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2 CONSTRUÇAO METODOLÓGICA DA PESQUISA

2.1 Trajetória do pesquisador e sua relação com o tema pesquisado

A escolha desse tema de pesquisa emergiu da minha prática pedagógica social, iniciada há 15 (quinze) anos, quando tive a oportunidade de trabalhar com jovens em cumprimento de medida socioeducativa em regime de internação, em um Centro Socioeducativo no município de Ribeirão das Neves - MG. Esse trabalho foi responsável por algumas mudanças na minha vida profissional. Dessa experiência, surgiu o desejo de aprofundar o meu trabalho profissional por meio de pesquisa em prol de melhor qualidade de vida para jovens em privação de liberdade. No entanto, devido a impasses burocráticos enfrentados junto ao Comitê de Ética em Pesquisa - COEP da UFMG e ao impedimento, por parte da Secretaria de Estado de Defesa Social - SEDS, para a realização de estudos junto a essa população juvenil, meu orientador me inseriu na Associação de Proteção aos Condenados - APAC, em um município de Minas Gerais.

Inicialmente, o intuito foi seguir a pesquisa sem perdas, porque a APAC representa uma “[i]nstituição que opera como entidade auxiliar dos poderes Judiciário e Executivo, respectivamente, na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade nos regimes

fechado, semi-aberto e aberto” (MINAS GERAIS, 2014). Dessa maneira, eu não teria prejuízo em minha proposta inicial de estudo, já que meu propósito objetivava analisar os significados, os sentidos e os usos dos espaços de lazer para jovens em cumprimento de medida de privação de liberdade. Nesse caso, apenas deixaria de investigar um centro socioeducativo e passaria a investigar um presídio que, guardadas as devidas proporções, apresenta algumas características próximas de um centro para jovens em medida judicial.

Vale ressaltar que cheguei até essa instituição por intermédio do meu orientador, Prof. Dr. Walter Ude que, na ocasião, desenvolvia pesquisa de pós-doutorado sobre masculinidade, violência e sistema prisional com os encarcerados na APAC. Desse modo, minha inserção nesse campo de pesquisa se tornou mais fácil, devido ao envolvimento do meu orientador com essa instituição.

Todavia, a reconfiguração desta pesquisa não deixa de discutir a realidade de jovens condenados, já que o Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013), em seu artigo primeiro, delimita as faixas etárias de adolescentes e jovens, bem como indica responsabilidade legal de cada ciclo de vida dessa população, como se lê:

[a]rt 1º (...) § 1o Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens

as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.

§ 2o Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e, excepcionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente (BRASIL, 2013).

Frente a isso, optei por desenvolver meu estudo junto à população carcerária de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, sendo que, inicialmente, procurei levantar informações acerca dos reais motivos que os induziram a cometer certas infrações. Nessa caminhada, algumas questões foram levantadas, a fim de entender e identificar quem eram aqueles sujeitos e como as atividades de lazer poderiam contribuir para um processo socioeducativo, nesse tipo de instituição prisional. Nesse momento, suscitei algumas indagações: o que levou esse jovem a ingressar no mundo do crime?;qual era a real proposta dessa instituição para ressocializá-lo?; o lazer era utilizado

meramente como controle disciplinar?; como os jovens presos se apropriavam dos espaços e das propostas pedagógicas dessa instituição?; como a instituição organizava os momentos de lazer do grupo?; como os jovens utilizavam os espaços de lazer?; e como eram desenvolvidos os processos de socialização e sociabilidade do grupo nas atividades de lazer?

Vale ressaltar que a LEP, em seu título segundo, seção VI, art. 23, inciso IV, diz ser incumbência do Serviço de Assistência Prisional promover a recreação aos condenados em regime fechado. No seu capítulo IV, seção II, que trata dos direitos à recreação, novamente se verifica: “Art. 41 - Constituem direitos do preso: (...) V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; […]” (BRASIL, 1984).

Minhas experiências anteriores, como membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA edo Conselheiro Tutelar, instigaram-me a indagar sobre o acesso daqueles sujeitos a equipamentos de lazer.

No entanto, minha convivência com distintas instituições, no período em que fui conselheiro, revelou-me que as concepções de lazer variavam significativamente de uma instituição para outra. Para umas, era muito comum o lazer ser tratado apenas como um tempo ocioso e improdutivo, um momento de “banho de sol”; para outras, representava uma forma de “recompensar o bom comportamento”, tendo caráter meramente compensatório. Raramente, era compreendido como direito e como forma de sociabilidade e formação humana. Esses registros me levaram a tentar identificar, na APAC, a concepção de lazer presente naquele sistema prisional.

Nesse ponto, Marcellino (2008) afirma que é importante se ter um espaço para se desenvolver uma atividade de lazer, porque a educação pelo lazer pode formar o ser humano sem se valer de situações extremamente sistematizadas. Para Bramante (1992), o lazer proporciona melhora de qualidade de vida e está voltado para o desenvolvimento do sujeito como pessoa e membro de uma coletividade que, por meio das relações lúdicas, pode proporcionar momentos prazerosos. Esse tipo de experiência tem impacto sobre a subjetividade do sujeito capaz de gerar perspectivas de reconstrução da vida pessoal e social. Como entendo que a melhoria na qualidade de vida resulta da qualidade de interação entre as pessoas, e dessas

com o meio, vivendo em uma sociedade em transformação, essas ponderações levaram-me ao envolvimento com esse novo contexto de pesquisa, tal como apresento em seguida.