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Academia de ginástica: lugar de exercício físico e de sociabilidade

4 PRÁTICAS SOCIAIS DE LAZER NO SISTEMA PRISIONAL

4.3 Academia de ginástica: lugar de exercício físico e de sociabilidade

A academia é diferente do futebol, que um incentiva o outro, né: “vão

sô, você dá conta de levantar esse peso.” Então, um incentiva, um

ajuda o outro. Eu vejo a academia como uma coisa mais solidária do que o futebol, que não existe clima de competição (Sujeito 7).

De acordo com estudos de Cunha (1999), apontados por Marcellino (2003), além das atividades físico-esportivas, as academias tornaram-se espaços de convivência e vivência de relações sociais. Esses autores destacam que a finalidade das pessoas, ao buscar as academias, são bem diversificadas e ultrapassam a busca de condicionamento físico. Ademais, exercícios físicos, para muitas pessoas, nesse espaço, constituem experiência que implica descarga de energia e estresse, além de ser um lugar para se relaxar. Nesse aspecto, Marcellino (2003) apresenta outro autor (DEVIDE, 2000), que apresenta as práticas das academias com função de lazer. Diante disso, discuto, em seguida, como é organizada e concebida a academia dentro do presídio pesquisado.

A academia, na APAC investigada, funcionava de segunda a sexta- feira em 2 (dois) horários: pela manhã, estava disponível das 7h30h às 8h15min. Para esse funcionamento, eram designados 2 (dois) apenados responsáveis pelo espaço, para “administrar” aquele lugar de encontro e atividades físicas. No período vespertino, funcionava das 17h às 18h50min. Nesse turno, ao se encerrarem as atividades, era obrigatório que a academia

ficasse arrumada para o dia seguinte. Os responsáveis tinham 10min (dez minutos) para essa organização, porque, às 19h, todos deveriam se recolher às suas galerias e dormitórios, podendo, assim, apenas assistir televisão após as 19h.

Quanto à percepção dos sujeitos entrevistados com relação à academia, vale ressaltar este depoimento de um dos entrevistados:

[e]u pratiquei, agora eu estou mais afastado. Gostava da academia porque a APAC é um regime diferenciado, mas não deixa de ser um presídio, sabe. Às vezes a gente passa raiva aqui dentro, passa raiva, então pra gente não descontar a raiva num recuperando ou até num funcionário da casa, eu procurava aquilo ali como válvula de escape pra mim, sabe. Quando eu tava meio chateado com alguma coisa, ia pra academia e descontava nos pesos, sabe? tirava minha raiva ali, deixava minha raiva ali, na hora que eu saía, já saía bem, sabe. E fora a autoestima da gente, né, você ver seu corpo mudando de estilo, sabe. É muito bacana a academia e, como se diz, a academia nossa aqui sempre foi improvisada. Agora que nós ta conseguindo juntar um dinheirinho prá poder comprar os equipamentos. Já chegou um gladiador já, sabe. Tem uma bicicleta ergométrica também (Sujeito 3).

Mais uma vez, o sentido atribuído à prática do lazer foi apresentado como algo distinto, produzido pela configuração subjetiva do sujeito (REY, 2003), que articula o significado de um modo singular, diferenciado do prescrito pela instituição. Essas nuanças, no entanto, não são captadas de forma direta, porque são expressas por meio da emoção simbolizada nas práticas sociais que necessitam ser verbalizadas para a produção de novos sentidos no campo relacional do sujeito.

Nessa mesma fala transcrita acima, nota-se a importância dos exercícios físicos para o equilíbrio físico e emocional do apenado. Não se deve creditar, entretanto, a esse “instrumento” todos os benefícios para a qualidade de vida dos condenados. Durante a observação participante, percebi que grande número de detentos buscava essa atividade, sendo que, em alguns momentos, era necessário organizar uma lista de espera. Outro detalhe importante observado foi que esse espaço era buscado tanto por jovens quanto por adultos, e todos se ajudavam durante a bateria de exercícios. Por outro lado, um dos apenados alegava que a academia estava deixando de ser um espaço democrático, porque se instituía, a partir daquele mês, uma taxa de R$ 5,00 (cinco reais) para comprar alguns equipamentos novos em substituição

aos artesanais (FIG. 17 e 18, a seguir). Minha indagação,naquele momento,foi com relação à situação do preso pobre, sobre como seria a sua participação naquele espaço. Não obtive resposta.Nesse ponto, o pesquisado comentou apenas o seguinte:

[...] a gente tamo caçando uma forma, tipo, uma inscrição, aí a inscrição você ajuda com cinco reais pra dar manutenção nos materiais e até mesmo pra tentar comprar material. [...] Como a bicicleta que a gente conseguiu, outros materiais mais adequados.

FIGURA 17 - Academia - Equipamento artesanal construído pelos detentos. Fonte: Acervo de Walesson G. da Silva®. Fotografia feita em dezembro de 2013.

FIGURA 18 - Academia - Equipamento artesanal construído pelos detentos. Fonte: Acervo deWalesson G. da Silva®. Fotografia feita em dezembro de 2013.

Percebi, contudo, que os apenados reproduziam os apelos midiáticos e sociais que pregam a cultura do corpo perfeito e sua simbolização como objeto de desejo sexual. O que vale mencionar, aqui, no entanto, é que a

academia representava, para eles, espaço de sociabilidade e lazer. Quanto a essa atividade para a instituição, percebi que sua equipe gestora a visualizava como uma espécie de barganha, de troca por bom comportamento. Parece-me, todavia, que o potencial dessa atividade poderia ser mais explorado no seu aspecto educativo. Recorrentemente, evidenciou-se a necessidade de implantação de uma Pedagogia Social (SILVA, 2009) voltada para o desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos, por meio de atividades reflexivas com populações em situações de vulnerabilidade social.

Dando sequência à categorização das atividades de lazer pesquisadas na APAC, apresentarei, no próximo tópico, a prática da capoeira como mais uma das atividades elencadas pelos apenados como momentos de lazer.