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CAPÍTULO III – AS PUBLICAÇÕES E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E

3.4. A Academia Brasileira de Letras

Com todas as discussões sobre língua e literatura que se faziam no Rio de Janeiro, no final do século XIX, Afonso Celso Júnior e Medeiros e Albuquerque – cada um a seu tempo: aquele no Império e este na República – expressaram suas ideias de criação de uma academia literária nacional, nos moldes da Academia Francesa. A Revista Brasileira, de José Veríssimo, reunia muitos dos escritores da época e obtinha êxito social e cultural entre eles; ela poderia, então, dar a coesão necessária a esse grupo de escritores e, assim, possibilitaria a realização da ideia de se fundar uma academia no Brasil.

Machado de Assis comungava com o desejo de se fundar uma Academia de Letras, e faz uma menção, velada, a esse desejo, numa crônica de 25 de novembro de 1894:

Mas fosse quem fosse o inventor do vocábulo, certo é que este, apesar da anônimo e popular, ou por isso mesmo, espalhou-se e prosperou; não admirará que fique na língua, e se houver, aí por 1950, uma Academia Brasileira, pode bem ser que venha a incluí-lo no seu dicionário. O sr. dr. Castro Lopes poderia recomendá-lo a um alto destino. (ASSIS, 2008c: 1123)

A iniciativa de propor concretamente uma Academia Brasileira de Letras – como já se afirmou no item 2.2 do Capítulo II deste trabalho – foi de Lúcio de Mendonça, que desejava estabelecer essa instituição sob a tutela do Estado, porém o Governo se recusou a participar de tal projeto51, constituir-se-ia, então, como instituição privada independente. As primeiras notícias relativas à fundação da Academia Brasileira de Letras foram

                                                                                                                          51

Inicialmente, até houve interesse por parte do Estado em patrocinar a Academia Brasileira de Letras, mas quando ela já estava em vias de fato, ele se retirou do projeto.

divulgadas em 10 de novembro de 1896, pela Gazeta de Notícias, e, no dia seguinte, pelo

Jornal do Commercio.

Tiveram início, assim, as sessões preparatórias. Na primeira delas, às três da tarde de 15 de dezembro, na sala de redação da Revista Brasileira, na Travessa do Ouvidor nº 31, Machado de Assis foi desde logo aclamado presidente.

Em 28 de janeiro de 1897, aconteceu a sétima e última sessão preparatória. Estiveram presentes a essa sessão, instituindo a Academia: Araripe Júnior, Artur Azevedo, Coelho Neto, Filinto de Almeida, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Luís Murat, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Valentim Magalhães e Visconde de Taunay.

Como se desejava uma instituição aos moldes da Academia Francesa, era necessário um total de quarenta membros. Até então eram apenas trinta, contando com os que, não comparecendo à última sessão, estiveram presentes nas sessões anteriores: Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero e Urbano Duarte.

Para resolver tal questão, os presentes na última sessão elegeram os dez seguintes: Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo, Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça, que aceitaram o convite e a honra.

Os Estatutos foram assinados por Machado de Assis, presidente; Joaquim Nabuco, secretário-geral; Rodrigo Otávio, primeiro secretário; Silva Ramos, segundo secretário; e Inglês de Sousa, tesoureiro.

Em 20 de julho de 1897, numa sala do museu Pedagogium52, à Rua do Passeio, realizou-se a sessão inaugural, com a presença de dezesseis acadêmicos. Machado de Assis, presidente da Academia, fez uma breve apresentação preliminar, dando abertura à sessão:

                                                                                                                          52 Já citado no item 2.5. do Capítulo II.

Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão. (ASSIS, 2005: 3-4)

Joaquim Nabuco, secretário-geral, pronunciou o discurso inaugural, em que discorreu sobre os objetivos e intenções daquele projeto cultural, destacando a ideia de que

A principal questão ao fundar-se uma Academia de Letras brasileira é se vamos tender à unidade literária com Portugal. Julguei sempre estéril a tentativa de criarmos uma literatura sobre as tradições de raças que não tiveram nenhuma; sempre pensei que a literatura brasileira tinha que sair principalmente do nosso fundo europeu. Julgo outra utopia pensarmos em que nos havemos de desenvolver literariamente no mesmo sentido que Portugal ou conjuntamente com ele em tudo que não depende do gênio da língua. O fato é que, falando a mesma língua, Portugal e Brasil têm de futuro destinos literários tão profundamente divididos como são os seus destinos nacionais. Querer a unidade em tais condições seria um esforço perdido. Portugal, decerto, nunca tomaria nada essencial ao Brasil, e a verdade é que ele tem muito pouco, de primeira mão, que lhe queiramos tomar. Uns e outros nos fornecemos de idéias, de estilo, de erudição e pontos de vista, nos fabricantes de Paris, Londres ou Berlim... A raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim melhor o seu idioma; para essa uniformidade de língua escrita devemos tender. Devemos opor um embaraço à deformação que é mais rápida entre nós; devemos reconhecer que eles são os donos das fontes, que as nossas empobrecem mais depressa e que é preciso renová-las indo a eles. A língua é um instrumento de idéias que pode e deve ter uma fixidez relativa; nesse ponto tudo precisamos empenhar para secundar o esforço e acompanhar os trabalhos dos que se consagrarem em Portugal à pureza do nosso idioma, a conservar as formas genuínas, características, lapidárias, da sua grande época... Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano, Garrett e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira. A língua há de ficar perpetuamente pro indiviso entre nós; a literatura, essa, tem que seguir lentamente a evolução diversa dos dois países, dos dois hemisférios. A formação da Academia de Letras é a afirmação de que literária, como politicamente, somos uma nação que tem o seu destino, seu caráter distinto, e só pode ser dirigida por si mesma, desenvolvendo

sua originalidade com os seus recursos próprios, só querendo, só aspirando a glória que possa vir de seu gênio. (NABUCO, 1901: 13-4)

Rodrigo Otávio, primeiro secretário, leu a memória histórica dos atos preparatórios:

Já que estes relatórios são destinados a constituir a crônica da Academia e registrar, ano por ano, as conquistas que ela for fazendo em prol da cultura nacional, devemos principiar do princípio, ou seja consignar aqui tudo o que entende com a organização deste instituto desde que nasceu a idéia de se o fundar. (OTÁVIO, 2005: 15)

As cadeiras da Academia Brasileira de Letras têm um fundador e um patrono. Alguns fundadores escolheram de imediato seus patronos, outros o fizeram tempos depois:

A escolha dos patronos fora deixada a cargo dos ocupantes das quarenta cadeiras da recém-fundada Academia. Os ausentes [à sessão de instalação] se manifestaram em cartas, endereçadas ao presidente. Alguns fizeram desde logo suas escolhas, ao passo que outros demoraram a fazê-las. (MAGALHÃES JR. 2008c: 49)

Cadeira Patrono Fundador

01 Adelino Fontoura Luís Murat

02 Álvares de Azevedo Coelho Neto

03 Artur de Oliveira Filinto de Almeida

04 Basílio da Gama Aluísio Azevedo

05 Bernardo Guimarães Raimundo Correia

06 Casimiro de Abreu Teixeira de Melo

07 Castro Alves Valentim Magalhães

09 Gonçalves de Magalhães Carlos Magalhães de Azeredo

10 Evaristo da Veiga Rui Barbosa

11 Fagundes Varela Lúcio de Mendonça

12 França Júnior Urbano Duarte

13 Francisco Otaviano Visconde de Taunay

14 Franklin Távora Clóvis Beviláqua

15 Gonçalves Dias Olavo Bilac

16 Gregório de Matos Araripe Júnior

17 Hipólito da Costa Sílvio Romero

18 João Francisco Lisboa José Veríssimo

19 Joaquim Caetano da Silva Alcindo Guanabara

20 Joaquim Manuel de Macedo Salvador de Mendonça

21 Joaquim Serra José do Patrocínio

22 José Bonifácio Medeiros e Albuquerque

23 José de Alencar Machado de Assis

24 Júlio Ribeiro Garcia Redondo

25 Junqueira Freire Franklin Dória

26 Laurindo Rabelo Guimarães Passos

27 Maciel Monteiro Joaquim Nabuco

28 Manuel Antônio de Almeida Inglês de Sousa

29 Martins Pena Artur Azevedo

30 Pardal Mallet Pedro Rabelo

31 Pedro Luís Luís Guimarães Júnior

32 Araújo Porto Alegre Carlos de Laet

34 Sousa Caldas Pereira da Silva

35 Tavares Bastos Rodrigo Otávio

36 Teófio Dias Afonso Celso

37 Tomas Antônio Gonzaga Silva Ramos

38 Tobias Barreto Graça Aranha

39 Francisco Adolfo de Varnhagen Manuel de Oliveira Lima

40 Visconde de Rio Branco Eduardo Prado

As cinco primeiras sessões continuaram no Pedagogium, à noite apenas, pois durante o dia realizavam-se lá as suas atividades educacionais precípuas; nesse horário noturno poucos eram os membros que compareciam às reuniões. Os acadêmicos passam a se reunir no Ginásio Nacional, depois nas salas de Revista Brasileira e em seguida na Biblioteca Fluminense; voltam à Revista Brasileira; voltam à Biblioteca Fluminense; voltam à Revista Brasileira. Torna-se um vai e vem sem fim, pois nenhum desses ambientes é adequado à finalidade da Academia.

Em 1900, três anos depois de sua fundação, a Academia ainda não tinha uma sede, e, em 1901, funcionou no escritório do seu 1o secretário – Rodrigo Otávio, que acreditava ser uma situação passageira, pois o então presidente da República, Campos Salles, já havia sancionado uma lei autorizando o Governo a dar uma sede fixa, em prédio público disponível para a Academia Brasileira de Letras. Apesar da lei sancionada, o fato não se realiza. Machado de Assis, então, é que procura um local em que instalar sua Academia.

Marcondes (2008), apresentando fatos do ano de 1900, afirma:

Minha Formação, livro de Joaquim Nabuco, sai em abril de 1900. Em junho, Nabuco escreve uma carta a Machado dizendo que enviará a ele o livro. Na mesma carta Nabuco pede a Machado que não deixe morrer a Academia. De fato, além da falta de reuniões, luta Machado de Assis por encontrar local para instalar a instituição. (MARCONDES, 2008: 294)

Em 1903, Machado consegue instalar a Academia – dividindo espaço com o Instituto Histórico, o Instituto dos Advogados e a Academia de Medicina – no Edifício do Cais da Lapa, porém sem muito entusiasmo, pois não achava ser ainda o lugar adequado para abrigar a instituição que ele criara em sua mente. Algum tempo depois, altera-se o nome do edifício, que, por sugestão do Barão Ramiz Galvão – famoso por seu saber helenístico –, passa a se chamar Silogeu Brasileiro – nome mais adequado à sua função.

Desde a primeira reunião preparatória para a fundação da Academia Brasileira de Letras, em 15 de dezembro de 1896 até a reunião de 1o de agosto de 190853 – de acordo com o Livro de Atas da Academia54 –, Machado de Assis esteve ausente apenas duas vezes: em 28 de setembro de 1897 (substituído por Joaquim Nabuco) e em 6 de junho de 1908 (substituído por Medeiros e Albuquerque); presidiu 94 (das 96) sessões ocorridas até a sua morte, sempre com empenho constante.

A importância da Academia Brasileira de Letras para este trabalho pode ser resumida em uma frase de Joaquim Nabuco, em seu discurso na sessão inaugural:

O fato é que, falando a mesma língua, Portugal e Brasil têm de futuro destinos literários tão profundamente divididos como são os seus destinos nacionais. (NABUCO, po.cit.: 13)

Um dos objetivos da Academia era justamente discutir o futuro da língua portuguesa no Brasil num momento em que se praticava um vívido ufanismo. Machado de Assis comentará em suas crônicas essa preocupação – não só dele mas de muitos outros também – com o idioma português e sua variante em uso no Brasil.

                                                                                                                         

53 A reunião de 1o de agosto de 1908 foi a última antes de sua morte, em 29 de novembro de 1908 . 54

HENRIQUES, Cláudio Cezar. Atas da Academia Brasileira de Letras: presidência Machado de Assis – 1896-1908. Rio de Janeiro: ABL 2001. (Coleção Austregésilo de Athayde, v. 2)