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CAPÍTULO 3 – IMERSÃO EM REALIDADES ALTERNADAS: ANÁLISE DE THE LOST

3.3 DANDO FORMA AO SUSPENSE

Vimos até então, que o jogo de realidade alternada se utiliza de seis estratégias para alinhar seu mundo ficcional com o cotidiano, a fim de torna sua experiência mais intensa e imersiva para o público. Assim, o ARG assume as abstrações conceituais do nosso mundo,

incorporando seu regime temporal e espacial, para por seguinte criar propriedades de

semelhança com a realidade cotidiana para tornar a interação com o universo ficcional mais acessível através das mídias e/ou ambientes físicos.

Delineando as fronteiras entre as realidades, existem os paratextos, e para contextualizar os discursos entre as mídias e dar consistência à experiência, faz-se o uso da

hipertextualidade. Podendo assim incorporar a metatextualidade a diegese da obra, com a finalidade de ampliar e enriquecer seu universo. Há também o uso de alusões catalíticas, que fornecem pistas migratórias entre as mídias, proporcionando ao sujeito o prazer de transitar por uma narrativa espacial a partir de sua ação sobre o ambiente.

Além desses componentes que ajudam a aproximar o mundo de The Lost Experience à realidade dos jogadores, podemos também elencar algumas características narrativas que contribuem para a imersão na experiência. Murray (2004), na sua abordagem sobre a narrativa participativa como labirinto, aponta o suspense e a ansiedade como uma propriedade importante na imersão. Uma qualidade que deve ser despertada e controlada para criar um labirinto ficcional expressivo.

Em seu estudo sobre imersão, Ryan (2001) aborda o suspense como uma forma de temporal de imersão ficcional. Uma expressão do desejo do sujeito em conhecer o que o espera ao final da experiência ficcional, despertando um estado emocional de ansiedade e incerteza parcial sobre a progressão ou o resultado de uma ação.

A história conduzida por The Lost Experience se configura especialmente nessa qualidade, desencadeando sua narrativa fragmentada pelas mídias de modo a criar expectativas sobre os mistérios que a permeiam seu universo. Seja em torno da identidade do

hacker Persephone no início do ARG, o paradeiro de Alvar Hanson, ou em explorar as possíveis ligações que sua trama tem com o próprio seriado Lost. Mistérios desencadeados de forma fragmentada no desenvolvimento da narrativa, onde a trama se desenrola sempre deixando um gancho para que o público pense qual será o próximo passo ou quebra-cabeça a ser resolvido.

Apesar da aparente facilidade em se definir a ideia de suspense na ficção, Ryan comenta que algumas perguntas ainda devem ser respondidas: como alguém pode diferencias as formas de suspense, que mecanismos cognitivos isso envolve e que dispositivos do suspense favorecem a experiência imersiva?

Ryan compreende que a noção de suspense perpassa por características que envolvem a tensão do sujeito em saber os desfechos das ações no mundo ficcional, um ambiente habitado por eventos construídos sobre um horizonte de expectativas que traçam os

caminhos futuros da tramam, sejam ele bons ou ruins para os envolvidos na trama. Uma estrutura de especulações que tem a intensidade do suspense medida pela extensão de possibilidades viáveis nos eventos desencadeados. (RYAN, 2001). A imersão temporal do sujeito no sujeito depende do foco dado ao suspense, algo que é estrategicamente elaborado pelos criados da trama no mundo ficcional. Desconsiderando a intensidade dessa experiência, Ryan elenca quatro formas de suspense:

- O Que suspense (what suspense): em que o foco do suspense é voltado para resolução de uma situação com uma resolução binária: acontecerá algo ruim ou bom ao final da ação. A atenção do sujeito se atém em saber o que acontecerá logo em seguida, o mantendo preso ao final do evento (RYAN, 2001). Uma forma de suspense explorada durante especialmente durante o segundo arco de histórias de The Lost Experience, durante as aventuras da personagem Rachel Blake pela Europa atrás de evidencias dos crimes da

Fundação Hanso. Esse momento do ARG foi marcado pelos vídeos gravados pela personagem que conduziam de seriada sua jornada.

Nos momentos finais desse arco, Rachel Blake descobre que sua informante foi misteriosamente morta em um acidente de carro. No momento em que ela relata o ocorrido em vídeo aos jogadores83

O suspense também é criado quando a personagem fragmenta o vídeo gravado no Sri Lanka para ser revelado à medida que os jogadores encontram as dezenas de hieróglifos espalhados na internet e fora dela – o que deixa o público abrir especulações sobre conteúdo final da gravação, gerando suspense em torno da caça dos códigos para destravar todas as partes do vídeo.

, ouve-se o som de disparos no quarto de hotel onde está hospedada, misturado do barulho do telefone tocando e de alguém gritando para abrir a porta. A gravação é interrompida de forma dramática, deixando em aberto o desfecho da ação.

- Como (por que) suspense [how (why) suspense]: é o suspense sustentado em um

enigma anterior ao fato está acontecendo, que explica a situação presente. É tentar desvendar o passado, invés do futuro como acontece na primeira forma de suspense (RYAN, 2001). Enquanto a primeira forma de suspense implica na escolha entre dois desfechos de direções opostas, este envolve múltiplas possibilidades que convergem para um mesmo ponto.

Tal suspense é gerado em The Lost Experience sobre o paradeiro de Alvar Hanson (Figura 26), foco do quarto arco do ARG com o lançamento do web site WhereIsAlvar.com. A resolução desse mistério era encarado como peça chave para entender como Thomas Mittlewerk assumiu o controle sobre as ações da Fundanção Hanso. Outra questão também explorada por essa forma de suspense foi o passado desconhecido de Rachel Blake. Pouco se sabia sobre a personagem, apenas pequenos detalhes sobre a morte de sua mãe e que antes ela era funcionário de uma empresa ligada a Fundação Hanso, o que leva a especular sobre os reais motivos de Rachel para investigar as atividades da instituição.

Figura 26 - Mapa indicando a última aparição pública de Alvar Hanson no ano de 2002 Fonte: http://migre.me/7z5mE

- Quem suspense (Who suspense): é o suspense voltado para desvendar quem está

por trás das ações. Encarado como o famoso quem matou quem nas histórias policiais (RYAN, 2001). Podemos relacionar esse suspense às dúvidas sobre a identidade do hacker Persephone no primeiro ato do ARG. Quando Rachel Blake surgiu em LTE, alguns participantes não tinham certeza se ela seria mesmo o hacker, ou apenas membro de um grupo

hackers com esse nome.

Podemos também compreender que esse suspense se estende sobre os responsáveis do desaparecimento de Alvar Hanson. Desde as primeiras aparições de Rachel no ARG, a personagem sempre enfatizou que o fundador da Fundação Hanso era alguém desconhecido para muitos da própria instituição, e que mesmo não aparecer em público desde 2002 poucos

questionaram sobre seu paradeiro. Foram abertas questões sobre quem estaria na verdade por trás das ações da Fundação e encobrindo o desaparecimento de seu fundador.

- Metasuspense: é o suspense gerado a partir do interesse do público em saber como

as pontas soltas da história serão amarradas, dando uma forma apropriada a narrativa. Essa é uma constante que sempre acompanha os jogos de realidade alternada através das discussões em comunidades online, onde interpretações são confrontadas, soluções para quebra-cabeças são discutidos e compartilhados, e a linha do tempo dos acontecimentos é elaborada com a finalidade de construir um sentido apropriado aos mistérios. Isso diretamente implica no funcionamento das comunidades de jogadores, no modo participativo e colaborativo que os jogos de realidade alternada são resolvidos e construídos.

Nesse sentido, voltado para a participação do público junto à experiência do ARG, Dena (2008) comenta que é preciso por parte dos produtores pensarem em estratégias que comportem funções dentro das comunidades, a fim de balancear a imersão entre seus diferentes focos (montar o quebra-cabeça narrativo, resolver desafios técnicos relacionados a decodificação de códigos, explorar espaços físicos atrás de novas pistas, etc.). Apesar dessa organização não ser algo controlado pelos criados do jogo realidade alternada, já que os jogadores possuem um auto gerenciamento na comunidade, a experiência do ARG deve ser previamente estruturada de modo a comportar a variedade de ações possíveis na experiência. Assim, a autora pensa essa estratégia como uma organização em camadas da participação emergente dos jogadores, contribuindo para estruturar a participação coletiva com papéis nos ARGs, a fim de atender a diversidade de habilidades existentes dentro da comunidade de jogadores.

3.4 ESTRUTURAR A PARTICIPAÇÃO COLETIVA COM PAPEIS EM JOGOS DE