• Nenhum resultado encontrado

Para se falar em um cinema de vanguarda atual, pode-se elencar uma série de nomes de cineastas estrangeiros cujos resultados autorais surpreendem de modo abrupto, como o inglês Peter Greenaway, o canadense David Gronemberg, o norte-americano Spike Lee, o japonês Akira Kurosawa, entre outros. Claro que esses nomes indicados formam apenas uma ínfima parcela diante de tamanho contexto. Seria bastante difícil _ quase impossível _ listar um conjunto represen- tativo dessa expressiva sensibilidade artístico-profissional, em especial quando se olha para os parâmetros globalizantes do chamado cinema mundial _ world

cinema (NAGIB; PERRIAM; DUDRAH, 2011).

Percebe-se que a assinatura que esboçam certas características cinemato- gráficas deixa um registro singular, na história do cinema, de um lugar inviolável _ o que não fica esquecido entre muitos da prateleira de uma cinemateca. Seria

um diferencial indubitável essa assinatura que traduz uma mensagem complexa e, ao mesmo tempo, simples na expectativa de atingir, massificadamente, dife- rentes culturas estrangeiras Provavelmente, instaura-se o escopo profícuo de Pedro Almodóvar: ser lembrado/citado pelo conjunto da obra3.

Excêntrico, Almodóvar conta histórias de forma anedótica a partir de nar- rativas tensas, com situações bizarras e, às vezes, cômicas. Um mix de infor- mações amplia a (res)significação dos códigos (inter)semióticos. Sem dúvida, o cinema de Pedro Almodóvar indica a relevância de sua obra no contexto atual, bem como o pensamento maduro sobre a expressão cinematográfica recente. Afinal, trata-se de um cineasta digno de uma extravagante manipulação dos recursos técnicos, estéticos e éticos, como bom condutor de elétricos efeitos discursivos. Ao promover desfechos desestabilizadores, Almodóvar mistura esses recursos para (re)posicionar desejos e valores. Debate a realidade, ao propor desafios limítrofes que desestabilizam e atualizam o modo de pensar o cinema e outros elementos. Quando se acredita que tudo já foi dito, o diretor renova a sua forma de orientar as produções cinematográficas. O cineasta, portanto, joga com as representações e os paradoxos.

Indiscutivelmente, o que se destaca em determinados filmes seria a única maneira de exibir seu tema _ o mote ideal, o leitmotiv. A decisão particular para um ponto de vista particular equaciona o jeito específico de desenrolar a trama. Ressalta-se o trabalho desse cineasta como provocador, polêmico, dramático e, deliberadamente, kitsch. Do brega ao cafona, seu talento súbito inscreve, de modo criativo, um cinema arrebatador, recheado de borbulhante acidez crítica. Com ênfase, a tenacidade toma conta das cenas. Esse posiciona- mento artístico e, também, político pode ser tonificado, sobretudo, quando o diretor experimenta vertentes contemporâneas de uma nova Espanha de traços singulares, retomada por uma identidade cultural híbrida (CANCLINI, 1998).

Eclético e provocador, a mensagem almodovariana arrisca em uma aventura cinematográfica que traz a cultura espanhola como cerne de suas questões, bem como a autorreferencialidade. Em muitos dos filmes de Almodóvar, encontram- se, por exemplo, referências claramente autobiográficas, o que envolve também o autorreconhecimento. O autorreconhecer pondera a organização do sistema narrativo que, de alguma maneira, explicita a lógica desse cineasta: o estar em cena. 3 Ou seja, elege-se um dos mais relevantes realizadores da história do cinema contemporâneo de renome mundial, que se destaca com prêmios importantes, como o Oscar americano, o Globo de Ouro, o Festival de Cannes na França, o Prêmio Goya da Espanha, o BAFTA, entre outros.

Como exemplificação, sua mãe é convidada a participar de vários projetos, cujas personagens retratam traços familiares de seu parentesco. São experiên- cias, em formato de relatos, depoimentos e testemunhos entrecruzados por suturas peculiares, em que ficção e realidade alicerçam a trama. Almodóvar transpõe questões complexas do cotidiano em ares cinematográficos, de modo sutil e, ao mesmo tempo, arriscado. Enuncia-se um tipo de cinema que (de)marca uma conduta específica e autoral. Origina, assim, um amadurecimento do artista (ator, diretor e escritor), que está para além de uma dimensão exclusiva do cinema. A narrativa absurda nos filmes desenvolve experimentos significativos que fazem o/a espectador/a refletir sobre as representações contemporâneas: fragmentadas, não lineares, paródicas, superficiais e/ou inacabadas. O narrar, nesse caso, compõe diferentes fatos que compilam uma ideia cinematográfica. A poética atrevida de Almodóvar elege temáticas vigorosas para trazer a sen- timentalidade em voga, ao retratar uma configuração audiovisual ardente da cultura espanhola.

Nota-se que Almodóvar escreve por diversas camadas, concomitantes. Si- multaneamente como marca e mensagem, os resultados produzem efeitos intri- gantes, os quais agenciam/negociam a narrativa fílmica com o/a espectador/a. De fato, o que intriga o público é o modo de contar as passagens camufladas em cena. Com isso, as estratégias cinematográficas ampliam a produção de sentido em efeitos.

Mas, para realizar qualquer leitura crítica, distancia-se da busca de sentido como algo preestabelecido e apenas a espera do ato interpretativo na narrativa fílmica, a valer os feixes de efeitos que surgem na tela. Por isso, um filme de Almodóvar pode não fazer sentido para muitos, porque procura ressaltar a experimentação. A ideia está na imagem almodovariana que manifesta uma intensão, desprovida de significações fechadas.

Em sua extensa filmografia, Almodóvar convida o/a espectador/a para saborear algumas provocações cênicas _ na extremidade do julgar. Na verdade, seria mais que um mero entretenimento da atual indústria cultural, seria um incentivo ao pensar atual, ampliado: mais aberto. Longe de preconceito e/ou discriminação!

Os filmes desse espanhol intensificam a pulsão recorrente de emaranhados (inter)textuais. A acuidade (re)paginada com os detalhes de coordenadas discur- sivas auxilia no modo de (re)conduzir a trama cinemática. Isso, estrategicamente, coloca junto texto, imagem e som na sua sagacidade fílmica.

Talvez, esse diretor evoque um gosto pelo prazer de brincar com a mensagem cinematográfica contemporânea, acentuar os paradoxos que convocam o/a es- pectador/a a (re)organizar o modo de perceber as coisas no mundo. Quem sabe, por isso, a irreverência de seu trabalho apareça com a imprevisibilidade fílmica, em que os diversos papéis das personagens são reformatados para uma (des) construção narrativa proposital, que afrouxa e alarga o ruminar sobre as variantes da humanidade.

Entre imagens, corpos e afetos, urge o sentir. Assim, o cineasta usufrui da cria- tividade para infringir normas, leis e/ou regras universais, de determinados códigos sociais prescritos pelo discurso civilizatório a propiciar metamorfoseamentos de “novos/outros” referentes (inter)subjetivos, inclusive da diversidade sexual.

Homossexual publicamente assumido, Almodóvar aposta em temáticas da diversidade sexual. Por isso, faz questionamentos sobre a sexualidade humana, abordadas nos filmes de maneira bastante aberta (SILVA, 1998). O fluxo de liberdade explode com informações inusitadas _ o que suscita como sinaliza- dores das dissoluções espaçotemporais.

Ao pesquisar sua extensa filmografia, é comum observar _ entre imagens, corpos e afetos _ traços denominadores de uma frenética corporalidade em consonância com as políticas de identidade e de gênero, as quais produzem um efeito plástico que agencia/negocia com o/a espectador/a. Na combinatória de expor essa política de identidade e gênero, sobressaltam situações irônicas, debochadas, mas também propositivas na ordem do desejo no cinema.

As investidas desse diretor demonstram elementos discursivos tão diretos e sinceros, que parecem dialogar, esquizofrenicamente, com seus medos, em uma dramatização intensa, quase carnal. Com uma sagacidade invejável, faz-se persistente em aprofundar resultados alucinantes, e as circunstâncias contin- genciais intercambiam informações e controlam intervenções surpreendentes, que desdobram fatos coercivos.

Inevitavelmente, esse renomado cineasta espanhol deve ser considerado como potência discursiva quando se pensa acerca de substratos contundentes das políticas de identidades e de gênero, no universo da cinematografia interna- cional. Mais que uma reivindicação dos movimentos sociais _ diante do binômio exclusão/inclusão _, as políticas de identidades e de gênero prevalecem contra as desigualdades sociais no mundo. Em outras palavras, interessa absorver a escritura cinematográfica de Almodóvar, porque a dimensão discursiva do corpo aparece no comprometimento das modalidades intertextuais de seus filmes.

Logo, suas personagens híbridas servem de estudo para uma noção de corpo, mediante as relações afetivas, em que recupera a circunstancialidade dessa narrativa. Instaura-se uma carne exposta entre afeto e subjetividade da imagem corporal no cinema contemporâneo. O corpo, aqui, expressa o viés particular de um estilo artístico-cinematográfico, por meio de provocações impactantes de imagens fronteiriças, subversivas e transgressoras.

Desse estado de subversão e/ou transgressão no écran de Almodóvar, elencam-se estratégias corrosivas da (des)ordem, de uma posição ideológica e/ou utópica que não esvazia os apelos crítico-conceituais do cineasta, em sua

expertise. Portanto, eis uma estratégia política deliberada e, culturalmente,

provisória que se estabelece a partir do cinema almodovariano.

Seu know-how apurado traduz a insubordinação dessa discursividade, presentificada em sua obra, além de incluir a recorrência de natureza transi- deológica (HUTCHEON, 2000). A subalternidade introjetada na obra almodova- riana (res)significa o objeto textual como lógica transgressora de uma condição adaptativa _ para não dizer, uma possível resistência política e/ou ideológica. Longe de qualquer fragilidade, as resultantes dessa modalidade articuladora da subalternidade, em seus filmes, (re)configuram a mensagem em diferentes níveis discursivos.

Desse enfoque, propriedades da discursividade corpórea envolvem a

diegese4 _ na inscrição antropofágica. Os gêneros (masculino e feminino, na múltipla pluralidade de entremeios) perdem força para ativar o trânsito de traços identitários flutuantes _ como se pode perceber, uma noção de contemporâneo: provisório, parcial, efêmero e inacabado. A atmosfera desses traços identitários se inscreve socioculturalmente.