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Acórdão Uniformizador de Jurisprudência

4. Consequências do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor

4.2. Perda do benefício do prazo

4.2.2. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência

Neste mesmo entendimento, e com a intenção de solucionar esta incerteza jurídica, o STJ resolveu uniformizar a jurisprudência relativamente à questão de legitimidade de exigência de juros remuneratórios associados às prestações ainda não vencidas no momento do incumprimento, mediante o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 25 de março de 2009119.

Importa ressaltar que o mesmo acórdão foi proferido durante a constância do DL n.º 359/91, de 21 de setembro, que estabelecia a aplicação supletiva do regime geral dos artigos 781º e 934º do CC, já anteriormente observados.

Este acórdão veio confirmar o caráter não imperativo do art. 781º do CC e a exigência do art. 405º do mesmo código, sobre este regime supletivo, o que determinava a licitude de estipulação em sentido diverso pelas partes. Clarificou ainda que esta fixação em sentido oposto seria admissível, ainda que a convenção fosse alcançada mediante celebração de contrato de adesão em que se presume que o aderente, no caso o consumidor, estava interdito de negociar ou influenciar o conteúdo contratual a que se

117 Ac. do STJ de 06/02/2007, proferido no âmbito do processo 06A4524. 118 Ac. do TRL de 15/12/2005, proferido no âmbito do processo 11687/2005-6. 119 Ac. do STJ de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo 08A1992.

vincula. Assim, “o art. 781º do Código Civil estabelece que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas implica o imediato vencimento das demais. Não se trata esta de uma norma imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato, ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil, regra mínima de funcionamento do mercado”.

Quanto aos juros remuneratórios, este acórdão começa por nos elucidar, primeiramente, com a noção de juros. Os juros são “frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital cujo montante varia em função dos fatores seguintes: o valor do capital devido; o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes”. Depois, “distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e convencionais, sendo os primeiros aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando ainda supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa, e os segundos os que têm a sua taxa estipulada pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos”.

Contudo, para a discussão em causa, o que releva maior importância é a classificação dos juros no que toca à sua função ou finalidade económica e social entre os juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios.

No que respeita aos juros remuneratórios, estes “têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência”.

Quanto aos juros compensatórios, os mesmos “destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado”.

Por sua vez, “os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor”.

Por fim, “os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor”.

Todavia, são ainda possíveis outras classificações, como as que distinguem os juros compensatórios de compulsórios, “conforme pretendam respetivamente repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao pagamento e a que separa os juros em civis e comerciais ou bancários”.

Portanto, os juros remuneratórios, aqui concretamente, visam “remunerar (retribuir) o capital e preencher em termos económicos a diferença entre o facultar desse capital, no caso por uma instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito, em determinado momento e a vir a dispor dele só depois”.

A questão é a de saber se com a perda do benefício do prazo dessa mesma restituição, e por força da exigibilidade imediata do capital pelo financiador, nos termos do art. 781º, era diretamente aplicável ao contrato de mútuo por vontade das partes, seja indiretamente com base em cláusula de teor semelhante, com o incumprimento do consumidor, se prevalecia ou não a obrigação por parte do devedor em pagar os juros remuneratórios, relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento. A resposta deste tribunal foi negativa. Ou seja, “se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do acionamento do mecanismo previsto no art. 781º do C. Civil. Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem”.

Neste sentido, o tribunal entendeu uniformizar a jurisprudência, demarcando que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao art. 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporadas”.

O mesmo entendimento é expressado por FERNANDO DE GRAVATO MORAIS120, o qual declara que “a perda para o consumidor do benefício do prazo

implicaria uma maior vantagem para o credor do que a resolução do contrato, o que não se compreende”, isto para o caso de puderem ser cobrados os juros remuneratórios atinentes às parcelas vincendas. O autor diz-nos ainda que, se não fosse proibida a cobrança dos aludidos juros remuneratórios “o financiador teria todo o interesse em

celebrar um contrato de crédito ao consumo nestas condições, pois saberia de antemão que receberia – sempre e em qualquer situação, desde que invocasse o art. 781º CC – todo o valor do crédito (capital, juros e outros encargos), mesmo que o consumidor apenas cumprisse, por suposição, uma só prestação”.

Contudo, após a entrada em vigor do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, colocou-se a questão de saber se se mantinham presentes ou não as orientações subordinadas pela jurisprudência analisada anteriormente.

Veio então o acórdão do TRG, de 15 de outubro de 2013, esclarecer que “O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25.03.2009, proferido antes da entrada em vigor do citado DL n.º 133/2009, continua a manter atualidade, porquanto este diploma não veio alterar em nada a “premissa nuclear” que serviu de suporte ao entendimento nele sufragado, ou seja, a de que o artigo 781º do Código Civil tem natureza supletiva e não imperativa”. Assim, “O entendimento fixado no referido Acórdão de que no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados, vale única e exclusivamente para os casos em que as partes adotaram, no contrato, cláusula de redação conforme ao art. 781º do Código, ou seja, cláusula que consagre o princípio definido neste artigo”121.

No mesmo sentido, o TRP com o acórdão de 25 de outubro de 2016 afirma que, “Mantém a sua atualidade e pertinência a solução resultante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no 7/2009, de 25/3/2009, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao art. 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados. Tal solução não resulta afastada, mas antes reafirmada, em face do disposto nos arts. 19º e 20º do DL 133/2009, não sendo admissível, como efeito do vencimento imediato das prestações vincendas ao tempo do incumprimento, a inclusão nas mesmas de juros remuneratórios e encargos inerentes”122.

Coloca-se ainda a questão de saber se este mesmo regime pode ser ou não afastado por convenção entre as partes, na condição de os contraentes imporem ao devedor o pagamento de juros remuneratórios relativos a período posterior ao do vencimento de todas as prestações. Segundo JORGE MORAIS CARVALHO, “Embora com algumas

121 Ac. do TRG de 15/10/2013, proferido no âmbito do processo 3258/11.6TBVCT.G1. 122 Ac. do TRP de 25/10/2016, proferido no âmbito do processo 455/16.1T8VFR.P1.

dúvidas, admitimos que, numa relação jurídica entre profissionais, as partes possam afastar o regime constante do art. 781º do CC, interpretado no sentido de que são devidos os juros remuneratórios no caso de o credor invocar a perda do benefício do prazo, como tem sido defendido, em abstrato, pela jurisprudência portuguesa”123.

Contudo, analisando o art. 20º do DL relativo ao contrato de crédito ao consumo, verifica-se que o mesmo não prevê expressamente a admissibilidade de convenção contrária das partes aos respetivos ditames, sendo omissa qualquer referência a esse respeito.

Por outro lado, observando o art. 26º, n.º 1 do mesmo regime jurídico, o mesmo diz- nos que “o consumidor não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições do presente decreto-lei, sendo nula qualquer convenção que os exclua ou restrinja”. E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo “o consumidor pode optar pela redução do contrato quando alguma das suas cláusulas for nula nos termos do número anterior”. Logo, qualquer convenção que surja com o intuito de os restringir de qualquer forma, a mesma é nula nos termos do art. 286º do CC.

Desta feita, o acórdão do TRE de 9 de março de 2017, diz-nos que “Não é permitido às partes, por sua livre iniciativa, e dentro do quadro da sua liberdade contratual, estabelecer que no caso de perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, se vençam juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencem imediatamente por via da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato”124.

Assim, podemos concluir quanto a este ponto que, de acordo com as regras do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, a liberdade contratual das partes está condicionada, não lhes sendo lícito propor ou aceitar consequências diversas das legalmente estipuladas, relativamente ao não cumprimento do acordo prestacional convencionado no âmbito do contrato de crédito ao consumo. A única exceção a esta proibição será a possibilidade de estipulação de convenções divergentes do regime especial que visem ampliar os direitos conferidos pela legislação ao consumidor, como por exemplo, será lícita a convenção das partes que determine que a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato fique dependente da falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas, ao contrário das “duas ou mais” previstas na lei125.

123 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2016, p. 337. 124 Ac. do TRE de 09/03/2017, proferido no âmbito do processo 6589/15.2T8STB.E1.

125 Cf. ANA PATRÍCIA DO ROSÁRIO PEREIRA, O incumprimento do contrato de crédito ao consumo pelo consumidor,

Portanto, relativamente aos juros remuneratórios associados às prestações vincendas, atualmente não subsiste qualquer possibilidade de exigência lícita destes por parte do financiador, nem tão pouco de aceitação pelo consumidor, pelo que a verificação de sobreposição de cláusula nesse sentido determinará a invalidade do convencionado.

De notar ainda que, tratando-se de um contrato de crédito ao consumo, a referência deve ser sempre feita, atualmente, com base no art. 20º do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, e não para os arts. 781º e 934º do CC, como o anteriormente era com o regime jurídico revogado.

Em conclusão, no caso de o financiador alegar a perda do beneficio do prazo não pode, por consequência, solicitar ao mesmo tempo o pagamento dos juros remuneratórios. Essa possibilidade só seria posta em causa no decorrer da falha de pagamento por parte do devedor, no caso de o credor estar na disposição de aguardar a decorrência dos prazos previamente estabelecidos.

Não obstante a impossibilidade de exigência de juros remuneratórios relativos a prestações vincendas nos termos esclarecidos em epígrafe, o financiador poderá sempre invocar o pagamento dos juros moratórios e eventual indemnização face ao não cumprimento do consumidor.

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