendo exibido em cerca de 100 países. Isso fica claro com o caso das barras de chocolate Apollo, quando pessoas fora dos países onde elas foram distribuídas passaram a confeccionar suas próprias embalagens75 (Figura 19) e enviar suas fotos com elas para a internet.

Figura 19 - Imagem de uma embalagem caseiro da barra de chocolate Apollo Fonte: http://migre.me/7wKDV

Um elemento interessante a considerar nas abstrações do mundo de The Lost

Experience é que elas também incorporam a existência do seriado Lost, como uma obra ficcional. Fato que é discutido por Hugh McIntyre na sua entrevista à ABC sobre as ações da

Fundação Hanso. Na ocasião, o entrevistador Jimmy Kimmel pergunta se ele conhece o seriado em questão e o que ela pensa a respeito de um dos projetos da Fundação, a Iniciativa Dharma, estar presente no universo de Lost. Como resposta, McIntyre afirma que conhece pouco sobre a série, que deve ter assistido uma vez e achou bastante confuso, e sobre o caso da Iniciativa Dharma, ele responde que os produtores apenas acharam interessante incorporar elementos reias à sua história para deixá-la mais interessante.

E por que veicular uma propaganda da Fundação Hanso nos intervalos de Lost? O porta-voz da instituição replica falando que o espaço publicitário é atrativo, pois ele é bem visível para um público em potencial que pode a vir interesse pelos projetos empreendidos científicos pela Fundação.

Outro caso onde esse assunto volta a ser abordado em The Lost Experience é no painel do seriado Lost na Comic Com San Diego de 200676

Ao fundo dessa discussão, a plateia vibra com o momento, tendo consciência do quão próximo estavam das bordas da quarta parede que os separa do universo de Lost. Que naquele momento eles estavam fisicamente transportados para a diegese de uma realidade alternada, onde a fantasia e a realidade deles se embatem num equilíbrio delicado para manter a imersão dentro da experiência lúdica.

, quando Rachel Blake surge na plateia para acusar os produtores executivos do seriado por estarem apoiando a Fundação

Hanso, utilizando indevidamente fatos graves e verdadeiros para fins de entretenimento. Ao contrário da entrevista televisa, onde o tema é tratado sem um questionamento sobre veracidade do acontecimento, nessa ocasião acontece um embate frente ao público entre as partes ficcionais e não ficcionais do mundo de LTE, com os produtos de Lost respondendo que tudo não passa de pura fantasia criada para o universo da série, inclusive a Fundação

Hanso. Rachel nega e rebate que tudo é verdade, e que ela provará tudo ao mundo.