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Descritivamente, pode-se classificar o acento na língua Kanamari como previsível, pois, ocorre em posição fixa na última sílaba. Conforme demonstram os exemplos abaixo: (107) a. /ˈdʒan/ ‘açaí’

b. /oːˈki/ ‘jenipapo’ c. /taˈwi/ ‘goiaba’

d. /aˈkon/ ‘semente’ e. /jokaˈɾa/ ‘sal’ f. /tʃawahmiˈni/ ‘comida’ g. /o'man/ ‘árvore’ h. /naː'tʃi/ ‘milho’

Em palavras compostas o acento também recai na última sílaba do último morfema: (108) a. /manga'hai/ ‘polpa de manga’

b. /oman'o/ ‘galho’ c. /oman'ba/ ‘folha’

d. /oman'dak/ ‘casca de árvore’ e. /honho'ɾok/ ‘lama’

f. /wah'tin/ ‘igarapé’ g. /hin'hi/ ‘água da chuva’ h. /naːtʃi'ba/ ‘palha do milho’ i. /naːtʃipo'Ɂi/ ‘barba do milho’ j. /naːtʃi'Ɂan/ ‘pé de milho’ k. /naːtʃi'kon/ ‘semente de milho’

O acento secundário ocorre sempre na segunda sílaba à esquerda da sílaba mais proeminente. (109) a. /waˌɾapi'kon/ ‘fruta’ b. /ˌiwih'nin/ ‘parente’ c. /maˌhona'Ɂan/ ‘cana-de-açúcar’ d. /oˌmanpi'kon/ ‘flor’ e. /ˌtɯkɯ'na/ ‘pessoa’ f. /waˌɾika'ma/ ‘capivara’ g. /tʃaˌwahmiˈni/ ‘comida’ h. /ˌdiwah'kon/ ‘coração’

2.5.1 Acento Morfológico

Hayes (1995), ao definir a tipologia das Regras de Acento, classifica-o em Rítmico ou Morfológico. Na primeira classificação, o acento baseia-se em fatores fonológicos, enquanto no segundo caso, o acento é influenciado pela estrutura morfológica da palavra. Esse último tipo de ocorrência foi percebido em algumas palavras derivadas na língua Kanamari. Nessa situação, o afixo não possui acento e, portanto, este permanece na sílaba acentuada da raiz, o que resulta em uma palavra paroxítona, que, apesar de não ser uma característica comum na língua, tem explicação na estrutura morfológica, como demonstram os exemplos a seguir: (110) [kona ̍ma] /kona ̍ma/ ‘ser doente’

[nɪŋ] /nin/ ADJZ

[kona ̍manɪ̃ŋ] /kona'manin/ ‘doente’ (111) [bak'] /bak/ ‘ser bom’

[nɪŋ] /nin/ ADJZ

['bagnɪ̃ŋ] /'baknin/ ‘bom, bonito’

(112) [a] /a-/ 3SG

[-tʃak˺] /-tʃak/ ‘pisar’ [-mãŋ] /-man/ ‘fazer’

[a ̍tʃagmãŋ] /a ̍tʃakman/ ‘ele esmagou’ (113) ['ɲa] /'ɲa/ ‘ser grande’

[nɪ̃ŋ] /nin/ ADJZ

['ɲanɪ̃ŋ ] /'ɲanin/ ‘grande’ (114) [tɪk˺] /tik/ ‘ser preto’

[nɪ̃ŋ] /nin/ ADJZ

(115) [kana'ɾo] /kana'ɾo/ ‘pintura; pintar’

[nɪ̃ŋ] /nin/ ADJZ

[kana'ɾonɪ̃ŋ] /kana'ɾonin/ ‘pintado’

2.5.2 Palavra Mínima

Selecionamos, dentre os dados, algumas palavras monossilábicas a fim de demonstrar a palavra mínima em Kanamari.

(116) a. /nan/ ‘carapanã’ b. /dʒan/ ‘açaí’ c. /hak/ ‘casa’ d. /in/ ‘piranha’ e. /bin/ ‘mutum’ f. /hin/ ‘chuva’ g. /wih/ ‘muito’ h. /on/ ‘tipo de sapo’ i. /don/ ‘peixe’ j. /bok/ ‘assar’ k. /toː/ ‘lá, longe’ l. /tʃoː/ ‘pupunha’ m. /wɯː/ ‘pirarucu’ n. /tʃɯn/ ‘rato’

A partir desses exemplos, levantamos a hipótese de que a palavra mínima é bimoraica em Kanamari, pois é formada sempre por uma vogal longa ou por vogal somada a uma consoante em posição de Coda. Essa interpretação explicaria o motivo de empréstimos da língua portuguesa serem realizados com /h/ em posição final absoluta da palavra, como no

caso de ‘boi’, que é realizado [boih]. Como o ditongo em Kanamari é leve, a fricativa /h/ seria inserida para deixar a palavra bimoraica. Maiores análises sobre essa questão ainda são necessárias.

2.5.3 Duração e Acento

Como é difícil definir foneticamente o acento, muitas vezes, este é definido em relação a recursos fonéticos que possuam outros fins fonológicos (HAYES, 1995), como por exemplo, duração e altura. Logo, pode-se concluir que o acento realiza-se foneticamente com base na característica da língua em questão. A duração é distintiva em Kanamari, por isso, é evitada para se correlacionar com o acento. Hayes (1995) observa que esse aspecto é coerente, pois se a duração fosse usada para marcar o acento, o contraste em vogais longas seria obscuro. Desse modo, as vogais longas não ocorrem em sílaba acentuada, com exceção de palavras monossilábicas, conforme os exemplos abaixo:

(117)

a. /kaː'dʒoh/ [kaː'dʒoh] ‘jacaré’ b. /naː'tʃi/ [naː'tsiɁ] ‘milho’ c. / paː'dʒa/ [paː'dʒaɁ] ‘tamanduá’ d. /waː'ɾo/ [waː'ɾoɁ] ‘papagaio’ e. / maːko'na/ [maːko'naɁ] ‘cará’ f. / kiwaː'dʒoh/ [kiwaː'dʒoh] ‘pássaro’ g. / piː'tʃin/ [piː'tsĩŋ] ‘pulga’ h. /tʃiː'po/ [tʃiː'poɁ] ‘nambu’ i. / piː'dah/ [piː'dah] ‘onça’ j. / waɾapiː'kon/ [waɾapiː'kõŋ] ‘fruta’

k. / tʃiːki'ɾɪ/ [tsiːki'ɾɪɁ] ‘capim, grama’

l. /oː'ki/ [oː'kiɁ] ‘jenipapo’

m. / poː'tʃo/ [poː'tʃoɁ] ‘japó (pássaro)’ n. / apoː'dak/ [apoː'dak˺] ‘casca de ovo’ o. / boː'tʃan/ [boː'tʃãŋ] ‘aranha’

p. / joː'nin/ [joː'nĩŋ] ‘piolho’

q. /'wɯː / ['wɯː] ‘pirarucu’

r. / hɯː'dʒa/ [hɯː'dʒaɁ] ‘macaco-aranha’ s. / mɯː'na/ [mɯː'naɁ] ‘macaco-sagui’

Todos os exemplos em (118) demonstram que o acento em Kanamari não é condicionado à sílaba formada pela vogal longa, mas pode ocorrer em sílabas fechadas pelos segmentos /n/, /k/, /h/ e em sílabas abertas formadas por vogal breve. Em suma, o acento não condiciona o alongamento das vogais em Kanamari, portanto, as vogais longas são fonológicas.

2.6 ORTOGRAFIA

A representação ortográfica usada pelas diferentes comunidades Kanamari não é unificada. Nesse trabalho, optamos por utilizar a ortografia que os indígenas Kanamari da região do Juruá já adotam. Essa representação foi criada pela MNTB, mas já tem sido alterada pelos próprios indígenas. Basicamente, as letras utilizadas seguem o alfabeto do português, quando correspondem aos mesmos fonemas. Há algumas peculiaridades, como o fonema /tʃ/, que é representado por ts. O fonema /dʒ/ inicialmente foi registrado pela letra j, mas, atualmente, os próprios indígenas estão optando pela representação dj, principalmente em nomes próprios, para diferenciarem da pronúncia do fonema /ʒ/ do português. A letra m representa o fonema /m/ e o /n/ em final de sílaba, foneticamente realizado por [ŋ]. A glotal [ʔ] é representada por < ' >, a aproximante /j/ é representada por < y > e a vogal /ɯ/ é representada por < u >. As vogais longas podem ser representadas pela acentuação da vogal simples com < ´ > para diferenciar pares mínimos com vogais breves. A representação ortográfica completa é apresentada no Apêndice A.

3 CLASSES DE PALAVRAS

Em todas as línguas podemos distinguir classes de palavras, porém, estas ocorrem de forma variada em cada língua. As classificações precisam ser definidas com base nos critérios internos da língua e, por isso, essas caracterizações são de caráter gramatical, não apenas semântico. Isto quer dizer que suas distinções não consideram apenas os sentidos das palavras, mas a sua estruturação na língua. Dessa forma, as classes de palavras levarão em conta a distribuição da palavra, suas categorias morfológicas e suas funções sintáticas

Com base na tipologia morfológica das classes de palavras, podemos classificar o Kanamari quanto às fronteiras de morfemas como uma língua de caráter isolante, pois cada palavra gramatical costuma corresponder a um único morfema, como exemplifica o dado em (119). Porém, apresenta tendência aglutinante, ao utilizar afixos a uma raiz, como já demonstraram Queixalós (2010) e Dos Anjos (2011). Essas características aglutinantes ocorrem em contextos de incorporação (nominal ou posposicional) e derivações verbais como demonstrado no exemplo (120).

(119) Homo naki adu kitam. homo naki adu kitam rede INES 1SG dormir

‘Eu dormi na rede.’

(120) Tumhu natopodaknham maratsimim.

tumhu na-to-podak-nham maratsimim

tipo_de_pássaro ERG-APL-botar_ovo-REL areia; praia

‘A praia que o pássaro bota ovo.’

Também podemos diferenciar as classes formadas por termos ilimitados e variáveis, classificados em classes maiores (ou abertas), das que são compostas por um número fixo de elementos e pouco variáveis, as classes menores (ou fechadas). A partir dessa divisão, descrevemos as classes de palavras em Kanamari que serão apresentadas nas seções seguintes.

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